Cynthia Erivo, a diva multitalentosa (e premiada) que os anos 20 pediram

Se você ainda não ouviu falar de Cynthia Erivo, pode-se considerar por fora. A atriz e cantora britânica é a cara das estrelas da nova década: talentosa e politizada

Por Orlando Margarido | Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille

 

Quando Cynthia Erivo subiu ao palco do Oscar para cantar, em fevereiro, a plateia repleta de astros acompanhou boquiaberta e com brilho nos olhos. Não se pode dizer que nascia ali uma estrela, mesmo porque a atriz britânica de 33 anos já chegou à cerimônia com esse status, fruto de uma trajetória consolidada por prêmios e elogios da crítica. Mas, se alguém ali ainda duvidava de seu poder de fogo, isso certamente ficou para trás. Foi ovacionada ao interpretar Stand Up, composição que rendeu a ela uma das duas indicações que recebeu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood neste ano. A outra, também pelo drama Harriet, foi na categoria de atriz principal. No filme, vive a personagem título, escrava que lutou pela abolição dos Estados Unidos na Guerra Civil.

 

Poucas pessoas estreiam como indicadas ao Oscar já em mais de uma categoria, como fez Cynthia Onyedinmanasu Chinasaokwu Erivo, seu nome completo. Conseguir esse feito sendo uma artista negra é ainda mais incomum, numa premiação com histórico de preterir quem não se encaixa no ultrapassado molde branco-rico-hétero (ou combinações dessas três características). Como dito anteriormente, a estrada até esse momento não foi curta. A sorridente “cantriz”, com uma charmosa separação entre os dentes da frente, pequenina em seu 1,54 metro de altura, arrebatou os três grandes troféus do teatro e da TV entre 2016 e 2017 como a Celie Johnson do musical A Cor Púrpura. A montagem, que estreou quatro anos antes em um pequeno teatro nova-iorquino, seguiu para a Broadway, tornou-se série de TV e rendeu um álbum, alçando definitivamente a intérprete ao estrelato. Ainda não foi dessa vez que ela entrou para o seleto clube dos profissionais que conquistam seu Egot – ou seja, que venceram um Emmy, o Grammy, um Tony e o Oscar. Mas parece questão de tempo até a estatueta dourada se juntar às demais.

 

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Numa indústria pautada pela imagem não só nas telas, Cynthia brilha também no tapete vermelho. Suas escolhas de vestuário arrancam elogios tanto dos poucos críticos de moda remanescentes dos programas de televisão quanto dos quase 500 mil seguidores que a acompanham no Instagram. Na chegada ao Oscar, posou para os fotógrafos num exuberante vestido branco com fenda e deu vazão a sua porção diva – mas sem perder a humildade. “É inacreditável estar aqui, isso já é um prêmio”, dizia em entrevistas. “Quero me divertir ao máximo.”

Ela costuma lembrar, no entanto, que nem sempre foi assim. Filha de uma modesta enfermeira que se estabeleceu em Londres aos 24 anos e criou sozinha ela e uma irmã, sem saber o paradeiro do pai, descobriu cedo a inclinação para a carreira artística, mas apenas com o objetivo do canto. “Acho que, por ser pequena, eu tinha de chamar atenção de algum modo e me fazer ouvir.” Foi a mãe, dona de uma coleção de discos que ia de Kenny Rogers a Diana Ross, a primeira pessoa atenta a essa vocação quando Cynthia fez sua estreia, aos 5 anos, numa peça da escola. Cantou Noite Feliz, clássico natalino que rendeu a primeira leva de aplausos de sua vida.

 

 

Anos depois veio o passo natural de estudar psicologia da música na universidade. Resistiu, contudo, ao pedido de sua orientadora de se candidatar a uma vaga na Royal Academy of Dramatic Art. “Não achava que atuar fosse para mim, mas ela não se conformava”, costuma lembrar. “Compor minhas canções e cantar era tudo o que eu pensava em fazer.”

 

Não demorou muito na instituição para que a insistência se confirmasse, e o talento como atriz aflorasse. Em 2010, veio a primeira oportunidade no teatro e, no ano seguinte, já estrelava montagem com apelo popular: assumiu o papel de Deloris Van Cartier em Mudança de Hábito, outro musical que, assim como A Cor Púrpura, fez boa carreira primeiro no cinema. Até ela estrear na Broadway com esse, uma sucessão de outros espetáculos assegurou sua ascensão, e os inevitáveis convites para séries de televisão e cinema. Ao longo do caminho, citou sempre Whoopi Goldberg como sua maior referência profissional. “É meu modelo como artista, mulher, militante, e por isso simplesmente não acredito quando me vejo em situações nas quais ela esteve, no teatro, no Oscar.” Cumprir, portanto, o destino de substituí-la de certa maneira nos dois musicais tem gosto de prêmio mais significativo para ela.

 

Em depoimentos, entrevistas e premiações, Cynthia deixa clara a postura em favor de mais oportunidades para artistas negros. Uma de suas atitudes recentes deu o que falar quando ela recusou um convite da organização do Bafta, o Oscar inglês, para cantar na cerimônia. “Não aceito servir de acessório a um evento de premiação que conta apenas com artistas brancos entre os indicados”, justificou. O cinema, e em especial Hollywood, ela sabe, precisa sempre ser lembrado da dívida histórica com os profissionais afrodescendentes. Sua estreia tardia na tela grande com As Viúvas, em 2018, parece confirmar a falta de oportunidades. Na refilmagem da série de TV As Damas de Ouro, Cynthia contracena com a amiga Viola Davis, e não parece ser casual o projeto contar com o também negro Steve McQueen na direção.

 

Projetos não faltam. Está escalada no cinema para o novo trabalho de Doug Liman, previsto para janeiro de 2021, enquanto a TV propicia desafios de respeito, como interpretar Aretha Franklin numa série do National Geographic chamada Genius. É mais uma das rainhas, dessa vez do soul, em quem ela procura se projetar como exemplo. “Cada uma de minhas personagens tem algo de mim, física e espiritualmente”, diz. “Elas têm essa vontade de sobrevivência, de pegar o caminho mais duro, e é assim que eu quero ser reconhecida.”

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