Os aprendizados de uma viagem para conhecer o rei da boa mesa portuguesa: o bacalhau

A convite da Caxamar, a Versatille debruçou sobre a história, técnica e tradição desse produto que é um ícone da culinária lusitana

O bacalhau do O Gaveto (Foto: Filipe Santos)

Muito se fala sobre o bacalhau, produto ícone da culinária de Portugal. Afinal, são vários séculos de presença nas mesas portuguesas, além de preparos a perder de vista. Uma história que começa com as grandes explorações marítimas, segue onipresente em novos capítulos e continuará sendo escrita. Não há como um legado tão intrínseco aos portugueses se perder. 

 

Uma técnica antiga que em seu cerne tem a salga do peixe para conservação, que pode ser proveniente de diversas espécies. Não, bacalhau não é um peixe, para quebrar, logo no começo, o mito mais comum associado a ele. Ao decorrer do texto, vocês verão: ainda se sabe pouco sobre o bacalhau. Até junho deste ano, inclusive, a autora aqui não saberia dizer um “bocado” de fatos.  

 

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Com o intuito de desvendar o rei dos banquetes portugueses – e comê-lo, por refeições consecutivas –, viajei até Portugal, a convite da Caxamar, empresa portuguesa especializada em bacalhau, um negócio familiar, fundado em 1989. Sob o comando de Gonçalo Bastos, a marca se consolida no mercado português e além-mar.  

 

Cenas da visita à fábrica da Caxamar (Giulianna Iodice)

 

Chegou ao Brasil no último ano, um mercado promissor, gerido pelo CEO Abner Almeida, primeiro às mãos certas: de chefs e cozinheiros talentosos, que podem demonstrar todo o potencial de seu produto nos melhores restaurantes.  

 

Embarquei em tal roteiro, que por muitas vezes me pareceu um festim interminável. Definitivamente, uma viagem divisora de águas para compreender as espécies de peixes utilizadas, as técnicas, os processos de modernização, a cultura portuguesa e os motivos que o fazem perdurar nas mesas dos locais e dos turistas, ávidos por bacalhau português. 

 

(Filipe Santos)

 

Você sabe o que é bacalhau? 

 

A melhor forma de compreender o que colocamos em nosso prato é ter contato com eles em sua versão “nua e crua”. Após duas horas de viagem partindo de Lisboa, chego a Seixas, uma vila do município de Ourém, na qual a primeira instalação fabril da Caxamar está localizada. O lugar remonta à história da família Bastos; afinal, nos primórdios, os fundadores Manuel e Madalena, pais de Gonçalo, começaram a vender bacalhau salgado em um armazém montado na casa da família, em Caixarias.  

 

Antes mesmo de andar pela fábrica, que em 2005 passou a produzir o bacalhau demolhado, além do seco, me aprofundo nas espécies de peixes que são destinadas à produção de bacalhau. O Gadus morhua, pescado principalmente na Noruega e na Islândia, é o mais exaltado por sua qualidade. Logo atrás dele está o Gadus macrocephallus, bem semelhante visualmente ao anterior, pescado no Atlântico Sul. Outras espécies, como Ling, difundida no Brasil, Saithe e Zarbo, também são peixes que se tornam bacalhaus. 

 

A Caxamar faz o processo do começo ao fim, até chegar às mãos dos consumidores. Caminhando nas instalações, devidamente paramentada, desvendei perguntas que pairavam em minha cabeça: o seco é melhor que o demolhado? O que a cor do bacalhau pode nos dizer sobre ele? Respondendo, respectivamente: não, o processo de secagem não influencia na qualidade final; a cor do bacalhau nos indica o tempo de cura: quanto mais tempo, mais “palha” ele estará, e quanto menos, mais branco.  

 

Cenas da visita à fábrica da Caxamar (Giulianna Iodice)

 

Outro aspecto, que é repleto de confusão, é a diferença entre postas e lombos. As postas são retiradas de bacalhaus menores, e os lombos, dos maiores – e sim, eles podem ser muito grandes e pesados, fato que confirmei ao pegar um na mão. Nós, brasileiros, somos bem específicos na hora de consumir: preferimos os lombos e não aceitamos, em geral, a “asa”, que é uma parte do peixe mais escura – e até por isso a Caxamar já se adaptou ao mercado que mira conquistar. Atitude esperta, já que o Brasil é o segundo maior importador de bacalhau do mundo (isso contabilizando países produtores além de Portugal). Em 2023, foram 113 milhões de dólares em importação, número recorde.  

 

Todos os caminhos me levam a… 

 

Bacalhau. Foram dias experimentando bacalhau da Caxamar, em restaurantes localizados em Lisboa, Ourém, Matosinhos e Lamego. E, quanto mais comia, mais a fome aumentava, assim como o fascínio. 

 

Restaurante O Rito (Giulianna Iodice)

 

Bem próximo a fábrica da Caxamar fica O Rito, restaurante tradicionalíssimo, que tem 50 anos. Assim como a empresa de Gonçalo, é familiar, com a matriarca na cozinha até hoje. Foi lá que degustei um preparo nunca saboreado: molhanga. Tradicional da região de Ourém, o prato é uma receita antiga, feita a partir de tomates, sobras de pão e ervas verdes. No passado, acrescentava-se o bacalhau em datas comemorativas, mas no O Rito, o prato vem repleto de pedaços suculentos independentemente da comemoração (apesar de eu achar que só o banquete já era motivo de festa).  

 

Em Matosinhos, no O Gaveto, uma experiência inesquecível. O melhor prato com bacalhau da minha vida. Confitado no forno, superalto, vem acompanhado de azeite e tomates, assim como cheiro-verde no topo. É cozido bem lentamente, o que resulta em pedaços translúcidos, que desmancham com o garfo ainda mantendo sua estrutura. Paixão à primeira mordida.  

 

O preparo das amêijoas, no O Gaveto (Filipe Santos)

 

No Via Graça, restaurante badalado de Lisboa, uma versão da receita à Brás incrementada: lombo, lascas de bacalhau, batata palha e ovo, de uma forma bem untuosa. No clube privado do JNcQUOI, na conhecida Avenida da Liberdade, uma versão do chef António Bóia, que trouxe maionese no topo. Diferente de qualquer outro bacalhau que já comi. Para a felicidade dos brasileiros, um churrasco de bacalhau, servido na Quinta da Pacheca, em Lamego (Vale do Douro). 

 

Bacalhau à Brás, no Via Graça (divulgação)

 

Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 136 da Versatille

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