Céu e Inferno
O colunista Nelson Spritzer reflete sobre os tempos de agressividade que vivemos e revela os antídotos para sairmos desse ciclo de violência
Está se tornando algo comum as pessoas reagirem com violência ao mal que lhes acontece ou àquilo que está em desacordo com os seus desejos. Exatamente como a criança indisciplinada reage, gritando, jogando coisas quando suas vontades não são atendidas, as pessoas estão se permitindo agredir e revidar.
Quando o trânsito está lento, há os que xingam a administração pública, que não planeja vias melhores para o escoamento rápido dos veículos. Se a loja informa que o artigo em oferta acabou, há os que se acham no direito de agredir os funcionários, acusando-os de propaganda enganosa. Se o caixa se engana no troco, logo afirma-se que ele é um indivíduo desonesto, desejando engordar o próprio salário. Se a empregada pede para sair um pouco mais cedo, dizendo que deve levar o filho ao médico, logo alguém diz que ela não deseja trabalhar, que está inventando mentiras. Se alguém esbarra em outra pessoa na rua, de imediato gritam alguns que o sujeito é mal-educado, malcriado. Um abuso!
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Em síntese, estamos vivendo uma época de muita agressividade. E nos queixamos da violência que toma conta das ruas, sem atentarmos que nós mesmos, muitas vezes, também agimos com violência. Conta-se que um grande militar, desejando buscar um caminho espiritual, escolheu um sábio como guru e lhe perguntou:
– Mestre, onde começa o inferno?
O guru meditou e falou:
– Por que um homem sem escrúpulos deseja saber onde começa o inferno? Cheio de armas destruidoras de vida, acerca-se de mim para perguntas tolas. O que espera que lhe diga, eu, que sou um homem de paz e justiça?
Antes que continuasse, o militar o interrompeu, levantando a espada e exigindo, cheio de raiva, que o sábio o respeitasse.
Sem qualquer receio, o homem velho esclareceu:
– Aqui começa o inferno: na raiva descontrolada.
O guerreiro compreendeu e, num gesto rápido, tornou a colocar na bainha a espada, pedindo desculpas.
O sábio então o esclareceu:
– Percebes? Aqui começa o céu…
A raiva pode ser comparada a uma faísca portadora do poder de atear grandes incêndios. Basta uma palavra mal pensada, um gesto imprevisto, para gerá-la. Quando se solta, desencadeia conflitos inúteis e destruidores. O homem que alimenta a raiva e se deixa dominar por ela se torna bruto e violento. Os antídotos para a raiva são a humildade, que leva o indivíduo a reconhecer a própria fragilidade; a paciência, que lhe permite acompanhar o desenvolvimento da questão; a tolerância, que entende a dificuldade alheia; enfim, o amor, que é uma abençoada luz em todas as circunstâncias.
Por Nelson Spritzer, médico cardiologista | Matéria publicada na edição 132 da Versatille