Vinhos brasileiros se destacam no exterior
Vinificação cercada de cuidados, conceitos inovadores e métodos diferenciados são alguns dos caminhos de vinícolas nacionais em busca de qualidade e de bons frutos
Bons champanhes podem ser descritos com aromas como brioche embebido em café com leite, notas evoluídas de fermentação e de laranja kinkan. Esses adjetivos, no entanto, foram utilizados pela crítica inglesa Jancis Robinson para descrever não um representante francês, mas o espumante brasileiro Cave Geisse 1998, elaborado em Pinto Bandeira, na Serra Gaúcha. O exemplar brasileiro foi selecionado como exemplo pela crítica em uma apresentação sobre os rótulos fora de Bordeaux que devem marcar o futuro da vinicultura mundial.
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A degustação, realizada no fim de 2011, foi o maior aval que o espumante de Mario Geisse, um chileno de alma brasileira, poderia receber. E provocou o enólogo a apostar sempre nos longos períodos de envelhecimento de seus espumantes – o de 1998 ficou 12 anos com o líquido em contato com as leveduras, em um processo chamado de autólise, que aumenta sensivelmente a complexidade e a cremosidade da bebida. Atualmente, a maioria dos espumantes da Cave Geisse passa pelo menos 36 meses nesse processo antes de chegar ao mercado. E Geisse não tem dúvidas de seu potencial. “O Brasil tem vocação para os espumantes”, resume ele. O enólogo acredita na região desde o fim da década de 1970, quando chegou ao Brasil para liderar as atividades da francesa Chandon.
Geisse não chegou no topo por acaso. Dos mais de 70 hectares de sua propriedade, apenas 40 têm vinhedos. O plantio não é aleatório. Mudas de chardonnay e de pinot noir só são cultivadas nas parcelas de solo do período cretáceo, que têm o basalto já fragmentado e melhor drenagem. Traz, aqui, o conceito de terroir, aquela palavra sem tradução para o português que resume o conjunto de solo, microclima e variedade. Ainda, os vinhedos são cultivados sem agrotóxicos e as uvas, colhidas em seu ponto certo de maturação. A vinificação é cercada de cuidados, e a segunda fermentação, aquela que cria as borbulhas, é realizada sempre em garrafas, em ambiente de temperatura controlada.
Ele não é o único a seguir esse caminho em busca da qualidade e de bons frutos. Outro exemplo é a paulista Guaspari, a primeira vinícola brasileira a conquistar medalha de ouro do Decanter Wine Arwards, um dos mais valorizados concursos de vinho da atualidade. Foi com a safra de 2012 do syrah Vista do Chá que obteve 95 em uma escala de 100 pontos.
Projeto em Espírito Santo do Pinhal, na Serra da Mantiqueira, a Guaspari também aposta em conhecer bem seu terroir. Cada parcela de vinhedo é separada de acordo com seu solo, clima e incidência de raios solares e batizada de vista. Há a Vista do Chá, da Serra, da Água e assim por diante. O projeto nasceu em 2006, com o plantio dos primeiros seis hectares (atualmente são 50), e conta com muita consultoria internacional, entre eles o americano Gustavo Gonzalez, na enologia, com passagens pelo grupo Mondavi, e o português Paulo Macedo, com experiência no Douro, na viticultura.
Inovadora, a Guaspari traz ainda o conceito de poda invertida. Plantadas em terrenos de altitude, entre 1.000 e 1.300 metros do nível do mar, as vinhas são conduzidas de maneira a dar frutos no inverno, quando não chove na região, e as grandes diferenças de temperatura entre o dia e a noite permitem a lenta e completa maturação de seus frutos.
Em Santa Catarina, é também um vinhedo de altitude, a 900 metros do nível do mar, que vem chamando atenção. Com 16 hectares cultivados e o plano de chegar a 20 hectares, a vinícola Thera é um projeto de João Paulo Freitas, filho de Manuel Dilor de Freitas, que fundou a Villa Francioni. “Os vinhedos são plantados pela exposição solar, relevo e drenagem do solo”, conta Abner Zeus Freitas, sócio-diretor da vinícola. A produção é pequena (serão 40 mil garrafas em 2020), e variedades como chardonnay, nas brancas, e sangiovese e merlot, nas tintas, começam a chamar atenção. A névoa matinal, que cria um microclima especial para as vinhas, também é explorada em seu projeto de enoturismo, com uma pousada-butique com sete quartos.
Se a procura é por vinhos brasileiros de qualidade, mas com perfil mais desafiador, a parada é no projeto do enólogo Luís Henrique Zanini e seus sócios, com a proposta de elaborar vinhos por métodos ancestrais e da valorização de variedades quase extintas. O projeto nasceu em 2004 e seu maior destaque é a peverella, variedade italiana trazida pelos imigrantes. A uva dá origem a um espumante e também a um “vinho laranja”, como são chamados os brancos que maceram com as cascas por mais tempo e ganham uma coloração âmbar. Eles são complexos e estruturados e mostram que o Brasil tem potencial para se diferenciar no mundo dos vinhos.
Era dos Ventos Peverella 2017, R$ 290, na Família Kogan
Vinhedos antigos de peverella, com mais de 50 anos, são a base deste vinho de fermentação espontânea.
Seus aromas lembram pêssegos e damascos, com um toque de frutos secos e outro floral. Mais untuoso no paladar, equilibrado e longevo.
Cave Geisse 2011 Brut, R$ 460, na Família Geisse
Este espumante passou nove anos em contato com as leveduras e ganhou complexidade. Seus aromas remetem a frutos secos, nozes e notas de panificação. Mais encorpado (para um espumante) e cremoso no paladar.
Guaspari Syrah Vista do Chá 2016, R$ 248, na Guaspari
Com seus aromas de frutos negros e notas de especiarias, o syrah mostra sua vocação no Sudeste brasileiro. É um tinto complexo, com boa estrutura (passou 25 meses em barricas de carvalho francês) e taninos presentes e sedosos.
Thera Chardonnay, R$ 139,90, na Vinícola Thera
Notas cítricas, de baunilha e amanteigadas aparecem no paladar deste branco, que tem 20% das uvas fermentadas em barricas de carvalho. É um vinho de boa presença em boca, cremoso, com frescor.
Por Suzana Barelli