Design que fica: 4 cadeiras icônicas desenhadas por brasileiros

Com formas inusitadas presentes em diferentes projetos de interiores, essas peças do mobiliário brasileiro marcaram a história e permanecem relevantes, conquistando novos públicos

(Móvel Moderno no Brasil, Editora Senac São Paulo)

Em 1957, o fotógrafo Otto Stupakoff (1935-2009) encomendou um sofá ao arquiteto e designer Sergio Rodrigues (1927-2014). Ele queria o móvel para seu estúdio, bem confortável, de forma que pudesse se sentir como um sultão, para se refestelar. Assim, Rodrigues desenhou um móvel de jacarandá, percintas de couro e com um almofadão repousado sobre a estrutura. O sofá não chegava a 2 metros de comprimento, mas se esparramava, relaxado. Essa peça – posteriormente conhecida como Mole – entrou para um hall de sucesso junto a obras de outros designers brasileiros que, ao buscar soluções para projetos de interiores ou arquitetônicos, desenvolveram traços memoráveis, se renovaram e atraíram fãs em diferentes gerações.

 

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Porém, antes de chegar à glória, Rodrigues precisava conquistar o público brasileiro dos anos 1950, que estranhou a robustez do mobiliário. Na época, circulavam modelos de inspiração escandinava, com pés de palito, por exemplo, além de importados. Ele expôs a criação em 1958, na mostra Móveis como Objeto de Arte, em sua loja Oca, então situada em Ipanema, no Rio de Janeiro. Ali, exibiu também um modelo menor, o de uma poltrona Mole – naquele momento, chamada de PO-12.

 

Registro antigo da poltrona lançada nos anos 1950 (Imagens cedidas pelo Instituto Sergio Rodrigues)

 

“O sofá foi para a vitrine e muitas pessoas torceram o nariz”, relatou Fernando Mendes, designer e presidente do Instituto Sergio Rodrigues. “Ele desenhou essa peça de mobiliário muito diferente do cenário brasileiro e internacional”, prosseguiu. “E criou uma poltrona que é extremamente aconchegante, que valoriza a madeira como material. Em vez do pé palito, fez um robusto, em formato de tacape, que remete à cultura indígena. E, como tudo o que é novo, causou estranhamento, choque.” 

 

Aos poucos, a Mole caiu em graça e, em 1961, ficou em primeiro lugar no Concorso Internazionale del Mobile, em Cantù, na Itália, onde concorria com 400 projetos de 27 países. Em 1974, passou a integrar a coleção de design do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York.

 

Croquis desenhados por Sergio Rodrigues

Croquis desenhados por Sergio Rodrigues (Imagens cedidas pelo Instituto Sergio Rodrigues)

 

“Os móveis do Sergio foram muito copiados; ele ficava muito chateado com isso, reclamava, mas a Mole é a cabeça dele e ela virou uma peça comentada por todo mundo”, disse Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, professora titular de design da FAU-USP e autora, entre outros livros de design, do livro Móvel Moderno no Brasil (Ed. Senac), que tem uma foto da poltrona Mole na capa.

 

Exemplo de poltrona Mole de couro

Exemplo de poltrona Mole de couro (Imagens cedidas pelo Instituto Sergio Rodrigues)

 

Hoje, fabricada com exclusividade pela LinBrasil e revendida em diversas lojas pelo país e no exterior, a poltrona pode ser encomendada em diferentes cores e tipos de revestimentos. 

 

“Ela tem essa coisa faceira, essa malemolência, uso generoso de materiais, calculado dentro de uma funcionalidade. É ligada a nossa cultura, tem o couro, a madeira, as percintas, ela dialoga com as origens do equipamento da casa brasileira.”  

 

Nesse mesmo livro, Maria Cecilia conta ainda sobre outro expoente nacional: a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992), que, formada pela Faculdade de Arquitetura de Roma, chegou ao Brasil em 1946. Segundo a autora, Lina acreditava que a produção de mobiliário não acompanhava a velocidade de desenvolvimento da arquitetura brasileira e se lançou em uma busca por um tipo de móvel que se identificasse com essas novas exigências. 

 

Em 1947, desenhou sua primeira obra de grande repercussão: a cadeira do auditório do Museu de Artes de São Paulo (na época, situado na Rua 7 de Abril, no centro), que era empilhável e dobrável e feita de couro e madeira. Em 1948, inaugurou, ao lado de Pietro Bardi e Giancarlo Palanti, o Studio Arte Palma e a Fábrica de Móveis Pau Brasil Ltda.

 

Bowl, poltrona de estrutura metálica, de lina bo bardi

Bowl, poltrona de estrutura metálica, de Lina Bo Bardi (Divulgação/Arper)

 

Em 1951, ela lançou a Bowl – uma poltrona de estrutura metálica, em forma de anel, com assento semiesférico e revestida de tecido. Nas imagens de divulgação, é possível ver um encaixe no corpo, que faz erguer as pernas do usuário e o acolhe. 

 

“A Lina tinha esse toque do diálogo, da humanidade. Não só a entrevistei como convivi com ela, e ela queria sempre habitabilidade dos edifícios e esse acolhimento do mobiliário”, disse a pesquisadora. “Ela representa para nós esse padrão do profissional europeu: é uma mulher branca, de formação refinada. Porém, a presença dela no Brasil – ou melhor, o Brasil presente em sua alma – trouxe a possibilidade de desenvolver outros elementos que ela incorporou em seus projetos”, prosseguiu. “A Bowl ainda está dentro da linguagem europeia”, pontuou. “Mas Lina foi também ‘se abrasileirando’.” 

