Giorgio Armani: o último rei do “made in Italy”

O estilista – e um dos grandes doadores do combate ao coronavírus – chega aos 85 anos na contramão do tempo: é ele mesmo quem toca os bilionários negócios que envolvem seu nome e suas

Assistir a um desfile de Giorgio Armani durante as semanas de moda de Milão é uma experiência única. Não é raro que a plateia distribua aplausos nada tímidos – chiques e cheios de pompa, que fique claro – ainda no meio da apresentação, em vez de guardar as ovações para a entrada final, como de praxe no roteiro fashionista. E, por mais que a moda tenha suas quedas por esquisitices que fujam da alfaiataria e lapsos de desprezo pela elegância formal, seus shows nunca deixam de ser disputados.

 

 

Não é à toa. Armani, que completou 85 anos em 2019, é o último sobrevivente de uma geração icônica da indústria da moda, além de representar tão fielmente o made in Italy a que são tão apegados. É o tipo de personagem que é orgulho nacional. E faz questão de manter sua imagem impecável, como bom embaixador, contrastando a pele sempre (super) bronzeada com cabelos e sobrancelhas brancos e os costumes no lugar.

 

Nascido em Piacenza, no norte da Itália, Armani acumula números fabulosos. Um dos dez mais ricos do país, seu patrimônio é avaliado, segundo a Forbes, em US$ 8,5 bilhões de dólares. Uma história que quase se perdeu para a medicina, carreira que escolheu na universidade de sua cidade natal.

 

A moda só entrou no mundo de Armani no fim dos anos 1950, quando, após o serviço militar, foi contratado como vitrinista da La Rinascente, clássica loja de departamentos milanesa. Anos depois, já promovido a comprador, tornou-se estilista da Cerruti no meio da década de 1960 e viu seu passe ser disputado enquanto fazia colaboração para uma dezena de outras marcas menores da moda italiana de então.

 

 

A consagração como estilista poderoso chegou aos 40 anos, quando fundou a marca que leva seu nome. Era 1975, e a moda mundial estava em rápida ebulição. Se na França Yves Saint Laurent já se esbaldava com a invenção do prêt-à-porter e os Estados Unidos davam seus passos em uma moda urbana e comercial, o cenário italiano era razoavelmente jovem: começou no contexto devastado do pós-guerra, duas décadas antes, e viu alguns espertos empresários e industriais investindo na criação de um ambiente de autoafirmação criativa.

 

 

Foi quando Armani fez a primeira de muitas escolhas acertadas que marcaram sua carreira: tomar para si a invenção de uma alfaiataria italiana conectada aos tempos modernos. Sua grande sacada foi exatamente criar uma elegância despojada e minimalista, que poderia soar arriscada ao mundo dominado pelo uniforme dos ternos de três botões usados com calça reta. Revendo os códigos do vestir formal, Armani trocou as expectativas dos gêneros: enquanto sua moda masculina tinha estruturas fluidas e tecidos não tão usuais para o assunto, a feminina abraçava uma nova classificação de mulheres cheias de si, com ternos delineados ao corpo e cortes rígidos (ainda mantendo um quê de sexy). Era um prelúdio para o power dressing das grandes mulheres de negócios que se tornariam destaque dali a pouco, com as ombreiras empoderadoras sob os costumes de lã e o Wall Street Journal nas mãos.

 

 

Estilista autodidata e empresário com faro raro para business, Armani foi lançado ao sucesso com aquele desfile para o verão de 1976. A imprensa internacional o adotou rapidamente, assim como o mundo do retail – um clássico comercial da Barneys New York, feito para apresentar o estilista ao mercado americano, dizia “apesar de nós não entendermos seu italiano, entendemos sua moda”. Até hoje Mr. Armani é conhecido por não se arriscar muito no inglês. Ou você arruma um tradutor para conversar com ele ou se arrisque no italiano. Tantos anos depois, mantém a máxima do “eles que me entendam”.

