Edu Lyra, criador do Gerando Falcões, é o empreendedor das comunidades
Com apoiadores bilionários, o paulista Edu Lyra trabalha em um projeto ambicioso: erradicar a pobreza no Brasil
Nenhuma placa anuncia a sede da ONG Gerando Falcões, em Poá, município na Zona Leste da Grande São Paulo. Na garagem do sobrado, um painel discretamente revela os patrocinadores da entidade. Estão ali nomes de peso, como Fundação Lemann, Cyrela, EMS, Wise Up, Microsoft e Itaú, só para citar alguns entre as dezenas de mantenedores. O responsável por atrair esse time é um empreendedor social de 31 anos e um sonho ambicioso. Eduardo Lyra, ou Edu, como costuma ser chamado, pretende acabar com o abismo social e econômico no Brasil. “Não é impossível”, diz ele. “A pobreza pode ser erradicada, se o homem e a mulher quiserem.”
Lyra trabalha para criar a maior rede de ONGs do país. Nessa jornada, está recebendo diversos troféus na imprensa. Saiu na lista da Forbes do Brasil como um dos jovens mais influentes do país com menos de 30 anos, foi eleito homem no ano em responsabilidade social pela GQ e recebeu o prêmio Paulistano Nota 10 da Veja São Paulo.
[atualização abril/2020]: Em tempos de pandemia, Lyra lançou o movimento #CoronaNoParedao, um “fundo emergencial” criado para prover alimento para 60 mil pessoas das favelas nos meses de abril, maio e junho. O projeto, além do apoio do time da Gerando Falcões, conta com doações da população para, em rede com as ONGs conveniadas, enviar cartões de vale alimentação para serem distribuídos nas comunidades. As doações podem ser feitas pelo site da campanha ou pela Rappi, clicando no botão “Doe Agora” na home do aplicativo. A iniciativa, que carrega o apoio de nomes como Marina Ruy Barbosa, Daniel Alves e Cauã Reymond, já arrecadou mais de R$ 10 milhões, ajudando diretamente 34.000 famílias em mais de 100 comunidades espalhadas por 11 Estados.
HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
A trajetória de vida de Lyra justifica seus louros. Ele nasceu em um barraco de um cômodo e chão de terra batida em Guarulhos. Seus pais, sem dinheiro para o berço, improvisaram uma cama em uma banheira de plástico. Dos 4 aos 7 anos de idade, Lyra ia visitar na prisão o pai, indiciado por roubo a banco. Conforme crescia, enquanto muitos amigos embarcaram no crime, o futuro empreendedor social foi o primeiro de sua família a entrar na faculdade. Durante o curso de jornalismo na Universidade de Mogi das Cruzes, escreveu o livro Jovens Falcões, com histórias de 14 brasileiros empreendedores. Sua história como empreendedor social começou ali, aos 22 anos.
Em entrevistas, palestras e livro, Lyra costuma dizer que superou os obstáculos da pobreza graças ao incentivo da mãe, a diarista Maria Gorete. A frase “não importa de onde você vem, mas para onde você vai”, repetida pela genitora, virou seu mantra e está estampada numa parede da ONG. Sim, o apoio dos pais é fundamental para a autoestima dos filhos. Mas o trunfo de Lyra, evidentemente, não é só esse. As qualidades que o fizeram chegar aonde chegou já se manifestavam nos tempos de estudante. Entre elas estão carisma, oratória, persuasão e muito traquejo social. Lyra é um líder nato.
Em 2011, sem uma editora para publicar seu livro, correu atrás de parcerias com comerciantes de Poá e imprimiu a obra de maneira independente. Mobilizou 50 voluntários – muitos da igreja evangélica da qual é seguidor – para vender os exemplares de porta em porta por R$ 9,99. Comercializou cerca de 5 mil livros em pouco mais de três meses. Com o dinheiro, criou o Projeto Gerando Falcões. Por meio de palestras para estudantes de escolas públicas, Lyra queria motivar os jovens a, como ele, superar as adversidades e enxergar um futuro longe das drogas e do crime.
