6 perguntas para o cientista político Murillo de Aragão

O professor e fundador da Arko Advice Pesquisas nos ajuda a entender os ciclos políticos e as mudanças do mundo contemporâneo

Foto: Divulgação

Abrir os olhos, despertar, passar um café e só então sentar-se para ler o jornal ou assistir às notícias do dia na televisão. Para muitas pessoas, essa rotina virou passado há um bom tempo. Hoje, é muito mais fácil simplesmente pegar o celular e, ainda deitado, receber uma enxurrada de informações em menos de cinco minutos.

 

Aqui, não vamos discutir a saudabilidade desse hábito, mas sim a forma como ele nos atrapalha para entender o que está acontecendo com o mundo. Manchetes são lidas enquanto as reportagens passam despercebidas. Notícias falsas circulam rapidamente. Interpretações equivocadas são levadas adiante como se fossem verdades. Tudo isso cria um ambiente inóspito para se discutir temas complexos, como política – e talvez essa seja a raiz de problemas como a polarização e a descrença dos eleitores.

 

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Não há uma resposta exata, mas conversar com profissionais especializados no assunto nos ajuda a compreender um pouco melhor os ciclos políticos e as mudanças constantes do mundo contemporâneo. Em bate-papo com Murillo de Aragão, professor, cientista político e fundador da Arko Advice Pesquisas, referência em análise política no país, ele esclareceu algumas questões sobre o momento que estamos vivendo. Confira a seguir.

 

Versatille: Observando debates eleitorais, percebemos um crescente extremismo e uma onda de polarização. Acha que esse cenário representa uma tendência política global?

Murillo de Aragão: O fenômeno da radicalização política é mundial e foi estimulado, sobretudo, pelas redes sociais, já que a imprensa, no século passado, filtrava um pouco as manifestações mais radicais e evitava que elas provocassem reações mais extremas por parte da população. Com as redes sociais, o número de emissores de informação aumentou muito, e isso facilitou a polarização. O que há também é um descrédito em relação às instituições, que são consideradas paralisadas para atender às demandas da sociedade. Isso também é algo que fomenta a polarização na atualidade.

 

V: Quais são os malefícios desse momento político para a população?

MA: As últimas eleições municipais trouxeram mensagens antagônicas. De um lado, houve uma percepção de que a radicalização política prevaleceu. No entanto, se olharmos os resultados, quem ganhou as eleições no país foi um centro alargado, que às vezes chega até a extrema direita, mas que basicamente se concentra no espectro político da centro-direita e do centro. Isso foi uma escolha da população. Mas, se por acaso essa polarização radicalizada prosseguir ou ganhar mais força, é evidente que é ruim para todos, pois cria um ambiente de antagonismo feroz na sociedade brasileira.

 

V: Você acredita que o extremismo faz parte de um ciclo político?

MA: O extremismo político faz parte, sim, de ciclos da vida do ser humano. Sociedades muito desenvolvidas caíram em circunstâncias de grande autoritarismo e extremismo, como a Itália, com vasto patrimônio cultural, que abraçou o fascismo. Ou a Alemanha, que saiu de uma guerra e impôs uma democracia que fracassou e deu origem ao nazismo. Então esses ciclos ocorrem na humanidade. E tudo o que é bom pode piorar, isso depende das elites, da participação popular, da qualidade da educação e da opinião pública.

 

V: Na sua visão, qual a melhor forma de fazer das redes sociais aliadas na política, e não um ambiente apenas de memes e fake news?

MA: As redes sociais são, de modo geral, aliadas da população. Evidente que também há resultados negativos, com a profusão de fake news, radicalismos e interpretações falsas, que é uma outra praga dos tempos modernos. A solução para isso é a educação. É ter a capacidade de discernir. Sobre isso, eu busco até um exemplo na Dinamarca, que ensina empatia no currículo escolar do primeiro grau. É necessário que a população saiba ser empática frente aos outros e à opinião diversa. Essa é a maneira de fazer com que as redes sociais sejam ainda mais aliadas. Elas já são muito importantes, mesmo com efeitos colaterais que precisam ser limitados.

 

V: Para aqueles que se sentem cada vez mais impotentes com as crises, o que se pode fazer para viver nesta era política sem cair nas armadilhas do radicalismo ou da descrença?

MA: As crises são fatores de transformação. Em geral, elas promovem transformações importantes, muitas vezes para o bem da humanidade. Evidente que pagamos o preço com sofrimento e dor; no entanto, a humanidade sabe conviver com esses momentos. É resiliente, vai em frente e busca o melhor para si. Agora, o que eu vejo como essencial é a sociedade não ser tutelada pelo Estado da forma como se estabeleceram os regimes políticos de direita e esquerda. Há de existir uma visão onde o Estado funciona para a sociedade, e não o contrário. Nesse momento, provavelmente as crises vão diminuir e a população vai ter um pouco mais de satisfação.

 

V: O que podemos aprender a não replicar com esse momento em que vivemos?

MA: O aprendizado vem com o sofrimento, mas eu espero que a gente aprenda sem muitas dores. O fundamental é observar o que está acontecendo e ter uma visão equilibrada dos movimentos políticos e da sociedade. Entender o processo que leva à crise como um fator de ensino para que se evite trilhar os mesmos caminhos novamente.

 

Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 137 da Versatille

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