A grande dama das artes
Uma entrevista exclusiva com a galerista francesa Agnès Monplaisir sobre o mundo das artes e sua estreita ligação com o Brasil, para onde ela vem a negócios, garimpar talentos, urdir projetos e descansar em seu

Uma entrevista exclusiva com a galerista francesa Agnès Monplaisir sobre o mundo das artes e sua estreita ligação com o Brasil, para onde ela vem a negócios, garimpar talentos, urdir projetos e descansar em seu hotel-butique no idílico litoral cearense
Nascida nos arredores de Bordeaux, capital de Gironda, sudoeste francês, em uma família cujo patriarca era banqueiro e a mãe, professora de História, a francesa Agnès Monplaisir cresceu num ambiente sociocultural e artístico sofisticados. Os estímulos naturais da infância vivida nas Antilhas Inglesas — aulas de piano e línguas entremeadas por brincadeiras de casinha e viagens pela América Central e do Norte — colaboraram para criar a base de sua bem-sucedida trajetória empresarial no mundo das artes.
Mas só flertou pela primeira vez com esse universo, já pré- adolescente, aos meros 12 anos de idade, quando um amigo dos Monplaisir a convidou para ver uma exposição de Claude Monet (1840-1926) na capital francesa. Touchée! Sob as pinceladas inspiradoras do genial mestre do Impressionismo foi paixão à primeira vista. “Desde o primeiro instante senti que aquele era o meu mundo”, afirma a consagrada galerista parisiense.
Tamanho fascínio a fez abrir na capital gaulesa, logo que completou a maioridade, a primeira de suas sete galerias em um modesto e minúsculo espaço de 8 m2 na fervilhante região da Bastilha, palco emblemático da Revolução Francesa. “Minha primeira venda foi uma peça do pintor e escultor argentino Luis Tomasello (1915- 2014). É uma pena não ter ficado com ela. Se pudesse voltar no tempo jamais a teria vendido”, recorda-se hoje a grande dama das artes também proprietária de uma vasta coleção particular amealhada ao longo de mais de três décadas.
Casada com o mega incorporador imobiliário francês Christian Pellerin e mãe de três filhos — a engenheira Margot, de 26 anos, a médica Laure, de 24, e de Andrea, de 16 —, Agnès comanda atualmente uma prestigiada galeria de arte no número 8 Bis Rue Jacques Callo, que tem o seu nome. Espetada no elegante bairro de St-Germain-des-Prés, no coração de Paris, o espaço de mais de 1.000 m2 já teve como cliente o estilista Yves Saint Laurent (1936-2008) e até hoje é frequentado por discretos colecionadores de arte e investidores endinheirados de todas as partes da Europa e dos Estados Unidos.
Dentre outros, brilham no seu portfólio, por exemplo, a colombiana Olga de Amaral, o francês Daniel Hourdé e o polonês Igor Mitoraj. Além de artistas plásticos brasileiros como o paulista Antonio Hélio Cabral, a baiana Nádia Taquary, a paranaense Daniela Busarelllo e os mineiros Iuri Sarmento e Marcos Coelho Benjamim. Como uma espécie de embaibusiness xadora da arte brasileira lá fora, não por acaso Agnès é apontada por publicações do segmento e de negócios como uma das principais e mais importantes divulgadoras de nossos artistas e uma das 100 mulheres mais influentes do mercado de arte mundial. Sua ligação profissional e mesmo afetiva com o Brasil — aquela que nutre pelos artistas nacionais, a fauna e a flora locais e as distintas manifestações culturais que a seduzem e cativam fortemente — inclui, também, outros investimentos no país. Caso do seu charmoso e refinado hotel-butique — o Lara —, localizado no idílico litoral do município cearense de Aquiraz, a pouco menos de 30 km de Fortaleza. E do apoio irrestrito que dá a projetos socioculturais visando a beneficiar comunidades locais. Como o resgate do precioso trabalho das mulheres rendeiras da Prainha, tradicional reduto de pescadores situado nesse mesmo ponto da costa do Ceará.
