“Torto Arado é uma história sobre o desejo de liberdade”, diz Itamar Vieira Junior

Itamar Vieira Junior cria uma ambientação arrebatadora para contar a história de duas irmãs em Torto Arado, romance ganhador dos prêmios Jabuti, Oceanos e LeYa

Itamar Vieira Junior, autor de Torto Arado
Itamar Vieira já começou a escrever seu próximo romance, sem prazo de lançamento (Câmara Municipal da Póvoa de Varzim)

Bibiana e Belonísia vivem nas profundezas do silencioso sertão baiano. Curiosas, as irmãs encontram uma faca escondida em uma mala sob a cama da avó, Donana. Um estranho sentimento de levar o objeto pontiagudo à boca toma conta das duas, que imediatamente sentem o gosto de sangue quente. A língua de uma delas é decepada, obrigando a outra a ser sua voz a partir de então. O leitor só descobre qual das irmãs perdeu a habilidade de falar nos meados de Torto Arado, romance de Itamar Vieira Junior, 42.

 

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A obra venceu o Prémio LeYa em 2018 e foi publicada no Brasil pela editora Todavia no ano seguinte. Em 2020, o escritor baiano continuou colhendo os frutos de suas palavras e recebeu os prêmios Oceanos e Jabuti.

 

O livro é dividido em três partes. As duas primeiras são narradas por Bibiana e Belonísia, respectivamente. As protagonistas são filhas de Salustiana e Zeca Chapéu Grande, trabalhador de Água Negra e líder do jarê, religião de matriz africana praticada nas cidades do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Curandeiro, o homem ainda atua como líder político e apaziguador de conflitos na região. O romance chega ao final relatado por uma entidade do jarê, na terceira parte.

 

(Divulgação)

 

Há uma tensão arrebatadora na narração, que evidencia não só o enredo fictício, mas também a realidade do Nordeste. “É um retrato atual das relações de exploração, ainda muito presentes no sertão brasileiro”, afirma Vieira Junior, em conversa por telefone com a Versatille. “É um romance que fala das permanências, de um Brasil encalhado no período escravista, mesmo tendo se passado tanto tempo.”

 

Além de se dedicar à literatura, o soteropolitano trabalha como servidor público no setor agrário. Formado em geografia e doutor em estudos étnicos e africanos, Vieira Junior já lançou outros dois livros, A Oração do Carrasco e Dias.

 

Veja a seguir trechos da entrevista com o autor de Torto Arado.

 

Versatille: Quando a escrita e a literatura entraram em sua vida?

Itamar Vieira: Quando aprendi a ler e escrever. Não segui esse caminho porque não fui encorajado, por entender as condições financeiras da minha família. Era indesejável que eu arriscasse minha vida para ser escritor. Desde pequeno escrevo e continuei escrevendo. Fui mais pragmático na hora de escolher com o que trabalhar. Só senti segurança com meus escritos quando adquiri mais estabilidade.

 

V: Quando você começou a escrever Torto Arado?

IV: Escrevi a primeira versão aos 16 anos. Tinha terminado de ler obras de escritores do Nordeste, da geração de 1930 e 1940, e fui profundamente influenciado. Meu pai me deu uma máquina de escrever e comecei a construir a história. Cheguei a produzir 80 páginas, mas elas se perderam em uma mudança. A retomada do projeto aconteceu no meu reencontro com o campo, quando comecei a trabalhar na área e vi um Brasil contraditório. Cidades modernas e um campo tão arcaico, dominado pela violência dos senhores, dos proprietários de terra contra os trabalhadores. A história mudou muito nesse meio-tempo, mas o mote da relação de duas irmãs com a terra permaneceu, e o título também.

 

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V: Por que escolheu Torto Arado?

IV: É um verso do poema “Marília de Dirceu”, de Tomás António Gonzaga [A devorante mão da negra Morte/(…) lhe arranca os brancos ossos/Ferro do torto arado]. Para mim, o arado velho, retorcido, era uma imagem forte das permanências no campo. Quando escolhi o título, queria algo que simbolizasse a história.

 

V: Como o livro pode ser resumido?

IV: Torto Arado é uma história sobre o desejo de liberdade, o desejo de autonomia, o desejo de ter a própria história. E ser dono da própria história. Esses sentimentos passam por uma questão particular para as personagens, mas que dizem respeito a todos nós. O direito à vida, ao chão que a gente pisa, seja a nossa casa, seja a terra dos trabalhadores rurais, seja a nossa cidade. É, sobretudo, uma história sobre a liberdade que foi negada secularmente, sob as condições em que ocorreram a diáspora. 

 

Por Mattheus Goto | Matéria publicada na edição 118 da Versatille

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