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FADA MADRINHA
O pulo do gato veio dois anos depois, quando Lyra foi selecionado para o Global Shapers, uma comunidade de jovens líderes criada pelo Fórum Econômico Mundial. A nomeação dos brasileiros escolhidos pelo projeto ocorreria no bairro do Morumbi, em São Paulo, na mansão de Patrícia Villela Marino, presidente do Instituto Humanitas 360, fundadora do CiviCo e casada com Ricardo Villela Marino, CEO e um dos herdeiros do Itaú.
“Foi a primeira vez que saí da periferia e vi prosperidade”, recorda-se Lyra. “Eu poderia ter três reações: sentir ódio, ficar intimidado ou aproveitar a oportunidade.” O empreendedor social teve cinco minutos para falar. Foi o suficiente para encantar a plateia, em especial a anfitriã, que se tornaria uma espécie de fada madrinha para ele. Ao fim do evento, os Villela Marino ofereceram a Lyra um “seed money”. Diante da cara de interrogação do interlocutor sobre a expressão, que significa investimento semente, Patrícia anunciou que queria investir nele. “Ela pediu meu CNPJ, que eu nem sabia o que era”, diverte-se o fundador da Gerando Falcões, um homem de 1,87 metro, 75 quilos e sorriso largo.
Além do aporte de mais de R$ 100 mil, Patrícia ofereceu a Lyra algo que não tem preço: seu prestígio social e sua bilionária rede de contatos. “Quando o conheci, pensei que aquele era um jovem corajoso e treinado na adversidade, cuja dificuldade não tinha corrompido valores e princípios que formavam seu caráter”, disse a filantropa a VERSATILLE. “É alguém que eu gostaria de ter como mentor para meu filho ou filha. Sua história exemplifica a inspiração bíblica do profeta Daniel, cujos valores e princípios o nortearam por adversidades sem que ele se corrompesse”, derrete-se ela.
A Gerando Falcões se estruturou e implantou oficinas de esportes e artes em escolas públicas. Depois, vieram programas de qualificação profissional para jovens e de auxílio para egressos do sistema prisional no mercado de trabalho.
MODELO AMBEV
A partir de 2017, a ONG começou a mudar de rota com a chegada de recursos captados com novos investidores, entre eles o segundo homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann. “O Lemann me influenciou a pensar grande”, diz Lyra. Inspirado por ele, instituiu na Gerando Falcões o modelo de metas adotado pela Ambev.
Para ganhar escala, a Gerando Falcões pivotou e tornou-se uma espécie de aceleradora de organizações não governamentais. Em vez de começar um trabalho do zero, a entidade seleciona e treina líderes de comunidades locais. Seu objetivo é modernizar o modelo administrativo de ONGs já existentes, com conceitos de gestão aplicados por grandes empresas, além de injetar dinheiro nas entidades.
Nos próximos quatro anos, Lyra quer atingir 1.200 das 7 mil favelas no Brasil e formar uma rede que interligue todas elas. “Eu tive mentoria, me ensinaram a fazer gestão, me deram acesso, me conectaram com gente e me botaram dinheiro. Empacotei o que vivi nos últimos sete anos e vou distribuir esse conhecimento para as favelas”, afirma Lyra.
Meritocracia, gestão, escala e metas são palavras que soam como música para os ouvidos dos faria limers investidores da Gerando Falcões. O exemplo de superação de vida de Lyra também. “As pessoas gostam de ajudar a quem se ajuda”, explica o empreendedor social. “Se você ficar dentro de um carro atolado, dificilmente alguém vai te socorrer. Mas, se você começa a empurrar, provavelmente os outros vão oferecer ajuda. Eu sempre desci do carro. Meu discurso é: ‘Eu já estou indo. Vamos juntos?’.”
PERFIL por Marcella Centofanti | Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille.