Camila Fremder: uma influencer às avessas
Ao misturar merchan com cenas do cotidiano de uma mãe cria o filho pequeno sem babá, a escritora reinventa a maneira de se comunicar com seus seguidores — e colhe os bons frutos disso
Só de ouvir falar em influenciadores digitais, muita gente pensa logo em glamour, moda, viagens, looks que parecem revista de moda clicados na entrada de desfiles em Paris. Ou naquele sorrisão diante de uma salada, como se fosse a coisa mais hilária e feliz que alguém pode almoçar. Daí surgiu a Camila Fremder, escritora de 38 anos, mãe de um bebê que completou 2 aninhos em novembro, e mostrou que não precisa ser bem assim.
Ela tem conquistado cada vez mais espaço (olha ela aqui estrelando uma reportagem) falando de lavar roupa, comprar frutas e abastecer a geladeira. Dá nome à máquina de lavar – a Lavínia – e à pia de louça – a Piedade –, além de compartilhar a dificuldade em lidar com burocracias. Seus seguidores adoram, numa clara evidência de que o público da internet buscava novos formatos. Influencer às avessas, Camila faz a linha sarcástica-debochada-papo-reto. E, no melhor estilo vida real, a roteirista e escritora transmite grande parte de sua rotina diária via Stories, a ferramenta de vídeos do Instagram.
Nem sempre maquiada, às vezes arrumada para eventinhos. Também pode aparecer de pijama, recém-acordada às 6h30, na cama com seu filho Arthur, fruto do relacionamento com o artista plástico Antonio Lee, o Tui, caçula de Rita Lee e Roberto de Carvalho, que durou quase dez anos. Outro figurino certo é o roupão, que veste à noite, depois de pôr o bebê para dormir, quando conversa com o público caminhando até a cozinha, ou rumo à mesa do computador, para terminar o dia de trabalho.
Entre uma ironia e outra, fazendo a linha conformista, ela mostra os boletos do mês, prepara playlists para faxinar, registra sua briga eterna com a impressora. Tem mais. Contrariando a cartilha das arrobas influenciadoras, que na maior parte das vezes manda o influencer ser – e parecer – cordial, Camila fica “pistola” on-line: distribui broncas a seus mais de 70 mil seguidores. Por que mandam textão nas mensagens privadas? “Não vou ler, não”, avisa.
Por que a seguidora quer saber a cor e a marca exatas do esmalte que ela está usando, se existem tantos tons iguais? “Mostra para a manicure e escolhe um parecido, ué.” Pensa que isso repele o pessoal? Pelo contrário. “É uma honra levar uma bronca sua”, comentou uma seguidora. “Sinto que você é minha amiga” é outro depoimento que sempre aparece. Acompanhar a vida de uma mãe “normal”, que mostra as bochechas do filho pequeno e o xixi na sala feito pelo cãozinho Kaíto, não teria graça se não fosse alguém com o talento de Camila.
Ela une o carisma à capacidade de rir de si mesma, e isso é evidente no uso de ironias, além de um estilo que fica entre o espontâneo e o intencionalmente atuado, como quando mostra resignação. Sua arroba é praticamente um stand-up do cotidiano, ou uma versão 2019 de A Comédia da Vida Privada, a série global humorística veiculada nos anos 1990, cujo roteiro era baseado nas crônicas de Luis Fernando Veríssimo – e que, não à toa, está no time de seus autores preferidos, junto com outros cronistas, como Tati Bernardi, além de Mario e Antonio Prata.
Em termos de audiência, o resultado disso tudo é reunir um público, na maioria feminino, que tem senso crítico, tropeça na hora de preencher um documento ou se vê dando satisfação demais para desconhecidos – e que, no fim do dia, tem o escaninho de contas a pagar recheado de faturas.
“Hoje fui influenciada digitalmente pela @cafremder a pagar meus boletos”, repercutiu, no Twitter, uma seguidora. Essas mesmas mulheres que não se levam tão a sério sabem muito bem o que é bom, o que está em alta. É que Camila também chama a atenção por ter um jeito esperto de se vestir, ou porque pendurou um balanço bem estiloso no meio da sala, ou porque sua turma de amigos reúne chefs, estilistas e escritoras. Sem contar que seu filho é neto de Rita e Roberto. “Eles são avós normais. Não têm nada de diferente, nada”, garante.
