Luiz Escañuela fala sobre seu processo criativo: “A arte passou a ser uma necessidade”
Conhecido pelas obras hiper-realistas, o artista da Luis Maluf Art Gallery continua se reinventando e flertando com outras formas de arte
Ver um quadro hiper-realista do artista Luiz Escañuela ao vivo é uma experiência ímpar: os detalhes são tão minuciosos que é fácil confundir a obra com uma fotografia. Ainda lembro minha primeira vez, na residência de seu galerista, Luis Maluf, e literalmente o estado de choque em que fiquei ao ver que se tratava de uma pintura, riquíssima em texturas e tonalidades.
Aos 27 anos, o artista que assina a capa da edição 118 da Versatille segue se reinventando e flertando com outras formas de arte, e, no momento, se prepara para sua próxima exposição, que será realizada em novembro na Luis Maluf Art Gallery. Confira trechos da entrevista.
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Versatille: Como você se descobriu artista?
Luiz Escañuela: Foi um processo superespontâneo. Desde os 6 anos eu pinto, desenho e crio. Sempre fui muito encorajado por meus pais. Quando era adolescente, desenhava filmes e as peças de entretenimento que eu gostava. Um pouco mais velho, me tornando mais adulto, passei a ter questionamentos pessoais e até tive depressão aos 20 anos, o começo de “adultês” que a gente não sabe lidar com o que estamos sentindo. Nesse momento, comecei a usar a tinta e a arte para me expressar visceralmente, tentar trazer um pouco das dores sentia a sentir para o papel, como uma forma de exorcismo pessoal. Foi aí que comecei a ter um terceiro ouvido para questões mais artísticas. A arte deixou de ser um hobby e passou então a ser uma necessidade, a vontade de falar outras coisas que estavam dentro de mim, o que não conseguia expressar por meio de texto ou voz.
Versatille: Descreva seu processo criativo.
Luiz Escañuela: Com o hiper-realismo eu era muito conectado com a fotografia. Eu tirava fotos, chamava fotógrafos, e depois fazia uma curadoria de imagens, as dividia em vários quadrantes e, a partir daí, o próximo passo era pintar quadrante por quadrante, cuidar de cada detalhe, um processo bem meticuloso. No momento está muito mais conectado com a leitura, a busca de referências e o teste de materiais. Eu acabei de mudar para um ateliê fixo, então estou explorando obras de dimensões maiores. A pandemia foi um momento de experimentação, eu fiz muitas telas que deram errado, e agora estou nesse jogo de acerto e erro. Outro detalhe é que eu sempre pintei onde eu morava, pois sou noturno. Minha rotina era essa, eu pintava em meu apartamento, que divido com meu namorado, e, como demorava seis meses em uma tela, era o espaço que me servia. Quando as telas ficaram maiores eu senti a necessidade de mudar para um espaço maior, também em São Caetano, onde moro. Em contrapartida, não posso mais trabalhar lá durante a noite. Então inverti completamente, estou me habituando com a luz diurna.
Eu me preocupo em ser um artista que traga discursos e questionamentos, com nossa história e identidade brasileira. estou nesse ‘entrelugares’. Eu não cheguei lá ainda, mas está sendo um processo.
Luiz Escañuela
V: Qual é seu momento atual?
LE: O hiper-realismo foi uma grande porta de entrada, para eu mostrar que trabalho bem com a técnica, mas agora estou muito mais preocupado com o que quero dizer com a técnica, com o discurso que estou pintando. Eu me preocupo em ser um artista que traga discursos e questionamentos, com nossa história e identidade brasileira, estou nesse “entrelugares”. Não cheguei lá ainda, mas está sendo um processo.
V: Qual é a história do quadro da capa?
LE: Ele foi feito como um estudo, estava em uma época de testes com luz e mãos, e essa foto não é uma que fiz com fotógrafos e câmeras boas, é minha mão e a de minha irmã. Eu a obriguei a ficar no quarto comigo enquanto tirava as fotos. Hoje percebo que, além do aspecto plástico, é uma coisa muito pessoal para mim, pois temos uma conexão forte, muito boa. Ela é minha irmã mais nova, e muitas vezes sinto que eu sou ali o protetor que cuida, e em outras sinto que ela é quase que mais velha, pois nossa diferença é de três anos. Nunca falei sobre esse trabalho, mas pensando agora que é minha mão e a mão dela, é muito importante, porque representa nossa conexão, e, no momento, a gente não tem se visto. E demonstra também nossa cumplicidade como irmãos. O quadro foi leiloado no evento beneficente do galerista Luis Maluf, em 2019, e teve toda a renda revertida para o projeto Cidades Invisíveis.
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V: O que você projeta para sua carreira nos próximos anos?
LE: Estarei bem feliz se, de maneira orgânica, eu conseguir entender em qual lugar está minha poética e quais são meus discursos. Esse lugar é tão difuso que é difícil entender onde a gente está. No fim das contas o melhor de ser artista é de fato conseguir se comunicar com as pessoas. Eu quero comunicar, trazer para o público um tipo de conforto ou desconforto, e assim estarei feliz e realizado.
Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 118 da Versatille