Louvor ao porco

De glória culinária à vilã à mesa em um passado recente, a carne suína é reverenciada em criações instigantes no mais novo restaurante do “chef-açougueiro” Jeferson Rueda, onde tem papel e status de estrela principal É

De glória culinária à vilã à mesa em um passado recente, a carne suína é reverenciada em criações instigantes no mais novo restaurante do “chef-açougueiro” Jeferson Rueda, onde tem papel e status de estrela principal

 

É bar? Restaurante? Ou uma sanduicheria moderninha com mesas na calçada, cuja principal estrela – e só ela – é o porco em seus múltiplos cortes e sabores? Abrigando tudo isso em um único espaço no número 124 da rua Araújo, de um antigo imóvel de esquina no velho Centro de São Paulo, o recém-inaugurado espaço do “chef-acougueiro” Jeferson Rueda é o mais novo e original dos endereços abertos nos últimos anos na capital paulista (ou seria templo?, com o perdão do manjado clichê), onde a carne suína pode ser saboreada e louvada como glória gastronômica – como ela o foi, aliás, durante séculos por várias civilizações.

 

Para conquistar o paladar dos atuais adoradores do suculento e venerado animal, Rueda apresenta uma proposta culinária inventiva e eclética, na qual sobressaem um instigante arsenal de receitas inusuais em que o suíno ostenta o papel e status de protagonista. Mas há também no menu, democraticamente, comidinhas para comer com as mãos, massas frescas feitas na casa ao melhor estilo ítalo-caipira que o consagrou, legumes na brasa, saladas, sanduíches (incluindo versões vegetariana e vegana), além de clássicos da salumeria italiana e, até, uma coquetelaria caprichada.

 

Com mais de 20 anos de carreira completados neste ano, Rueda formou-se cozinheiro aos 17 anos pelo Senac. Trabalhou com o chef francês Laurent Suaudeau, cursou o Le Cordon Bleu e estagiou no Apicius, na França. Com uma trajetória segura e consistente, ganhou notoriedade e merecida reputação junto ao público e crítica paulistanos à frente dos restaurantes italianos Pomodori e Attimo, além do bem-sucedido Bar da Dona Onça, do qual é co-proprietário ao lado de sua mulher, a também chef de cozinha Janaina Rueda.

 

Nascido em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo, os sabores potentes da cozinha caipira e o respeito às origens são para ele, por sinal, referências permanentes, sobretudo nas duas últimas casas em que comandou os fogões. Não por acaso, o primeiro trabalho de Rueda foi em um açougue de sua cidade natal. Foi lá que o eterno “homem da roça”, como costuma definir-se, aprendeu muitas das técnicas que hoje utiliza na recém-aberta A Casa do Porco. Aprimorou-as também, décadas depois, em duas pequenas fábricas espanholas de embutidos, onde estagiou em 2001: Els Casals e Buti Fajas, famosas por perpetrarem alguns dos melhores jamones da Espanha. Classificado pelo próprio chef como um “lugar sem frescura, com clima de bar e boa comida, para sentir-se à vontade”.

 

 

A Casa do Porco é a concretização do sonho acalentado durante anos por Rueda. Neste novo espaço, ele reúne toda a pesquisa, formação técnica e a sua experiência em alta cozinha a serviço de presuntos, linguiças e embutidos elaborados de maneira artesanal, sem conservantes e com ingredientes de origem criteriosamente garimpados e selecionados por Rueda (como os raros culatellos produzidos por salumerias brasileiras, como a mineira Chiaro e a paranaense Monte Belo), aliada a suas outras duas paixões: o fogo e a brasa. A partir deste tripé, a cozinha de A Casa do Porco se sustenta em criações que são desconcertantemente simples e ao mesmo tempo sofisticadas e ousadas, denotando todo o talento e conhecimento de Rueda sobre este rico tema. Caso, entre outras, do surpreendente sushi de papada. Do tartar de porco maturado com tutano e champignon e da porcopoca (pipoca de pele suína). Dos saborosos toucinho da casa (servido com abacaxi em conserva) e sanguiça, linguiça de sangue de porco. Ou, ainda, do ceviche pé no rabo, receitas que cativam não só pela inventividade contida na receita e no nome, como pelo gosto irresistível.

 

Também prometem encantar os clientes mais fiéis da nova casa os “clássicos ruedanos”, como o porco a San Zé (receita interiorana resgatada aqui em que o animal é assado inteiro, de modo lento, em carvão, de cinco a oito horas), o ramén de porco, o arroz de suã e o codeguim, prepara-ções irresistíveis feitas com esmero e sabor, muito sabor, por quem entende do riscado. Louvores e hosanas ao chef. E ao porco.

 

Gastronomia por marco merguizzo | Matéria publicada na edição 87 da Revista Versatille

 

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