O saldo comercial não poderia ser mais interessante. Os anunciantes que a procuram incluem de grandes corporações a pequenas empresas de frutas, de marcas de beleza a fabricantes de camisetas moderninhas e caras, que também fazem publis com a turma das influencers tradicionais. A diferença está no texto, seja o falado, seja o da legenda, que sai do lugar-comum.
“O dia em que eu disser: ‘Meninas, posso dar uma dica de camiseta para vocês?’, elas vão pular. Elas assistem porque é engraçado”, explica. “Por isso não topo participar de ações em que várias pessoas postam o mesmo texto ao mesmo tempo; é o tipo de produto que não compro”, justifica. Se a Laranja Deli não for o melhor exemplo disso… Em frente a uma parede alaranjada em seu apê, nos Jardins, ela posa equilibrando um saco da fruta na cabeça e legenda: “Quando me perguntam sobre talentos secretos”, marcando a empresa que entrega o produto em casa, diretamente do produtor.
As seguidoras adoram e incentivam as aparições desse improvável anunciante, que na verdade é uma divulgação camarada para os donos da fazenda, que são amigos. “Quando ela cita a marca, imediatamente aumentam nossas visualizações, e sempre aparece alguém que finaliza a assinatura”, elogia a CEO, Marcela Arnaiz.
Em vez de ser uma influencer que ganha fama e publica livro, Camila já estava nas estantes antes mesmo de o Instagram se estabelecer como uma rede social lucrativa. Foi com Como Ter uma Vida Normal Sendo Louca, lançado em 2013 com a amiga e também influencer Jana Rosa, que ela começou a aparecer na mídia. Hilárias e improváveis, porém diversas vezes reais, as situações relatadas no livro de “autoajuda para mulheres” recentemente viraram peça de teatro – um monólogo estrelado pela atriz Monique Alfradique. A adaptação levou a editora HarperCollins a relançar a obra, aproveitando para atualizar algumas referências e piadas que, autoras e editora concordam, passavam até pouco tempo, mas tornaram-se inadequadas em 2019 – inclusive a capa, que era uma pin-up e agora vai para as lojas sem imagem, apenas texto.
O quarto livro nasceu no fim de 2018: Adulta Sim, Madura nem Sempre: Fraldas, Boletos e Pouco Colágeno (Companhia das Letras) foi escrito após a chegada de Arthur. Ele cochilava, ela fazia crônicas. A profissão de influencer veio junto. “Quando me vi em casa sem licença-maternidade e sem poder ter rotina de trabalho, comecei a preencher o tempo com o que era possível fazer”, conta.
Nessa zapeada, ela se deu conta de que sua vida era muito distante das exibidas por mães que seguia nas redes sociais. “Olhava a foto da criança com babador limpíssimo. Para elas, que têm um staff, isso é o normal, mas para muita gente é esquisito. Pensei: ‘Por que não mostrar o que é o normal para mim?’. Comecei a reclamar da mancha de mamão que não saía da roupa e as pessoas se identificaram.”
Sua verve humorística também faz rir no podcast semanal É Nóia Minha?, estreado em março, em que discute com dois convidados temas que vão de hipocondria a diversidade, passando por Rihanna e insegurança. Em oito meses, já acumulava 1 milhão de plays, o que é considerado excepcional no meio. Seu próximo plano inclui um segundo podcast, sobre maternidade, chamado Calcinha Larga. O projeto tem a participação das amigas Tati Bernardi e Helen Ramos, a atriz e roteirista conhecida como Helmother.
Também deve se jogar em algo ligado a astrologia. No ano que vem, completa o curso de formação dessa que é uma de suas mais recentes paixões – e, quem sabe, uma forma de dar vazão a seus ímpetos investigativos (ela adora livros e podcasts que desvendam crimes), ou mesmo um plano B na já diversificada carreira. “Quero muito ser astróloga”, diz. A coisa é levada a sério nos campos profissional e pessoal. “Já atrasei assinatura de contrato por causa de Mercúrio retrógrado e não assino com a Lua fora de curso; já para divulgar livro, a Lua precisa estar em gêmeos, e Mercúrio deve ter entrado em um planeta bom”, explica. Ou tenta. E tudo bem dar esta entrevista justamente quando Mercúrio está retrógrado – fato que, dizem por aí, pode afetar a comunicação? “Tudo bem, ele só não é legal para fechar negócio e assinar contrato ou comprar eletrônicos”, tranquiliza, antes de se despedir para pegar Arthur na escolinha.
PERFIL por Milene Chaves | fotos Mario Rodrigues | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille