“O Brasil não tem uma monocultura. Não há uma única forma de produzir arte”, diz Edson Kayapó, curador de arte indígena do museu do MASP

Em entrevista para a Versatille, o historiador fala sobre a importância da visibilidade da arte indígena

Carmézia Emiliano (Foto: Divulgação)

Quem visita o segundo subsolo do MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), entre os meses de março e junho, depara-se com uma sala de vídeo com imagens que previamente podem parecer comuns ao imaginário popular. Nos curtas-metragens do Coletivo Bepunu Mebengokré, coordenado pelo jovem líder e cineasta Bepunu Kayapó, há a representação da arte da pintura corporal protagonizada pelas mulheres Mebengokré-Kayapó. 

 

Essa é uma imagem relativamente comum quando se trata de povos indígenas. No entanto, quem realmente sabe o que está por trás dessas pinturas corporais? Para além das imagens divulgadas, quem conhece a narrativa sobre ancestralidade e o processo de produção protagonizado de forma majestosa pelas mulheres desses povos? Por muito tempo, esse aprofundamento esteve silenciado — e é isso que o MASP tem tentado mudar ao voltar os holofotes para a arte indígena em 2023.  

 

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Em novembro de 2022, o museu nomeou três curadores adjuntos de arte indígena para ajudar a instituição nesse processo: Edson Kayapó, Kássia Borges Karajá e Renata Tupinambá. Desde então, as exposições de artistas indígenas no espaço não são mais raridade.  

 

Coletivo Bepunu Mebengokré (Foto: Divulgação)

 

Os visitantes podem aprender com os curtas do Coletivo Bepunu Mebengokré e apreciar a obra de artistas como Carmézia Emiliano, que representa os fazeres do seu povo em meio a cores e traços marcantes. Para Kayapó, historiador, ativista do movimento indígena e pertencente ao povo Mebengokré, esse movimento é importantíssimo para que os brasileiros realmente conheçam a arte de seu país.  

 

Em entrevista para a Versatille, ele falou um pouco sobre a nova fase do MASP e sobre os próximos passos para um melhor reconhecimento da arte indígena. Confira a conversa a seguir:  

 

Foto: Divulgação

 

Versatille: Como você enxerga essa movimentação para que a arte indígena tenha mais voz e visibilidade?  

 

Edson Kayapó: Estamos muito felizes porque 2023 é o ano indígena no MASP. Já iniciamos uma série de atividades, seminários e exposições de artistas indígenas para tratar de uma temática que é muito relevante. Como historiador e cidadão, eu sei a importância da sociedade brasileira ter acesso às informações. Não é possível que em pleno 2023 as pessoas continuem sem conhecer a história do nosso próprio povo e sem saber como ele produz em forma de arte. Por muito tempo o povo indígena esteve silenciado no universo da arte e esse é o momento de expor com muita veemência a nossa produção. E nesse sentido o MASP tem sido parceiro. Isso fica ainda mais evidente quando falamos sobre a nomeação de três curadores de arte indígena na instituição.  

 

V: Qual o foco dessa curadoria especializada? Por que ela é tão importante?  

 

EK: Com abertura de diálogo, nosso trabalho é ajudar a localizar os artistas indígenas, acompanhar o que eles estão produzindo e pensar na organização e na realização da exposição dessas artes. Levando sempre em consideração o sujeito de cada ação. Nossa arte tem uma relação muito grande com a nossa ancestralidade e com os nossos fazeres. É importantíssimo o papel dos curadores para que haja uma conversa plural entre o MASP e os artistas. 

 

V: Quais são as exposições atuais?  

  

EK: Atualmente, temos a exposição da Carmézia Emiliano, uma grande artista representante da arte naïf [tipo de arte popular e espontânea] no Brasil. Também temos a exposição do coletivo Mahku, que possui obras belíssimas que dialogam muito com a espiritualidade e a cosmologia. Já no campo do audiovisual, há uma exposição do coletivo Coletivo Bepunu Mebengokré, que exibe os curtas-metragens “Menire djê: grafismo das mulheres Mebengokré-Kayapó” (2019) e “Mê’ok: nossa pintura” (2014). Nessa arte, há a representação do modo como o povo Mebengokré-Kayapó utiliza a tinta. O que significa o grafismo, o que significam as tinturas, de que forma elas são produzidas. Além disso, há um protagonismo muito forte das mulheres nessa produção da tinta e do grafismo corporal.  

 

Foto: Divulgação

 

V: Para o público que consome arte, qual a importância de ter acesso a esses artistas?  

 

EK: É importante que as pessoas tenham acesso a essas artes para que elas percebam a diversidade da sociedade brasileira na forma de pensar e de conduzir a arte. Uma das maiores belezas da arte indígena é essa diversidade. O Brasil não tem uma monocultura. Uma única forma de produzir arte. Então, quando as pessoas dialogam e têm acesso a essa arte indígena, elas percebem isso de maneira muito evidente. Essas artes trazem em seu bojo tradições, rastros das nossas línguas originárias e formas de pensar a origem do universo. Elas trazem a expressão de povos que estão espalhados pelo Brasil — mais de 300 povos diferentes, com mais de 275 línguas distintas. E as pessoas podem conhecer um pouco dessa diversidade por meio da arte produzida pelos artistas indígenas.  

 

V: O que ainda precisa melhorar no processo de reconhecimento desses artistas?  

 

EK: Isso é só o início. O  diálogo com o MASP é um movimento inicial. Temos que pensar que, ao encerrar o ano de 2023, não podemos silenciar novamente a arte indígena. Essa não pode ser uma ação pontual. Esse ano é importante, mas nos próximos também precisamos de visibilidade e valorização. Outras instituições têm que colaborar nesse sentido. Esse trabalho, com essa sensibilidade, tem que ser replicado em outros espaços. É um compromisso político de diálogo que precisa continuar crescendo. Não podemos pensar somente em 2023. Que essa ação seja para ficar.  

 

V: Quais são os artistas que você indica para as pessoas que querem conhecer mais sobre a arte indígena?  

 

EK: Vou citar alguns que são muito conhecidos e possuem um material muito rico para pesquisas: Coletivo Mahku, Carmézia Emiliano, Naiara Tukano, Oiti Pataxó, entre tantos.  

 

V: Como está o processo de internacionalização dessa arte?  

 

EK: Timidamente estamos chegando em outros países e continentes. O Coletivo Mahku, por exemplo, já fez exposições pela Europa e tem planos de realizar outra no Canadá. A Naiara Tukano também já saiu do país para expor. É um movimento ainda tímido, no ponto de vista da internacionalização, mas nós estamos conquistando esses espaços. Que esses espaços sejam permanentes.  

 

Por Beatriz Calais

 

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