Pouco valorizada pelas adolescentes daquela comunidade caiçara, a atividade estava fadada a extinguir-se em poucos anos. Além de reorientar todo o trabalho de 12 artesãs, dando-lhes um novo padrão artístico, Agnès passou a exportar a partir de 2014 a pequena e exclusiva produção para Paris e NY, batizando a grife com o sugestivo nome de Trololótrálálá. Sucesso nas rodas sociais e culturais frequentadas por Agnès no Velho Continente e entre seus amigos, desde então todo o lucro obtido a partir dessa iniciativa é destinado às próprias rendeiras e suas famílias, e uma outra parte, para ensinar as novas gerações de artesãs, perpetuando esse ofício ancestral.
Com uma agenda ultraconcorrida que inclui viagens de trabalho e deslocamentos constantes entre Paris, Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro e Bogotá, Agnès, que é fluente em cinco idiomas, incluindo o português, recebeu Versatille em sua casa na Prainha, em meados de janeiro, para essa entrevista exclusiva. Confira, a seguir, os melhores momentos desse encontro.
VERSATILLE — Você vive na ponte aé- rea entre Paris, Nova York, São Paulo, Rio e Bogotá e tem negócios em várias partes do mundo. Ou seja, além de frequentar as rodas culturais e sociais e a elite europeia e americana, você é uma espécie de guardiã da elegância e de um estilo de vida e savoir vivre próprios. Como você o definiria?
AGNÈS MONPLAISIR — Vivi desde pequena num mundo de poesia e beleza. Admirava as cores, as formas, a luz. Aprendi a tocar piano muito cedo. Ou seja, durante toda a minha vida, fui impregnada de cultura. E em suas mais diferentes origens: europeias, africanas, indígenas. Além de francês, aprendi a falar inglês, russo, crioulo e, agora, o português. Adoro misturar todas essas culturas e influências e busco divulgar os artistas, a música, a história, as roupas e as receitas locais. Minha missão é interpretar e defender o estilo primitivo de cada nacionalidade e exportá-lo para todos os lugares.
VERSATILLE — Você foi apontada pelo Artnet News, site do mercado de artes de Nova York, como uma das 100 mulheres mais influentes do mercado de arte mundial. Qual sua rotina de trabalho e com que idade começou a atuar profissionalmente?
AGNÈS — Abri minha primeira galeria aos 18 anos e, desde essa época, já era uma mulher capaz de assumir as pró- prias escolhas. Como autodidata por natureza, busquei aprender todo o tempo e com todos. Seja por meio da leitura e estudo sistemáticos de livros, seja por meio de exposições, feiras de arte, com meus colecionadores, de encontros com os curadores de exposições, com os críticos de arte — foram várias minhas referências e fontes de informação e formação. Trabalhei, por exemplo, com alguns dos maiores decoradores e arquitetos do mundo. Caso de Juan Pablo Molyneux, Juan Montoya, Jacques Grange e Peter Marino. Todos eles foram fundamentais em minha formação.
VERSATILLE — Além de galerista bem-sucedida, você atua como curadora de exposições e feiras internacionais de arte em várias partes do mundo. Quais as mais recentes?
AGNÈS — Durante os Jogos Olímpicos, trabalhei com Carla Camurati (cineasta e ex-atriz), que foi diretora de Cultura da Rio 2016. Um dos pontos altos da programação do evento foi o trabalho da artista plástica colombiana Olga de Amaral, que eu represento. Também organizei no ano passado uma exposição itinerante com outro artista fantástico, cujas obras tenho a honra de divulgar: o francês Daniel Hourdé. Sua coleção pre – ciosa viajou por várias regiões do Brasil: Ouro Preto, Belo Horizonte, Salvador (Museu Rodin) e Fortaleza (Unifor). Antes, essa mesma exposição havia aconteci – do em Paris na Ponte das Artes, em frente ao Museu do Louvre.
VERSATILLE — Sua galeria em Paris tem um cobiçado acervo de arte contemporânea com artistas de renome mundial. Quem são hoje as principais estrelas do seu portfólio?