 

Isso não impediu, porém, que a marca se fortificasse além da Itália na década seguinte. A globalização formal do negócio veio em 1981, sendo uma das primeiras casas de moda a realmente construir um nome forte pelo planeta. Hoje, está presente em quase 50 países e mantém um apelo fortíssimo no Japão, onde entrou em 1988 e mantém uma centena de pontos de venda. “Os japoneses são mais Armani do que Armani”, resumiu ele em maio deste ano, quando desfilou em Tóquio sua coleção resort 2020, junto da reinauguração do megacomplexo da marca no bairro de Ginza: um prédio de 7 mil metros quadrados que funciona como uma embaixada Armani fora da Itália. Por lá, talvez mais até do que em Milão, ele é um ícone pop.

 

Trabalhar com a cultura do pop, aliás, foi outro dos grandes golpes certeiros do estilista, que chegou a ser eternizado em um retrato pintado por Andy Warhol. É de Armani, por exemplo, a invenção do uso dos tapetes vermelhos de Hollywood como gancho de marketing pelas marcas de moda, também nos anos 1980.

 

 

Ele já era conhecido do púlpito do Oscar desde que Diane Keaton apareceu by Armani (paletó bege e saia de lã vestida sobre calça) para receber o prêmio de melhor atriz por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Mas, naquela época, pouco se ouvia a pergunta “quem você está vestindo?” nas premiações. As atrizes apenas usavam vestidos de gala, como mandava o dress code das cerimônias.

 

 

A história começou a mudar exatamente com uma pergunta inversa, disparada por uma jovem Michelle Pfeiffer: “Por que alguém quer me vestir? Eu posso me vestir sozinha”. Armani queria. Ele a adotou como musa desde que a viu em Scarface, e insistia em cuidar do guarda-roupa da atriz para aparições públicas – um relacionamento que dura até hoje. Logo na sequência, o estilista contratou uma diretora de relações com celebridades e marcou presença vestindo todo mundo que importava naquela época, de Jodie Foster a Cindy Crawford e Julia Roberts. Criava-se ali uma nova norma do uso da moda na indústria de Hollywood.

 

O cinema também tem presença importante no registro de Giorgio Armani no imaginário popular. Sua lista de figurinos, embora não extensa, tem momentos essenciais: vestiu o Bruce Wayne de Christian Bale, em Batman: O Cavaleiro das Trevas e Al Capone, do clássico Os Intocáveis, de Brian De Palma. Mas seu momento mais icônico é exatamente a primeira incursão nas telas: a imagem de Richard Gere em Gigolô Americano, com suas calças de pregas e paletós desestruturados, ajudou a consolidar suas criações.

 

 

Muito se tenta pintar uma figura de bilionário bon vivant à imagem de Armani, principalmente por causa de suas clássicas férias de verão, quando embarca no Maìn, o luxuoso iate preto de 65 metros que usa para navegar pelo Mediterrâneo. O bronzeado marca registrada, afinal, não aparece sem um quê de dedicação.

 

Mas, apesar do barco espalhafatoso e dos relacionamentos com celebridades e políticos poderosos, Armani se mantém uma figura low profile dentro de suas genialidades de business, enquanto consegue aplicar seu nome a tudo o que deseja. Ao mesmo tempo em que veste a seleção italiana de futebol, já foi responsável pelos uniformes dos Carabinieri, a polícia do país. Desenhou trajes para o toureiro Cayetano Rivera Ordoñez enquanto, com sua marca de alta-costura Armani Privé, brilhava no corpo de Lady Gaga. Criou um celular customizado com a Samsung, em meados dos anos 2000, quando isso fazia sentido, mas também foi a primeira marca ocidental a abrir um e-commerce próprio para o crescente mercado chinês. Ao perceber que a moda não era só roupa e o luxo começava a mirar o mundo das experiências, usou seu nome para licenciamentos de mobiliário, spas, cafés e hotéis.

 

 

Até arranjos de flores e chocolates com as iniciais GA estão disponíveis. Tudo isso mantendo a Armani dentro de casa, sendo uma das poucas marcas de moda que têm um business saudável fora dos grandes conglomerados.

 

O grande segredo? Talvez sejam as mãos firmes em absolutamente todos os passos do negócio. Armani é conhecido por não deixar nada escapar a seus olhares – seja a reforma milionária de um prédio em Tóquio, seja a bainha de um vestido ostentado por Cate Blanchett. Obcecado e controlador, mesmo aos 85 anos, o italiano não deixa ninguém roubar sua assinatura. Pelo visto, tem dado certo.

 

MODA por Eduardo Viveiros | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille

 

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