“Não é um retrato com tintas positivas”, diz Marcelo Vicintin sobre As Sobras de Ontem

Na obra, o autor se baseia em dois perfis de uma elite brasileira em decadência

Retrato de Marcelo Vicentin,
Marcelo Vicintin, autor de "As Sobras de Ontem" (Divulgação)

Carisma não é o forte de Egydio Brandor Poente e Maria Luiza Alvorada. Os protagonistas de As Sobras de Ontem, romance de estreia de Marcelo Vicintin, são membros de uma elite brasileira em decadência. Seu espírito não é cativante, seu exercício de empatia caleja e seu palavreado não é nada sedutor (principalmente para os politicamente corretos). Mas, talvez, por serem tão antipáticos e peculiares, eles se tornam reais ao leitor.

 

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Egydio é herdeiro da empresa de navegação da família. Após envolver a companhia em esquemas políticos de corrupção, é detido em flagrante por uma força-tarefa da Polícia Federal. Em prisão domiciliar, ele inicia a história de forma arrastada, narrando o processo de levantar da cama de manhã quando não há sentido em acordar. O personagem se encontra perdido na própria opulência. Ao longo do livro, decide organizar um banquete para 40 convidados, como um “baile da Ilha Fiscal”, para tentar ressignificar sua existência e dar um golpe de sorte nas finanças.

 

Maria Luiza, segunda narradora, é uma estudante de arquitetura de classe média. Seu drama é estudar em uma escola de “rico de verdade”, o que traz à tona uma carência da infância. Aos 15 anos, a pequena Marilu sonhava em ganhar uma bolsa de presente. Sua avó fez questão de levá-la a Paris para conhecer hotéis luxuosos e lojas de roupas. Experiências como essa, na iminência de um estilo de vida que não lhe pertence, a tornam arrivista e obcecada pela imagem perfeita.

 

“As Sobras de Ontem” é parte de um projeto literário maior, no qual Vicintin se envolverá nos próximos anos (Divulgação)

 

As tentativas – falhas ou não – de se adequar ao mundo ideal dos afortunados atestam que a felicidade pode ser diferente do que imaginavam. É justamente sobre isso que trata a epígrafe de As Sobras de Ontem, uma frase do socialite e milionário Jorge Guinle: “O melhor momento das pessoas é quando elas estão subindo ou descendo. No topo, todos ficam chatos”. 

 

Para Marcelo Vicintin, essa é uma análise crítica da sociedade, porém necessária. “Busco fazer um retrato humano, sem teor de denúncia, com as coisas boas e ruins”, conta. “Personagens que, no fundo, são condenáveis, mas que também têm seus charmes em alguns momentos.”

 

Leia a seguir trechos da entrevista com Marcelo Vincintin.

 

Versatille: Quando a escrita e a literatura entraram em sua vida?

 

Marcelo Vicintin: Venho de uma família de empresários. Quando era mais novo, segui o mesmo caminho, que parecia mais natural. Mas sempre fui um apaixonado por literatura, consumo muito. Ao longo dos 15 anos que trabalhei com investimentos e administração de empresas no geral, no Brasil e afora, sempre reservei um tempo para discutir literatura. Nos últimos dez anos, comecei a me entender melhor e percebi que não queria só consumir, queria escrever. Fazer parte desse diálogo e dessa troca que é a produção literária.

 

 

Versatille: Como foi o processo de escrita de As Sobras de Ontem?

 

Marcelo Vicintin: Uma das primeiras ideias veio de um ensaio de Joseph Brodsky, que fala sobre esse privilégio ao tédio. Um tédio gerado pela abundância. Eu me interessei em entender por que uma pessoa rica rouba e sabota a sociedade que a colocou como privilegiada. Por volta de 2016, comecei a produzir meu primeiro texto longo. Trabalhava em uma empresa de energia solar que fundei e tinha fóruns de governança da minha família. Não queria que as pessoas pedissem para ler, então escrevia escondido, literalmente. Marcava reuniões fantasmas e até já pedi desculpas aos meus sócios, porque fazia isso para escrever o livro. A única pessoa que sabia era minha namorada na época. Quando ganhou corpo, eu fui atrás de publicar e fiz um jantar para contar para toda a família.

 

V: Tem algum escritor em quem se inspirou?

 

MV: O primeiro livro que me impactou como obra de arte foi de Machado de Assis. Quando li Dom Casmurro, fiquei impressionado. Eu me lembro de ler todos os “Machado” no colégio. Minhas primeiras influências são dele. Fico feliz que muitas pessoas que leram o livro veem paralelos com Brás Cubas. Foi intencional.

 

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V: Como foi a recepção do livro?

 

MV: Fiquei um pouco surpreso. Eu trabalho com investimentos e empresas, isso me leva a lugares e situações parecidas com as retratadas no livro. E não é um retrato com tintas positivas. Lembro de ler uma biografia de Marcel Proust que fala sobre uma crítica que ele fez a Paris e resultou em sua expulsão do jóquei-clube logo em seguida. Tinha receio de ser recebido dessa forma. Muito pelo contrário. As pessoas do meu círculo leram e acharam pertinentes as críticas, gerou uma reflexão. Fiquei feliz que interpretaram dessa forma, isso sem me odiar por tê-las feito. 

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