AGNÈS — Além de Hourdé e Olga de Amaral, represento outros dez artistas com identidades próprias e marcantes, mas de diferentes nacionalidades. São franceses, poloneses, americanos, gregos e brasileiros. Compõem esse último grupo Antonio Hélio Cabral, Nádia Taquary, Daniela Busarelllo, Iuri Sarmento e Marcos Coelho Benjamim. Olga de Amaral, por exemplo, brilha intensamente na Chanel, na Avenue Montaigne, em Paris. As obras de Mitoraj, por sua vez, estão presente em Pompei, na Itália. Já Hourdé integra o belíssimo acervo da Fundação Edson Queiroz, no Brasil.
VERSATILLE — Mesmo sendo reconhecida como grande referência no mercado de artes mundial, você ainda sente algum tipo de discriminação por ser mulher? Como conseguiu se impor e obter sucesso num merca – do dominado por homens?
AGNÈS — De fato é preciso muito trabalho duro para superar preconceitos e chegar ao sucesso nesse segmento. Claro que dizer um não para uma mulher determinada, jovem e bonita, é mais difícil (diz, sorrindo). O fato de ter tido muitos artigos e exposição em capas de revistas e jornais, falando sobre meu trabalho talvez tenha contribuído a favor (Em tempo: Agnès foi capa do caderno de cultura do New York Times e da Modern Painters Magazine, conceituadíssima revista de arte editada também na Big Apple). Mas para nos impormos e sermos reconhecidos profissionalmente — seja por pares, seja pela mídia especializada — é preciso, além de juventude e talento, grande dose de transpiração e poucas horas de sono. Em resumo: minha receita é trabalhar duro e dormir pouco para se chegar lá.
VERSATILLE — Sua galeria é frequentada por muitos clientes famosos de todas as partes do mundo. Um deles foi Yves Saint Laurent. Além de Laurent, que outras celebridades são seus clientes?
AGNÈS — Tenho o privilégio de encontrar e conhecer em minha galeria pessoas incríveis, provenientes de todas as áreas: músicos, designers, empresários, investidores, muitas delas, por sinal, muito cultas. Mas, por vezes, por ser figuras públicas, preferem a discrição e, portanto, por questões contratuais, não podem ter seus nomes divulgados. Ives Saint Laurent, por exemplo, era um grande amigo. Uma pessoa extremamente sensível, talvez a mais delicada e educada que conheci em minha vida e tive o prazer de conviver.
VERSATILLE — Como uma espécie de embaixadora da arte contemporânea brasileira, você é uma incansável divulgadora da produção de artistas nacionais lá fora. Como os seleciona?
AGNÈS — Minha galeria se impõe com uma sinceridade absoluta dos discursos de meus artistas. Todos exis tem por meio de sua própria personalidade, que é única. Os verdadeiros artistas devem me tocar. Um deles é obcecado pela vida e por germinações. Outro, por robôs. Outro, pela anatomia. E, outro, por metais que vibram. Adoro divulgar o talento de cada um deles mundo afora.
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VERSATILLE — Você também desenvolve, desde 2014, uma espécie de curadoria e fomento do trabalho de mulheres rendeiras da Prainha, no município cearense de Aquiraz. Fale um pouco sobre esse seu projeto sociocultural…
AGNÈS — Quando descobri o trabalho feito pelas mulheres da Prainha, fiquei simplesmente encantada! Tantos traços da história chegando até mim… Pensei: tenho que fazer algo. Criei, então, a marca Trololótrálálá — uma coleção de moda praia, com modelos de saídas de banho, kaftans, bolsas. Adoro trabalhar com as rendeiras. Toda vez que as reencontro, trocamos muitas ideias para criarmos novas peças em que a renda de bilro fique em evidência. Além do meu círculo de amizades, eu as comercializo em Paris, em St-Barth (Saint Barthé- lemy, no Caribe) e no hotel Lara, em Aquiraz (CE).
VERSATILLE — Nessa mesma praia do Ceará, você mantém uma casa de praia e um hotel de charme, o Lara, repletos de obras de arte e que também são abastecidos com ingredientes cultivados ali mesmo em uma horta orgânica. Por que escolheu o Brasil e o Ceará, em particular, e não outro lugar para ter um hotel e um refúgio?
