Toda forma de influência será aceita? Quem são os novos protagonistas da vida digital

Médicos, líderes comunitários e até grandfluencers (conhece?): entenda os novos papéis do mundo digital com uma expert da USP

(Foto: Reprodução Instagram @bonpon511)

VIDA DIGITAL por Issaaf Karhaw | Matéria publicada na edição 116 da revista Versatille

 

O estereótipo da blogueira em paisagens paradisíacas tem dado lugar a novos protagonistas da vida digital. Médicos, líderes comunitários e até os grandfluencers (conhece?) reforçam que, mais do que estimular consumo, as redes sociais podem colocar em pauta discussões fundamentais.

 

Há poucos dias, descobri o termo grandfluencers. A palavra é resultado da junção dos termos “influencer” e “grandparents” – avós em inglês. Ou seja, refere-se aos influenciadores digitais com mais de 60 anos. Ao lado dos grandfluencers, diariamente surgem produtores de conteúdo digital que fogem do estereótipo da clássica blogueira de moda ostentando grifes luxuosas e viagens paradisíacas em um perfeito feed do Instagram.

 

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A influência digital está se reconfigurando. Não à toa, ao longo de 2019, discutiu-se o boom dos microinfluenciadores – sujeitos que conseguem visibilidade a partir da produção de um tipo de conteúdo de nicho, mais específico e para grupos menores de audiência, dividindo interesses em comum. A entrada dos microinfluenciadores revelou uma inquietação no mercado de comunicação digital e, especialmente, de seus públicos nas redes.

 

Carla Lemos, do Modices

De certo modo, os influenciadores com significativa visibilidade midiática, até então, pareciam não representar uma classe muito diversa. E, por anos, construiu-se um modelo desse produtor de conteúdo. O estereótipo, porém, escondia os aspectos mais complexos do mercado, as nuances e a variedade de influenciadores digitais existentes na rede. Mas a pandemia de covid-19 colocou em suspensão esse processo de concessão automatizada de visibilidade e nos fez questionar: afinal, todo tipo de influência será aceito?

 

O surgimento dos influenciadores digitais trouxe algo inédito à forma como consumimos a mídia: uma recém-adquirida autonomia. Saímos de um lugar de receptores para ocuparmos espaço de produtores e agentes da mídia. Diariamente, por meio de nossas curtidas e comentários, usamos nossa autonomia midiática para dar mais ou menos visibilidade para influenciadores diversos. Não exclusivamente, mas em certa medida, os influenciadores dependem do público para prosperar. Nesse processo, não há unilateralidade. Pegando emprestada a hashtag de períodos pandêmicos: estamos todos juntos nessa! Mas, dizem, com grandes poderes vêm as grandes responsabilidades.

 

Felipe Neto

E, assim, os lugares de prestígio da rede foram ocupados por perfis de influenciadores que, no meio de uma pandemia, passaram a gerar certo incômodo. As casas confortáveis que apareciam como plano de fundo nos vídeos, seguidas de apontamentos sobre a dificuldade do confinamento. As fotos de viagens que eram relembradas no desejo da próxima. E mesmo a possibilidade de continuar trabalhando frente ao crescente número de desempregados no país passou a revelar um tipo de influenciador que parece não representar o Brasil e, em muitas medidas, tampouco compreendê-lo.

 

Além dos descontentamentos, há outro aspecto crucial nessa relação com os influenciadores: o pacto de comunicação estabelecido. Existem formas de nos relacionarmos com os influenciadores. Um deles é por meio da identificação, quando há muito neles que podemos ver em nós e se estabelece aí um vínculo quase de amizade e até genuíno: de um lado, estimulado pelas redes sociais que dão a impressão de proximidade e, do outro, pelos próprios influenciadores digitais, que forjam certo grau de intimidade. O outro pacto comunicativo comum ocorre por meio da projeção. Observa-se aquele sujeito tão perto e tão longe que detém aquilo que desejamos e que provoca sentimento de aspiração.

 

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É assim, inclusive, que nos relacionamos com as celebridades mais tradicionais da televisão, do cinema: por identificação e por projeção. Mas os influenciadores alteram esse pacto uma vez que podem vir a se tornar celebridades, mas a priori são sujeitos comuns, amadores que passaram a produzir algo nas redes e legitimar-se por conta de sua presença digital constante. No processo de legitimação, recebem nosso carimbo de “esse aqui vale o follow!”. Eles são os eleitos. Eleitos por nós, egressos de nós.

 

Pequena Lo, com vídeos hilários, também ganharam mais visibilidade

E o desconforto, a reorganização de nossas escolhas revela um próximo passo de nossa autonomia midiática: nossa literacia midiática. Usa-se o termo literacia para referir-se a quem é letrado. Mas aqui estamos adiante, estamos nos tornando sujeitos cada vez mais letrados na mídia contemporânea digital.

 

Esse momento de questionamento mostra que aprendemos, de certo modo, que temos responsabilidade e um papel de agente principal na dinâmica midiática e participativa. O autor americano Clay Shirky afirma que sempre fomos muito bons em consumir porque sempre foi isso que nos coube fazer. No entanto, quando percebemos, em meio à pandemia, nosso lugar de sujeitos autônomos – que estávamos desempenhando no automático, até então –, de sujeitos capazes de interferir em dinâmicas da mídia, passamos a reconhecer também esse papel.

 

E é neste momento em que estamos hoje. Selecionando como influenciadores digitais os médicos da linha de frente ao combate à covid-19. Dando espaço, likes e visibilidade para articulistas políticos; para influenciadores de comunidades; para influenciadores que ensinam e aprendem sobre movimentos sociais.

 

 

Ainda assim, é um começo. E, apesar do alvoroço, um tímido começo. Há disputa de poder em todo mercado, e o segmento dos influenciadores digitais não poderia ser diferente. Ele não responde apenas a nossos anseios, mas às exigências do mercado, de marcas, de anunciantes que, muitas vezes, sustentam esse modelo de negócio digital. Todavia, reconhecer nosso lugar nessa dinâmica pode ser uma bela convocação.

 

Mais, reconhecer que influência não é apenas estimular consumo, mas também colocar pautas em discussão e servir como um espaço de articulações nacionais é mais do que reflexo dos descontentamentos do confinamento: é um urgente chamamento para a mudança digital!

 

 

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