 

“A cadeira da Lina ficou muito conhecida fora do Brasil, foi capa da revista Interiors. Era cadeira de cuia, como ela falava”, disse Giancarlo Latorraca, arquiteto e diretor-técnico do Museu da Casa Brasileira. “Havia uma primeira versão que ela fez de couro preto. E, já nos croquis, ela propunha almofadas coloridas.”

 

Apesar do reconhecimento, a Bowl nunca havia sido produzida em escala industrial, e podia ser encontrada apenas em alguns projetos de Lina. Em 2014, quando a arquiteta completaria 100 anos, a peça foi reeditada pela empresa italiana Arper, em tiragem limitada a 500 exemplares, em diferentes cores, como resultado de uma parceria com o Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, com sede em São Paulo. Em 2015, a produção da Bowl chegou ao Brasil com venda exclusiva na Dpot. 

 

“Já as originais, que foram localizadas no Brasil e recuperadas, têm um valor muito alto, são peças de colecionador”, contou Latorraca.

 

Na mesma década em que Lina lançou uma de suas cadeiras mais icônicas, em 1957, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) projetava a nova sede do Clube Atlético Paulistano juntamente com o arquiteto João Eduardo de Gennaro e, com isso, desenvolvia a cadeira Paulistano.

Exemplar produzido pela Futon Company da Cadeira Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha

Exemplar produzido pela Futon Company da Cadeira Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha (Futon Company/Divulgação)

 

“Além de ser um ícone superconsagrado, é uma das cadeiras feitas por arquitetos que entraram no hall do design brasileiro com muito êxito”, disse Alexandre Benoit, arquiteto, professor da Escola da Cidade e um dos autores do livro recém-lançado Boa Forma Gute Form: Design no Brasil 1947-1968 (Editora Act.). 

 

“É uma cadeira feita de materiais industriais, barra de aço retorcida, uma mola de elevador, originalmente, e tem como assento uma lona, que é de caminhão. Foi feita para aguentar a vida moderna”, disse. “Entretanto, tem como conceito um sentar muito próximo da rede, de um aspecto da cultura brasileira antimoderna. Ela tem diálogo entre universal e nacional muito forte.” 

 

Na década de 1980, a marca Nucleon 8 produziu algumas Paulistanos para sua série Modernos Brasileiros e, em 1986, a cadeira venceu o 1º Prêmio do Museu da Casa Brasileira. Em 2003, ela passou a ser fabricada e vendida, no Brasil, pela Futon Company, e, em 2004, também pela Objketo, focada em negócios internacionais. Em 2007, a Paulistano entrou no acervo permanente do MoMA, de Nova York. 

 

“Ele queria, para o Clube Paulistano, uma cadeira com capa de fibra de tucum, porque ele imaginou essa poltrona como se fosse uma rede, em que você fica sentado suspenso”, conta Bénédicte Salles, que comanda a Futon Company ao lado de Matthieu Halbronn. 

 

Hoje, ela pode ser “vestida” com lona de algodão de 19 diferentes cores. De couro, há cinco opções, e ainda existe uma versão de malha de aço. Todas as variações receberam aval de Mendes da Rocha, segundo Bénédicte. 

 

Outro ícone nacional, a cadeira de balanço Rio foi desenhada por Oscar Niemeyer (1907-2012) ao lado da filha Anna Maria Niemeyer (1930-2012), em 1977, a partir da frustração do arquiteto de não ter mobiliário que se adequasse e conversasse com suas obras modernistas. Feita sempre de laca preta, palhinha e couro no encosto da cabeça, a peça começou a ser reeditada exclusivamente pela Etel em 2013.

 

Cadeira de Balanço Rio, de Niemeyer:  laca preta, palhinha  e couro

Cadeira de Balanço Rio, de Niemeyer: laca preta, palhinha e couro (Fernando Laszlo/ETEL/Divulgação)

 

“Os projetos dele eram únicos e ele queria o interior absolutamente adequado ao arrojo da arquitetura”, conta Maria Cecilia Loschiavo dos Santos. “Ele sabia onde podia ter uma peça para não atrapalhar a circulação, para valorizar detalhes.” Muitos móveis dessa época, conforme conta a pesquisadora, foram desenvolvidos para a sede do Partido Comunista Francês – um de seus projetos mais famosos, criado em 1966 e concluído nos anos 1980.

 

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Mas, afinal, o que faz um mobiliário ultrapassar gerações e se tornar icônico? Para Joaquim Redig, designer e professor de história do design PUC-Rio, esse reconhecimento é resultado de elementos como forma, intenção e desempenho. “Eles mudam paradigmas”, disse.

 

“Na década de 1950, os móveis tinham estofamento literalmente pregado na estrutura. As coisas eram cortadinhas, encaixadinhas, uma ao lado da outra. Daí Sergio Rodrigues fez uma poltrona toda solta”, exemplifica. “Por isso ele mudou o mobiliário brasileiro. Isso acontece quando se traz uma nova forma de fazer as coisas.” 

 

Por Ana Luiza Cardoso | Matéria publicada na edição 125 da Versatille

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