Conheça a trajetória do projeto social Cidades Invisíveis, que hoje impacta moradores de 56 favelas brasileiras

A iniciativa nasceu do trabalho fotográfico do professor de direito Samuel dos Santos

Foto: Divulgação

Fotografia, arte e moda. Reunindo essas três expressões a um olhar sensível sobre a favela Vila Aparecida, em Florianópolis, o fotógrafo e professor de direito Samuel dos Santos construiu um projeto social que hoje impacta moradores de 56 favelas brasileiras. 

 

Em 2012, movido pelo desejo de “dar visibilidade a essas cidades invisíveis”, ele começou a retratar o cotidiano da Vila Aparecida – caminhava pelo bairro, conversava com as famílias, ouvia suas histórias e fazia retratos. 

 

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Logo o projeto fotográfico cresceu, atingiu milhares de pessoas e foi muito além das imagens: primeiro, Samuel criou uma marca de camisetas com estampas desenvolvidas a partir das fotografias que fazia e, assim, começou a reverter a renda para as famílias que conhecia nas favelas. Desde 2018, também promove uma vez ao ano um leilão de obras de arte para reverter toda a renda às favelas – mas, agora, de forma mais estruturada, por meio de grandes projetos que envolvem arte, cultura, esporte, saúde e educação. 

 

 

“Existe descaso em qualquer favela do Brasil. Nas minhas visitas, sempre me deparo com invisibilidade e ausência de direitos fundamentais – são problemas de saneamento, moradia precária, falta de posto de saúde, escola pública e de vaga em creche”, fala Samuel dos Santos à Versatille. “Diante desse descaso e também dos preconceitos e das barreiras impostas para essa população, nasceu o Cidades Invisíveis, lá em 2012. Desde então, o projeto vem empregando esforços para promover a inclusão social e a redução das desigualdades.” 

 

Embora o fundador não veja melhoras significativas nesses problemas nos últimos 12 anos de atuação cotidiana nas favelas brasileiras, diz que vai “continuar caminhando”. 

 

 

Atualmente, o Cidades Invisíveis atende 400 pessoas todos os meses no projeto Bonsai, um “acelerador de potenciais humanos”, nas palavras de Samuel, que tem unidades presentes em 56 favelas de quatro estados brasileiros – Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Nesses espaços, os moradores têm acesso a cuidados básicos de saúde, atenção psicossocial, orientação jurídica e atividades de lazer, como ioga e dança; ainda, podem fazer aulas de reforço, aprender línguas e participar de cursos profissionalizantes. 

 

O nome do projeto, nascido em 2016 na favela Frei Damião, em Palhoça/SC, foi inspirado pelo economista vencedor do Nobel da Paz de 2006 Muhammad Yunus: “Pessoas pobres são como bonsais: não há nada de errado com sua semente, a sociedade que nunca lhes oferece o espaço para crescer”. E esta é a ideia do Bonsai: “Oferecer espaços que apresentem possibilidades a pessoas em situação de vulnerabilidade. E, ao trabalhar com indivíduos, é possível alcançar seu núcleo familiar e seus círculos de amizade, fortalecendo a comunidade como um todo”, explica Samuel. Dessa forma, o Bonsai impacta indiretamente 5 mil pessoas todos os meses, de crianças a idosos. 

 

 

Cada nova unidade do Bonsai passa por muito estudo antes de ser instalada e abrir as portas – esse trabalho é feito em sete etapas, começando por um diagnóstico que identifica as demandas sociais de cada região, passando por pesquisas, captação de parceiros e a definição do calendário de atividades, indo até o estudo de impacto social após a implementação do espaço. Tudo isso para garantir que cada semente do Bonsai renda os melhores frutos para cada comunidade – na Praia de Juquehy, no litoral norte de São Paulo, o Bonsai tem um grande projeto de surfe social, o que não faria sentido numa cidade no interior do Rio Grande do Sul, por exemplo. 

 

Outro pilar importante do Cidades Invisíveis é o RUA – Ressignifica Urbana Artística, um projeto que revitaliza áreas periféricas abandonadas, reconstruindo praças públicas abandonadas ou construindo espaços comunitários do zero, todos equipados com arte urbana, mobiliário de uso coletivo e wi-fi gratuito. Até hoje, o RUA promoveu mais de 10 quilômetros de arte urbana pelo país. 

 

 

“Queremos continuar crescendo, chegando a novas comunidades e aumentando o número de pessoas atendidas, mas queremos crescer com qualidade”, fala. 

 

Arte e trabalho coletivo 

 

Em 2018, Samuel promoveu o primeiro leilão beneficente do Cidades Invisíveis, idealizado pelo galerista Luis Maluf e pela atriz Thaila Ayala, a madrinha do projeto, evento que terminou com a arrecadação de 56 mil reais. Mas, da mesma forma que o projeto cresceu em grande escala, a arrecadação dos leilões também aumentou ano após ano: o mais recente, em junho de 2024, aconteceu no hotel Rosewood, em São Paulo, e alcançou a marca recorde de 2 milhões de reais arrecadados. 

 

“A arte e a fotografia são pilares importantes do Cidades Invisíveis e, por isso, temos uma boa relação com artistas, que conhecem nosso trabalho e cedem suas obras para os leilões”, explica o fundador, Samuel. “O evento envolve artistas e pessoas que se interessam por contribuição social e se tornou nossa principal fonte de recursos. É o que nos mantém de pé o ano inteiro.” 

 

Na sexta edição, a mais recente, foram leiloadas obras de artistas como Gabriel Wickbold, Cainã Gartner, Tito Ferrara e Beto Gatti – esse último, autor e doador da obra mais valiosa vendida neste ano: a escultura Saudade, por 340 mil reais. A obra, que apresenta dois primatas abraçados, mas vidrados na tela de seus celulares, fala sobre o aprisionamento da tecnologia, uma vez que eles estão fisicamente muito próximos e ainda assim distantes, explica Gatti à Versatille.“Fico lisonjeado de ver meu trabalho fazendo a diferença. Essa é mais uma prova de que a arte impacta a vida das pessoas.” 

 

 

Beto Gatti é um artista brasileiro reconhecido internacionalmente: suas obras já foram expostas no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro; em galerias de Londres, Miami, Atenas e Lisboa; e em feiras importantes, como Art Basel, SP-Arte e ArtRio. Além disso, é fotógrafo de moda e já assinou uma linha de mobiliário. Essa não foi a primeira vez que ele colaborou com o leilão beneficente do Cidades Invisíveis. Obras assinadas por ele foram cedidas a pelo menos três leilões anteriores, totalizando mais de 680 mil reais revertidos para o projeto. 

 

“Acompanho o Cidades Invisíveis há alguns anos, e o trabalho do Samuel é genuíno, ele se dedica integralmente a fazer a diferença. É um trabalho coletivo, que mostra que sozinho ninguém faz a diferença e todos precisam fazer a sua parte”, fala o artista. 

 

Por Mariana Gonzalez Régio | Matéria publicada na edição 135 da Versatille

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