AGNÈS — Como trabalho demais, quando venho para cá, a cada dois meses, me desligo de tudo e me restauro por completo! Aqui encontrei uma temperatura que me deixa feliz o ano inteiro. A energia das pessoas também é diferente, única. Já viajei para muitos lugares do mundo, incríveis, também. Mas a Prainha é muito especial pra mim, um verdadeiro paraíso. Recebo muitos amigos estrangeiros e brasileiros que ficam maravilhados não só com Aquiraz mas com o litoral do Ceará como um todo.
VERSATILLE — E qual era sua informação sobre o país até então?
AGNÉS — Naquela época (2014), estava apaixonada pela música brasileira. E comecei a ler tudo sobre o país: de Jorge Amado ao Dicionário dos Apaixonados pelo Brasil, do jornalista francês Gilles Lapouge. Li, também, livros sobre a história do Brasil, o barroco das igrejas mineiras, Niemeyer, Burle Marx…
Fiquei fascinada por tantas variedades de plantas. E me encantei com as obras de Tarsila do Amaral e Portinari.
VERSATILLE — É verdade que você comprou essas duas propriedades a partir de um anúncio na internet?
AGNÈS — Não foi bem assim. Soube do lugar, sim, pela web, mas comprei as propriedades graças ao casal de amigos David e Anca Lara-Jarca. Uma amizade construída desde a minha primeira visita ao Ceará, há quatro anos. Esses amigos já tinham uma pousada e decidimos construir o hotel com a minha cara a partir da estrutura que já existia. Hoje, o hotel está como eu gosto: como um vilarejo cearense, com restaurante, butique, spa, um espaço para eventos, bar, biblioteca, 24 confortáveis apartamentos e suítes, decorados e personalizados um a um, e com peças de vários artistas que ficaram hospedados e criaram suas obras ali. Ou seja, tudo respira a arte, com riqueza de detalhes e charme, muito charme…
VERSATILLE — Tanto na sua casa quanto no hotel, você hospedou artistas estrangeiros e brasileiros, como o francês Daniel Hourdé, Raimundo Santos Bida e Iuri Sarmento, entre outros. É importante esse isolamento para a criação?
AGNÈS — A decoração e toda a atmosfera desses lugares saíram da minha cabeça. Era meu mundo, o meu paraíso. Eu tinha uma visão esplêndida do mar e imaginei um local que transpirasse arte, com plantas, flores, animais, pássaros e referências de todos os lugares que amo. Convidei todos esses artistas a virem participar desse sonho. Iuri Sarmento veio inúmeras vezes e criou aparadores, lâmpadas, um afresco e um oratório de Santa que atrai as atenções e arranca elogios de todos. Hourdé veio, também, várias vezes para criar mesas e a decoração do bar, estampada com mãos e esqueletos, que são a sua marca registrada. Realmente, o hotel é único.
VERSATILLE — Neste mês de março será lançada uma coleção de bijuterias em parceria com a designer de joias cearense Suzane Farias, cujo tema é a flora e a fauna amazônicas. Fale um pouco sobre esse seu mais recente projeto.
AGNÈS — Essa coleção se chama Amo by Agnès Monplaisir. Como turista, eu já conhecia a Amazônia e seus incríveis tesouros naturais, fonte de inspiração e preocupação permanentes que a humanidade deve proteger a todo custo. Junto com minha filha Margot, em Paris, resolvi dar vida, então, a esse projeto, criando uma linha de joias de pedras brasileiras, com design que retratasse os animais e as plantas da região. Eu e a Suzanne criamos, a quatro mãos, cada peça, discutimos cada detalhe. Eu fico mais na criação e na direção e ela, na execução. Sou suspeitíssima, mas a coleção ficou maravilhosa, muito linda! A coleção estará disponível, inicialmente, só na Europa e, a seguir, no Brasil. Parte dos lucros será destinada a uma fundação (ainda não definida) em prol da preservação da fauna e da flora amazônicas.
BUSINESS por Marco Merguizzo, Especial de Aquiraz (CE) fotos Nicolas Gordon | Matéria publicada na edição 96 da Revista Versatille