Designers brasileiros desenvolvem objetos e mobiliário com material reaproveitado

Domingos Tótora, Inês Schertel Guilherme Wentz e Érico Gondim falam sobre a importância da sustentabilidade em suas criações

Banco desenvolvido por Domingos Tótora com papelão reaproveitado
Banco desenvolvido por Domingos Tótora com papelão reaproveitado (Domingos Tótora)

Vinte anos atrás, o mineiro Domingos Tótora achou uma caixa de papelão no quintal e resolveu levá-la para a aula de arte que dava para crianças. A ideia era fazer uma massinha que pudesse ser transformada em casinhas e maquetes. “Só que sobrou um pouco de massa e falei: ‘Ah, não vou jogar fora’, e eu a moldei num pratinho e até esqueci no canto”, lembra. “Um dia eu achei o pratinho e pensei: ‘Nossa, que coisa linda, que matéria mais bonita’, parecia uma casca de árvore.” 

 

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A partir daí, Tótora passou a catar papelão por sua cidade, Maria da Fé, na Serra da Mantiqueira, e a desenvolver peças maiores, mais robustas e compactas, usando o papelão descartado como principal matéria-prima. Ele é um dos grandes nomes do design nacional a usar fontes reaproveitáveis em sua produção. Com o papelão, cria mesas, bancos, painéis, vasos, entre outras peças que são vendidas e temas de exposições no país e fora.  

 

 “A oferta que mais cresce no planeta é do lixo, mas não penso em mero reaproveitamento. Eu acho que os objetos precisam ter um sentido, tocar profundamente as pessoas, emocionar, senão viram mais lixo.”

   

Outra expoente brasileira, atuante no slow design, é a gaúcha Inês Schertel, que há 12 anos iniciou seu trabalho com lã de ovelhas, provenientes de sua criação. Em sua casa, situada em um campo em São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, realiza uma vez ao ano a tosquia de suas 120 ovelhas.  

 

Cadeira de Inês Schertel, revestida com a lã de suas ovelhas

Cadeira de Inês Schertel, revestida com a lã de suas ovelhas (Fifi Tong)

 

Ela extrai a lã e molda artesanalmente o feltro, que é transformado em luminárias, cestos, entre outros objetos, além de mobiliário, por meio de uma técnica milenar. “As ovelhas precisam obrigatoriamente ser tosquiadas, senão ficam muito pesadas, não conseguem pastar”, explica. “Anualmente é preciso que se tire a lã para elas seguirem saudáveis e leves.”  

 

“A lã é um material natural, renovável, biodegradável, e pode ser também completamente sustentável, desde que eu tenha pastos para as ovelhas se criarem”, diz. “Ao morar no campo, a gente precisa respeitar o momento de cada coisa.”

 

Inês diz que o design vem buscando opções mais sustentáveis para existir, inclusive com reaproveitamento de fibras naturais, e acredita que novas tecnologias podem permitir maneiras de usufruir e trabalhar com diferentes materiais. ”É uma missão dos designers essa pesquisa, buscar desenvolver novos materiais e, por consequência, novas criações”, conclui.  

 

Poltrona Canoa azul, de Guilherme Wentz, revestidas com tecido feito de garrafas plásticas

Poltrona Canoa azul, de Guilherme Wentz, revestidas com tecido feito de garrafas plásticas (Divulgação)

 

Foi na busca por soluções sustentáveis que o designer gaúcho Guilherme Wentz desenvolveu sua nova coleção, chamada Mar, cujos estofados foram revestidos com tecido que tem, em sua composição, de 70% a 100% de fios de garrafas PET retiradas do oceano.  

 

Poltronas Canoa cinza, de Guilherme Wentz, um dos designers que utilizam material reaproveitado

Poltronas Canoa cinza, de Guilherme Wentz (Divulgação)

 

 “Ele (o tecido) tem as mesmas características com as quais eu me preocupo, de qualidade, durabilidade e resistência do poliéster, mas com a vantagem de que não estamos usando polímero virgem, e passamos a usar uma fonte renovável, reciclada e reciclável”, diz.  “A gente expandiu a linha de tecidos e pretende usar como um dos pilares da marca.”  

 

 A ressignificação de materiais guiou também a parceria entre o designer cearense Érico Gondim e o estúdio Rato Rói, em 2017, que gerou a luminária Corrupio, feita de sacolas plásticas descartadas e inspirada em um brinquedo popular brasileiro.  

 

luminária da linha Corrupio, de Érico Gondim, um dos designers que utilizam material reaproveitado

luminária da linha Corrupio, do design Érico Gondim com o estúdio Rato Rói, feita de sacolas plásticas (Divulgação)

 

“O Corrupio é uma tampinha de garrafa que as crianças pegam no chão, fazem dois furos, colocam um cordão e giram”, explica. “Esse ato de ressignificar o material foi o mote para desenvolver o projeto, porque a gente faz ressignificação do plástico para transformá-lo em produto”.  

 

Com o sucesso da peça, Gondim expandiu a linha de luminárias para versões de piso e pendentes, além de criar vasos para plantas. Entre suas criações feitas de material reaproveitado, ele lembra também sua luminária Olho, feita a partir do descarte de cortinas e persianas pela indústria.  

 

“Acho que a gente chegou a um momento em que é preciso dar conta daquilo que sobra, do que a gente descarta, que é muito”, afirma. “Ter esse nível de consciência é fundamental. É responsabilidade de todos os designers ter essa visão, de transformar os materiais a partir daquilo que já existe.”  

 

Por Ana Luiza Cardoso | Matéria publicada na edição 126 da Versatille

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