Em Jaén, província espanhola conhecida como a capital mundial do azeite, turistas imergem no olivoturismo
Cerca de 20% de toda a produção de azeite do mundo vem do local, proveniente de seus 66 milhões de oliveiras
Para quem sempre teve o sonho de viajar pelo mundo, pisar em um novo país é um passo extremamente especial. Um marco que faz com que a viagem seja mágica desde os primeiros momentos, da espera no aeroporto às longas horas de voo. Foi assim que a jornada começou para esta jornalista que assina a matéria: com muita expectativa – mas sem a mínima noção do que estava por vir.
É claro que a Espanha sempre foi um destino desejado, mas até então – vergonhosamente – apenas as grandes cidades, como Barcelona e Madri, passavam pela cabeça. No caso desta viagem, o foco era desvendar a província de Jaén, localizada na grande região da Andaluzia e conhecida como a capital mundial do azeite. Com passagens por cidades vizinhas como Úbeda, Baeza e Bailén, a intenção era conhecer a olivicultura e o olivoturismo local – afinal, 20% de toda a produção do azeite do mundo vem de lá, proveniente de seus 66 milhões de oliveiras, de acordo com números divulgados pela Associação Interprofissional de Azeites da Espanha.
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A Espanha, em si, é a maior produtora e exportadora de azeite do mundo. São mais de 340 milhões de oliveiras, que cobrem uma área de cerca de 2,5 milhões de hectares. É fonte de metade de todo o azeite do mundo. A descrição impressiona, mas assumo que a ficha só começou a cair na estrada, quando a distância percorrida entre Madri e Úbeda passou a ser marcada por oliveiras sem fim. Um mar verde a perder de vista.
O choque foi compartilhado entre os jornalistas, e o burburinho chegou aos ouvidos de Antônio Martinez, responsável pelo departamento de comunicação da Associação Interprofissional de Azeites da Espanha. “Aqui temos mais oliveiras que gente”, brincou. O que realmente não é exagero, visto que a população da Espanha beira os 47 milhões. O que os cinco dias pela região nos ensinaram, no entanto, é que há muita diversidade nessa imensidão de oliveiras, de diversos formatos, cores, tamanhos e sabores em seus frutos. São mais de 1.200 tipos de azeitonas ao redor do mundo, e Jaén concentra 260 variedades.
A picual, por exemplo, é a mais popular e existe em abundância na região. Ela tem certa picância quando degustada, o que a difere da arbequina, que é mais delicada. Ambas são produzidas em grande quantidade, chegando ao consumidor final com facilidade. Já a royal, conhecida por ter um sabor mais frutado, é uma produção rara da região. Suas azeitonas são cultivadas apenas na Sierra de Cazorla, que possui um terroir específico para o sucesso desse tipo do fruto. Nesse caso, nem compensa exportar, pois a produção é muito reduzida. Mas, para quem visita Jaén, vale a pena experimentar.
Outra descoberta da viagem foi a azebuchina, uma pequena azeitona que é encontrada apenas de forma selvagem e produz um azeite quase milagroso – pelo menos é isso que Luis Montabes, diretor do Almazara San Miguel, um lagar familiar visitado durante a viagem, explicou sobre a iguaria. “Ela faz bem para a pele, para o corpo e para a saúde em geral. Rende muito menos azeite do que uma azeitona comum, o que faz com que um acebuche tenha um valor oito vezes mais caro que o azeite normal.” Difícil de encontrar no mercado, rende uma verdadeira “caça ao tesouro” para os visitantes da região.
O primeiro dia de viagem, já em Úbeda, ainda contou com um tour pela cidade, que em 2003 foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco – juntamente com Baeza, município vizinho. Com muitos monumentos do Renascimento e uma arquitetura que é fruto das trocas culturais entre espanhóis e árabes ao longo da Idade Média, Úbeda é uma atração à parte. No fim do dia, com o pôr do sol iluminando as ruas, também foi possível contemplar mais as oliveiras que cercam a cidade.
BEM-VINDOS AO PARAÍSO DO OLIVOTURISMO
Durante a viagem, para propiciar uma imersão completa, alguns espaços que não estão acostumados a receber turistas abriram as portas para explicar um pouco seus trabalhos aos jornalistas brasileiros. Esses destinos não entram em um roteiro de olivoturismo, mas foram importantes para a formação do conhecimento. Foi na Almazara San Miguel que fomos apresentados ao acebuche e ao projeto Olivar Vivo, que busca impulsionar a biodiversidade na monocultura da região.
Para uma macrovisão do mercado, a cooperativa Nuestra Señora del Pilar, uma das maiores produtoras de azeite do mundo, fez uma visita guiada pela fábrica, responsável pelo processamento de 2 milhões de quilos de azeitonas todos os dias. Um pequeno tour que ajudou na percepção da potência da Espanha como produtora e exportadora. Um voo de balão inesquecível também aconteceu, para que observássemos as oliveiras de cima e tivéssemos certeza: o verde realmente não tinha fim.
Caso a curiosidade em visitar o destino tenha sido despertada, Jaén não poupa opções quando o assunto é olivoturismo. Confira algumas dicas a seguir:
Os campos de Oro Bailén
A Oro Bailén é um exemplo perfeito quando se trata de produção premium de azeite. A marca aparece entre as melhores do mundo em diversos rankings e possui uma técnica cuidadosa e delicada para a produção de seus azeites – para a linha premium, as azeitonas são colhidas mais cedo, em outubro, rendendo menos suco, mas compensando em sabor concentrado. Embora o volume de produção fique menor, a estratégia parece ser eficiente para “brilhar” no mercado de alto padrão, com um sabor mais impactante e fresco.
Além disso, a marca realiza um intenso incentivo ao olivoturismo, o que faz com que seja possível visitar todas as etapas de produção local – da colheita ao envase. No campo, é incrível assistir ao processo de colheita, que é feito de forma mista: manual e mecânica. Uma máquina segura o tronco da oliveira e a balança até que as azeitonas sejam quase totalmente levadas ao chão. Depois, uma equipe chega para balançar um pouco mais as folhagens e recuperar as que ainda ficaram presas.
Uma vez no chão, elas são recolhidas e transportadas para o lagar, onde passam por limpeza, lavagem, trituração, extração, armazenamento, filtragem e, finalmente, embalagem. Um processo longo que pode ser observado a partir de uma visita guiada ao local. Uma ótima oportunidade para ver as oliveiras de perto e aprender mais sobre todo o processo de elaboração.
O Centro de Interpretación Olivar y Aceite
Localizado no meio de Úbeda, o Centro de Interpretación Olivar y Aceite é um passeio descomplicado para quem decide tirar um dia para bater perna pela cidade histórica. Inaugurado em 2013, o espaço funciona em um antigo lagar de azeite dos anos 1930 e possui um museu completo, que conta a história e a evolução da olivicultura na região.
Uma simples visita ao local já é o bastante, mas também vale se atentar à programação semanal do centro, visto que ele também oferece degustações, aulas de culinária e treinamentos – no nosso caso, por exemplo, aproveitamos um workshop com menu de três etapas, todas elas banhadas a muito azeite. Inclusive a sobremesa, que era um brigadeiro (em homenagem aos brasileiros presentes).
O Museu do Azeite e da Cultura da Oliveira de Baeza
Dessa vez em Baeza, esse museu ocupa um olival histórico do século 17. Em seu espaço, os visitantes podem observar o funcionamento dos antigos sistemas de elaboração do azeite: desde a pisada e a torção até as prendas (de viga, de torre e de alhorí, com sistema de roda e corrente). O jardim também é repleto de oliveiras, com diversos tipos de azeitona a fim de comparação – afinal, aprendemos que elas não são todas iguais.
Um dos grandes destaques do passeio, no entanto, é a adega, um enorme tanque utilizado para armazenar azeite que hoje é conhecido como Catedral do Azeite. Construída em 1848, ela é um exemplo de arquitetura industrial com influências da Europa Central e símbolo do progresso da olivicultura na Andaluzia.
NOS PRATOS DE JAÉN
Chega a ser impossível falar de olivoturismo na Espanha sem citar a gastronomia local. No café da manhã, um dos pratos mais tentadores é o pan con tomate – um pão torrado coberto com polpa de tomate fresca – banhado a azeite de oliva. Aliás, essa foi a minha primeira refeição em território espanhol, ainda na estrada, numa parada estratégica. Simples e perfeita, principalmente quando decidi adicionar jamón ao prato.
Já no almoço, no gaspacho, nas carnes ou no peixe, tudo leva azeite, tudo é regado com o ouro líquido que enriquece a cozinha andaluza. Nas tapas ou nos pratos contemporâneos da culinária espanhola, algumas receitas chamaram atenção e merecem destaque.
Antique Restaurante y Tapas
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No Antique, que fica bem no centro histórico de Úbeda, o foco da noite foi uma mesa de tapas com muitos pratos criativos, mas que também honram a tradicional cozinha andaluza. Tudo estava muito bom, mas vale voltar os holofotes para o bombom de patê de perdiz com chocolate branco e geleia de azeite. Não era uma sobremesa, embora a descrição leve a crer que sim. Simplesmente um sabor difícil de decifrar, mas definitivamente bom.
Los Sentidos
No restaurante Los Sentidos, na cidade de Linares, chega a ser difícil eleger um prato mais gostoso. Até a morcilla estava boa, mesmo não sendo fã da comida. Menção honrosa à rabada com abóbora. A carne simplesmente derretia na hora de cortar. Em ambos os pratos, o fio de azeite podia ser um complemento. A sobremesa, no entanto, foi um consenso para todos os que estavam na mesa: leve e deliciosa. Um creme de queijo com abacaxi cozido.
Vandelvira
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A última parada gastronômica em Jaén foi no restaurante Vandelvira, que fica em um convento renascentista do século 16, no centro da cidade de Baeza. O espaço já é impactante, mas a comida também acabou de ser contemplada com uma estrela pelo Guia Michelin Espanha 2024. Entre os 17 pratos servidos no menu-degustação, destaque para a alcachofra com azeitona e para o éclair de patê de perdiz e cacau – sim, mais uma vez a perdiz harmonizando bem com chocolate.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 133 da Versatille