De dentro para fora: entenda a estética dopamine dressing
No novo movimento dominante da moda, a compreensão das emoções é o segredo para alcançar a felicidade por meio das roupas
A dopamina é um neurotransmissor que atua no sistema nervoso em diferentes funções, como aquelas relacionadas ao humor e prazer, elementos-chave quando se trata de felicidade. O mais curioso é que sua conexão com a moda é mais intrínseca do que parece. A tendência dopamine dressing, vista na última temporada das fashion weeks das cidades de Nova York, Londres, Milão e Paris, apresentadas em setembro, anuncia essa relação de interdependência. A ideia é simples: usar roupas que tragam uma sensação de bem-estar e, consequentemente, tornem quem as veste feliz.
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Apesar de ser um termo novo, a premissa já é pesquisada há bastante tempo. “Isso existe desde os primeiros estudos sobre a psicologia das cores, por volta do fim do século 19, início do século 20”, diz a psicóloga Lara Almeida, autora do livro Psicologia Fashion. Em 2012, uma pesquisa realizada pela professora Karen Pine, da Universidade de Hertfordshire, na Inglaterra, mostrou que a confiança dos participantes crescia quando vestiam roupas de valor simbólico para eles. Já outra mais recente, de 2017, publicada no European Journal of Social Psychology, também constatou que a vestimenta pode ter uma ação direta na autoconfiança.
Segundo Lara, antes mesmo de causar um impacto positivo no estado emocional dos seres humanos, as roupas são utilizadas por cinco motivos primordiais, que são: proteção; modéstia, pela função social de cobrir o corpo, imposta pelo homem; diferenciação sexual, que recentemente tem sido desconstruída com o estilo genderless; diferenciação individual, referente à personalização e identificação de estilo; e adorno.
“A gente já não separa mais a mente e o corpo. Hoje temos essa visão mais sistêmica. As roupas fazem parte do ser e são capazes de mudar instantaneamente a nossa postura, nos deixar felizes ou infelizes, nos dar uma boa autoestima ou insegurança. É tão forte essa interação entre roupas e emoções que ela pode desenvolver até um quadro depressivo”, diz Lara. Segundo a especialista, quando alguém se sente bem com o que veste, o sistema nervoso tende a produzir mais dopamina, e, assim, gera mais prazer e uma melhora do estado de humor.
O avanço da vacinação e o clima de otimismo são os principais responsáveis pela ascensão desse conceito na moda contemporânea. À medida que os encontros presenciais voltam a fazer parte da rotina, surge aquela inquietação prazerosa de se perguntar: “O que eu vou vestir?”. “Quando falamos em dopamine dressing, existe a ideia de celebração, de vida e tudo o que nos foi roubado nesses últimos 18 meses. É um processo físico, mas que tem respaldo no psicológico”, explica Lara.
Em meio ao clima festivo, é inevitável que as cores se destaquem, bem como tecidos, materiais e texturas, os quais despertam sensações prazerosas. O conforto, no entanto, começa a se distanciar do look simples e informal adotado durante a quarentena. “O pijama passou a ser um símbolo de prisão, e esse vestuário casual adquiriu uma conotação negativa. A moda está voltando a ser ousada”, diz Lara. A psicóloga compara o momento atual com os períodos de pós-guerra, nos quais é comum essa transição da repressão para a expressão, criatividade e celebração.
Apesar de agrupar tais elementos do inconsciente coletivo que formam uma espécie de “estética positiva”, o estilo dopamine dressing é totalmente livre de padrões, já que a felicidade é uma experiência subjetiva. Lara explica, por exemplo, que, embora exista uma convenção em relação ao significado simbólico das cores, o que elas remetem para cada indivíduo depende de suas crenças, bem como dos momentos prazerosos e até mesmo de traumas vividos. Ao contrário de outras estéticas, essa celebra a individualidade e dificilmente gera a impressão de que todos estão iguais.
Para o stylist Rodrigo Polack, o conceito de dopamine dressing também está muito ligado a memórias afetivas. “Quantas vezes a gente olha para o armário e se depara com um moletom que tem há anos, e sabe que, se colocá-lo, ele vai trazer certo conforto. Às vezes, está até com bolinha, carinha de velho, mas, quando você o veste, parece um abraço”, compara. Roupas usadas em ocasiões especiais ou que passam por diferentes gerações de uma família também podem causar o mesmo impacto, gerando a produção de dopamina.
O prazer, no entanto, nem sempre é suscitado por vestimentas repletas de história. Uma roupa nova também pode exercer o mesmo papel. Até mesmo sem comprar uma peça, é possível alcançar o bem-estar proporcionado pelo neurotransmissor, ou então o sentimento inverso. “Ao se vestir no provador de uma loja, dá para ter aquela sensação gostosa ou colocar, por exemplo, uma peça sintética com um efeito lindo e sentir certo desconforto, por mais bonita que ela seja”, diz Polack.
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Finalmente surge uma tendência de moda que depende muito mais do interior do que do exterior, e sua grande potência está na capacidade de tornar os dias melhores, se adotada com sabedoria. “As roupas, as cores e os acessórios são instrumentos de comunicação não verbal e estão aqui para nos auxiliar. Como seres humanos, temos gatilhos que nos prendem, atrasam e nos impedem de conseguir o que queremos. É preciso entender nossa autoestima para compreender como usar esses elementos a nosso favor”, diz Lara. De fato, o autoconhecimento nunca foi tão essencial em um momento da moda.
Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 123 da Versatille