Entenda a relevância da Broadway, clássico teatro de Nova York

Após quase 300 anos de história e diversos desafios, a famosa região de espetáculos segue se adaptando e encantando gerações

Jill Haworth e Bert Convy no musical Cabaret (The New York Public Library Digital Collections)

É impossível falar de Nova York sem falar da Broadway. É também raro visitar a cidade sem, pelo menos, cogitar a possibilidade de assistir a uma de suas grandes produções teatrais ou no mínimo ser impactado pela presença delas nas ruas, nos anúncios em metrôs e nas paradas de ônibus, além da televisão, táxis e, claro, nos outdoors da Times Square. No entanto, o que poucos sabem é que a região dos teatros é muito mais do que um ponto turístico e de atividade cultural.

 

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A Broadway traz para Nova York em torno de 2 bilhões de dólares ao ano. São 41 teatros, que comportam no mínimo 500 pessoas em suas plateias, todos localizados ao redor da Times Square. O valor bilionário não contabiliza os teatros menores, classificados como off-Broadway, e os off-off-Broadway, ainda menores e em outras regiões.

 

A indústria, além de fazer da cidade uma das capitais culturais do mundo, também foi essencial para a recuperação de Nova York em diversos momentos de dificuldades: teve papel central na crise econômica de 1929, nas diversas mudanças sociais e culturais das décadas seguintes, na revitalização da Times Square nos anos 1990, na recuperação após os ataques do 11 de Setembro e, mais recentemente, nas vacinações da pandemia, em 2021.

 

Desde meados de 1800, a presença de uma forte vida teatral em NY já era registrada, mesmo período no qual a cidade começou a atrair imigrantes do mundo todo. Nessa época, as principais atividades econômicas e sociais estavam localizadas no sul da ilha de Manhattan e os teatros, espalhados na região próxima à Union Square, na 14th Street (Rua 14), o então ponto central da cidade. A mudança para Midtown, onde se encontra hoje, ocorreu gradualmente, conforme a cidade crescia.

 

No passado, a região era dividida em pequenas fazendas pertencentes à meia dúzia de famílias, o que possibilitou a compra e a construção de grandes propriedades com custos baixos.Os formatos dos shows de variedades music halls (de origem britânica, populares entre 1850 e 1960) e vaudeville (predominantes nos EUA e no Canadá entre 1880 e 1930) foram o pontapé para o surgimento do teatro musical.

 

Até a década de 1920, os espetáculos eram esquetes, sem uma narrativa central, que mesclavam comédia com números musicais. Foi nessa época que surgiram o americano George M. Cohan, com seus espetáculos patriotas, e o cantor lituano Al Jolson, grande nome dos palcos, que estrelou em O Cantor de Jazz, o primeiro filme com falas. Algumas das produções mais famosas e glamourosas dessa era eram a Ziegfeld Follies, que deram a fama a Fanny Brice, no qual o musical Funny Girl, estrelado por Barbra Streisand, veio a se inspirar anos depois. 

 

Louis Armstrong, em 1955

Louis Armstrong, em 1955 (Getty Images)

 

Paralelamente ao vaudeville, no Harlem, a comunidade afrodescendente criava a própria versão do movimento cultural na Cotton Club, que lançou os principais nomes do jazz, como o sócio da casa noturna Duke Ellington e o lendário Louis Armstrong. Principalmente em Nova York, a barreira social e racial não impedia que os compositores e artistas dos diferentes públicos assistissem e inspirassem uns aos outros. E foi assim que, em dezembro de 1927, estreou o primeiro espetáculo de narrativa completa onde a música fazia parte da história, o Show Boat, o início de um novo formato de arte.

 

Outra curiosidade que também contribuiu para o nascimento do teatro musical foi o quarteirão batizado de Tin Pan Alley, localizado na 28th Street (Rua 28), entre a 6th Avenue (6ª Avenida) e a Broadway. Lá existiam diversos edifícios que literalmente vendiam música para o que fosse necessário. Cada compositor tinha uma pequena sala, na qual criava as mais diversas melodias e letras para a necessidade de seus clientes, e o custo das canções originais era baixíssimo.

 

Alguns dos residentes eram Irving Berlin, os irmãos George e Ira Gershwin, Oscar Hammerstein II, Jerome Kern, Frank Loesser, Cole Porter e Richard Rodgers. É impossível dizer se foi pelo fato de todos se conhecerem ou por passarem os dias escutando uns aos outros através das paredes que se criou tanta genialidade em uma quadra só, mas o que se sabe é que esses são alguns dos principais nomes da música que marcaram os anos 1930, 1940 e 1950.

 

É importante lembrar que, nessas décadas, não havia muita diferença entre o que se ouvia nas rádios e nos bailes ao que se ouvia em um musical. Muitas das grandes canções americanas e standards do jazz vêm do teatro. Nos anos 1930, com o impacto da Grande Depressão, havia dois movimentos claros: espetáculos grandiosos, como Anything Goes, e uma linha mais realista, como Of Thee I Sign, o primeiro musical a receber um Pulitzer de dramaturgia. A era também trouxe artistas que se tornaram icônicos: os irmãos dançarinos Fred e Adele Astaire e as atrizes e cantoras Ethel Merman e Gertrude Lawrence. 

 

Os anos 1940 e 1950 são conhecidos como a era dourada dos musicais, tanto nos palcos quanto no cinema. As produções eram grandiosas e traziam histórias realmente americanas, o que tornou a linguagem teatral mais acessível e significativa ao público. As produções Oklahoma!, South Pacific e Carrossel são bons exemplos.

 

Duke Ellington, em 1963

Duke Ellington, em 1963 (Getty Images)

 

Mesmo que no auge da Segunda Guerra Mundial alguns espetáculos apresentassem uma temática patriota, até então assuntos políticos e sociais eram levados de uma forma discreta e leve. Foi apenas na década de 1960 que esses temas se tornaram de fato centrais, com a chegada de musicais como Cabaret, Hair e West Side Story. 

 

A dança também se tornou mais relevante com o passar dos anos. Inicialmente, era apenas uma ferramenta para encher os olhos do público ou uma forma de transição entre uma cena e outra. Seu verdadeiro destaque veio com a chegada dos diretores coreógrafos nos anos 1970, como Bob Fosse, coautor do musical Pippin, e Michael Bennett, de A Chorus Line.

 

Pouco a pouco, passos e gestos se tornaram tão importantes quanto as melodias e palavras. As “jazz hands” (em tradução livre, mãos de jazz) também surgiram no período. Foi na mesma década que começaram a surgir musicais de críticas aos comportamentos da sociedade contemporânea, marcados pelo estilo de Stephen Sondheim, compositor dos musicais Company e Sweeney Todd. 

 

Até A Chorus Line, os espetáculos não ficavam muito mais de um ano em cartaz. A imagem que temos hoje, de que todos os espetáculos ficam na Broadway eternamente, aconteceu após 1980. Tudo começou quando um jovem produtor na Inglaterra resolveu investir em uma peça sobre gatos, que não tinha uma narrativa concreta. A composição era de outro britânico que já havia tido algum sucesso em musicais de rock sobre Jesus Cristo e Eva Perón. O produtor era Cameron Mackintosh, o compositor, Andrew Lloyd Webber, e o musical, Cats.

 

Larry Hagman e sua mãe, a cantora Mary Martin, performando as músicas de South Pacific

Larry Hagman e sua mãe, a cantora Mary Martin, performando as músicas de South Pacific (Getty Images)

 

A mesma dupla também está por trás do maior musical da história, O Fantasma da Ópera. O verdadeiro pulo do gato de Mackintosh, que também produziu Les Misérables e Miss Saigon, foi ter entendido que os shows deveriam ser famosos por si só e não contar com algum grande nome ou estrela.

 

As megaproduções se concretizaram de fato como o normal da Broadway com a chegada de A Bela e a Fera, em 1994. Foi o primeiro musical da Disney, fruto das críticas positivas que o filme recebeu. Isso também contribuiu com a melhora da região, que ainda tinha uma forte presença de prostitutas e traficantes de drogas.

 

A Disney só topou entrar no Theatre District (distrito de teatro) se pudesse garantir a seu público segurança e limpeza, e trabalhou junto com a prefeitura da cidade para conseguir isso. O novo player também chegou sem limites de orçamento e com o que havia de melhor em tecnologia – até hoje o público fica impressionado com a transformação da Fera em príncipe.

 

A nova realidade do mercado forçou os produtores menores a encontrarem novos meios para não só colocar suas peças em cartaz, mas também ter sucesso de bilheteria. Mamma Mia estreou em 2000 e foi o primeiro grande hit dos chamados jukebox musicals, espetáculos com músicas já bastante conhecidas e que atraem um público mais geral. O estilo marcou a década e segue presente até hoje. 

 

A eterna busca por um novo público leva à quebra de paradigmas, o que foi o grande norte dos últimos 20 anos na Broadway. Os espetáculos estão cada vez mais modernos e ousados e trazendo novos pontos de vista e estilos musicais. Dear Evan Hansen explora o papel das redes sociais no dia a dia dos jovens e aborda temas como suicídio e depressão. Já o maior fenômeno teatral do momento é Hamilton, de Lin-Manuel Miranda, que conta a história do início dos Estados Unidos independentes em forma de rap e hip hop, com elenco composto principalmente de latinos e negros.

 

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Em quase 300 anos de história, foram diversos os desafios. Assim como o 11 de Setembro e a epidemia da aids deixaram suas marcas na indústria, a pandemia da covid-19 também deixará. E o que esperar com a recém-abertura? Não há como saber: a Broadway é um organismo vivo em constante adaptação, que observa as mudanças de comportamento e de estilos e literalmente dança conforme a música. Ao mesmo tempo que desafia, encanta seu público, e, por isso, sobrevive e se mantém relevante. 

 

Por Miriam Spritzer

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