“É um lugar pesado”, diz brasileira que visitou Chernobyl (veja fotos)

A produtora de televisão Renata Motta relata sua passagem pela cidade ucraniana, isolada desde 1986 devido a um vazamento radioativo — e aberta para visitas há 11 anos

M uita gente pode franzir a testa diante da perspectiva de visitar o pedaço do mundo que foi palco do maior desastre radioativo da humanidade. Não é meu caso. Sempre tive curiosidade para ver com os próprios olhos a devastação causada pela explosão que, mais de três décadas atrás, isolou Chernobyl do mundo. Já tenho uma predileção por lugares mais exóticos e que quase ninguém quer visitar, então quando surgiu, no ano passado, uma viagem de trabalho à Europa, decidi que era a hora de finalmente incluir a Ucrânia – e a zona de exclusão – em meu roteiro.

 

Placa corroída na área do radar de inteligência militar de Duga-3, conhecido como “Pica-Pau Russo” devido à semelhança de suas ondas com o som emitido pela ave. Ao lado, uma janela para o nada

 

Antes de qualquer coisa, um pouco de contexto: a zona de exclusão foi criada em 26 de abril de 1986, quando uma explosão de um reator nuclear de Chernobyl liberou 100 vezes o nível de radiação encontrado em Hiroshima e Nagasaki. Consiste em um território de 2.600 quilômetros quadrados que engloba Pripyat, a cidade em que viviam os funcionários da usina e suas famílias. Foi reaberta em 2009, mas apenas recentemente, com o sucesso de uma série da HBO sobre o desastre ali ocorrido, ganhou força no segmento turístico. Aliás, é preciso estar acompanhado por um guia credenciado para entrar. Os tours duram um dia inteiro e saem de Kiev, a capital, a cerca de 200 quilômetros de distância.

 

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Claro, enquanto planejava a viagem pesquisei muito para me certificar de que não era fisicamente perigoso. Tudo o que li afirmava que não (e eu escolhi acreditar nisso). O importante é seguir minuciosamente as regras de segurança, como não encostar nas paredes nem se sentar no chão. Alguns pontos em que o nível de radiação é mais elevado não podem ser visitados.

 

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Nos demais, segundo os guias, visitantes são expostos à mesma radiação de um exame de raio X. Quando a gente chega lá, tem um medidor que é dado para cada turista. Em meu grupo, eram aproximadamente 12 pessoas. Menores de 18 anos não entram, e é obrigatório ir de blusa de mangas compridas, calça comprida e sapatos fechados.

 

A natureza retomando os carrinhos que, como a roda-gigante, nunca chegaram a ser de um parque de diversões. A igreja de St. Elijah (São Elias) é a única ainda aberta por ali. Apesar de parecer totalmente vazia, a região tem moradores e, se há um lugar em que é preciso pensar que a fé não costuma falhar, é um local devastado por um desastre dessa magnitude

 

Chernobyl é um lugar vazio, de gente e de alma. Ocasionalmente aparecem alguns bichos, vindos das florestas próximas, ou cachorros sem rumo nem endereço fixo que são alimentados pelos (poucos) trabalhadores da usina – sim, tem gente que mora lá. É um lugar pesado. Você sai de lá cansado, exausto, física e mentalmente. Precisa ser visitado com a consciência da catástrofe que aconteceu lá. Depois que a série da HBO foi lançada, o turismo cresceu vertiginosamente, e eu imagino que nem todas as pessoas que visitam o lugar agora têm essa consciência. Não é um tour que qualquer pessoa encararia. Mas, para mim, foi um privilégio poder ver de perto algo que eu me lembro de minha infância. Fui preparada e cheia de respeito pela história triste daquele lugar.

 

LUGARINCOMUM | Por Renata Motta | Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille.

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