Tudo É Rio é uma “provocação sobre a condição humana”, diz Carla Madeira
Livro de estreia de Carla Madeira ganha popularidade sete anos após seu lançamento
Detalhes sórdidos não são poupados em Tudo é Rio. A narrativa sobre três personagens em uma pequena cidade é conduzida a sangue, suor, lágrimas e saliva. A começar por Lucy, a prostituta mais despudorada e arrogante da região. Acostumada a ter a atenção de todos, ela entra em choque por não ser cobiçada por um dos frequentadores do prostíbulo, Venâncio, por quem logo se apaixona. Há um motivo para essa falta de interesse: o homem, carrancudo e reservado, guarda um grande remorso por ter cometido um crime brutal, que resultou em uma perda trágica para ele e sua esposa, Dalva. Revelar o desencadeamento de fatos a partir de então seria desonesto com futuros leitores, pois nenhuma descrição deve substituir a forte correnteza narrativa que toma a leitura logo nas primeiras páginas.
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Lançado originalmente em 2014, pela editora independente Quixote+Do, o livro de estreia da jornalista e publicitária Carla Madeira ganhou uma nova edição pelo Grupo Editorial Record em fevereiro deste ano, alçando altos voos para a escritora mineira. Além de cair no gosto popular de leitores ávidos nas redes sociais, a obra atingiu em março a nona colocação da lista Nielsen PublishNews, que apura as vendas de autores nacionais nas livrarias de todo o país, entre os livros de ficção.
Após sete anos do lançamento, a obra permanece atemporal, sem perder seu impacto. A premissa, já conhecida na literatura, é levada muito além por meio da habilidade narrativa de Carla, que destrincha os fatos de maneira instigante e provocativa. Tudo é Rio até mesmo desafia o leitor a nadar contra a correnteza, mas é difícil não ser engolido. Para apreciar a fluidez e refletir sobre cada gota, é preciso ler novamente.
Veja a seguir trechos da entrevista concedida pela autora mineira à Versatille.
Versatille: Quando a escrita e a literatura entraram em sua vida?
Carla Madeira: A literatura entrou pela música. Sempre fui muito apaixonada por MPB. Todo lançamento de disco eu comprava e acompanhava as letras. Aprendi a tocar violão, a compor e a lidar com a palavra. Também sempre gostei muito de ler. Quando fui escolher, fiz dois anos e meio de matemática antes de ir para a comunicação. Quando estava lá, mesmo gostando muito, comecei a sentir uma solidão e, mesmo tendo facilidade, senti falta da linguagem artística. Na comunicação e na publicidade a gente precisa trabalhar com todas as formas de comunicar: cinema, música, texto e imagem. Isso ajudou a formar a maneira como escrevo. Tenho um gosto pela fábula, pela objetividade. Mesmo com uma coisa poética, que é o caso de Tudo é Rio.
V: Quando começou a escrever Tudo É Rio?
CM: Comecei com o exercício da linguagem, com a prosódia, querendo experimentar com a musicalidade. Iniciei a escrita por outro caminho, não foi por onde começa hoje. Criei toda uma história. Quando abri a segunda parte do livro, escrevi a cena que hoje é a que realmente começa Tudo é Rio. Depois de escrevê-la, fiquei paralisada por 14 anos. Foi muito forte para mim. Não consegui avançar na história. Retornei e decidi iniciar o enredo a partir desse momento que me provocou emocionalmente. Escrevi durante oito meses, praticamente diariamente.
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V: Como tem sido revisitar a obra após anos do primeiro lançamento?
CM: Tem sido superemocionante. Tenho recebido uma ressonância muito calorosa. As pessoas estão se sentindo afetadas e ficam com o desejo de se manifestar comigo. É como se a obra fosse reescrita em cada leitor. Isso é muito legal para o autor viver.
V: Como resumiria o livro em poucas palavras?
CL: Ele tem uma provocação sobre o que é a condição humana, no sentido de que somos todos capazes do bem e do mal. Traz a pergunta se é possível perdoar o imperdoável. Traz a questão da humanidade nos personagens. A situação que abre o livro é muito violenta. Uma coisa brutal. Os personagens precisam viver e seguir uma trajetória para sair da imobilidade. A ideia central é esse exercício da humanidade, sem maniqueísmos. Todos temos a potência para o bem e para o mal.
Por Mattheus Goto | Matéria publicada na edição 120 da Versatille