Bárbara Paz fala sobre Babenco: “É o testamento de um homem que amou a sétima arte”

Diretora do documentário selecionado pela Academia Brasileira de Cinema revela detalhes da produção sobre o cineasta Hector Babenco

Cena do documentário Babenco

“Essa produção é meu primeiro documentário, é a primeira vez na história que um filme brasileiro é selecionado para concorrer no Oscar nessa categoria. É um filme sobre Hector Babenco, que foi um cara que levou o cinema brasileiro para o mundo”, introduz Bárbara Paz, e completa: “A vida dele foi pautada pelo cinema. Ele inventava mais um filme e sobrevivia mais um pouco. Assim foi por 32 anos. Foi esse o motivo por que eu quis fazer esse documentário mais pessoal, mais íntimo. Porque ele era brilhante, um leão que lutou para sobreviver para fazer filmes”.

 

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Em 1984, Hector Babenco, o cineasta argentino naturalizado brasileiro, concorria a seu primeiro Oscar na categoria de direção pelo filme O Beijo da Mulher Aranha. Foi o primeiro latino-americano a concorrer ao título. Mesmo não tendo recebido o prêmio, a indicação lhe garantiu visibilidade e prestígio internacionais. Babenco faleceu em 2016, por complicações decorrentes de um câncer linfático terminal, doença que já havia enfrentado nos anos 1990 mas que nunca afetou sua produção cinematográfica.

 

Durante os 30 anos em que esteve na ativa, além de assinar obras notáveis do cinema brasileiro como Carandiru, Pixote A Lei do Mais Fraco, dirigiu também grandes nomes de Hollywood, como Meryl Streep, Jack Nicholson, John Lithgow, Gael García Bernal e Willem Dafoe. Atualmente, é considerado um dos principais diretores da cena nacional. No fim de 2020, Babenco Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, foi selecionado pela Academia Brasileira de Cinema (ABC) para concorrer como Melhor Filme Internacional no Oscar 2021, mas infelizmente não passou para a última seleção da disputa. Em 2019 e 2020, foi premiado no Festival de  Veneza e no Festival de Viña del Mar, respectivamente. 

 

O longa estreou nos cinemas do Brasil em 26 de novembro de 2020 e apresenta ao público cenas de diversos momentos da vida de Babenco: o contraponto entre o pessoal e o profissional, imagens de bastidores, entrevistas, arquivos pessoais com takes de filmes e os momentos e depoimentos dele, captados especialmente para o documentário durante as gravações de seu último filme, Meu Amigo Hindu, além de cenas exclusivas, gravadas em casa e em hospitais. Bárbara, que é viúva de Babenco, conta que um dos maiores desafios foi não se render ao extenso material sobre ele e focar na simplicidade e na intimidade da pessoa e não só do diretor. “O filme é o testamento de um homem que amou muito a sétima arte e que sobreviveu através dessas imagens. É como se o longa se passasse no subconsciente dele, sabe? É um filme que vem de sensações e de som. E não de relatos de outras pessoas, como em um documentário tradicional. É sobre o que ele quis dizer e o que quis deixar registrado antes de partir”, explica Bárbara.

 

Ensaio clicado pela própria Bárbara Paz

Ensaio clicado pela própria Bárbara Paz

 

Apesar do tópico delicado, o filme tem tom otimista. É uma carta de amor ao diretor e ao cinema. Já nas primeiras imagens, brinca com a ideia de mestre e aprendiz, em uma cena em que Babenco explica a Bárbara como focar a imagem da câmera nova. “Tentei ao máximo colocar o meu olhar dentro do documentário, foi um pedido dele”, conta a diretora. Um desafio que nem sempre foi compreendido por sua equipe. “Teve montador que disse ‘Isso aqui não é um filme do Hector’. Claro que não. É um filme da Bárbara. Não sei se o Hector faria um filme assim ou que filme ele faria sobre si. É o meu filme, o meu olhar sobre ele. É diferente”, conclui.

 

O uso de trechos de trabalhos dirigidos por Babenco para compor a narrativa do documentário foi uma surpresa no processo de edição. “No começo não haveria takes de filmes, pois era um longa muito pessoal, eu não queria fazer uma filmografia dele”, conta Bárbara. Todavia, ela deparou com o fato de que era impossível separar a vida de Babenco de sua obra, e por isso selecionou a dedo cada cena.

 

Bárbara brinca que a montagem do documentário foi quase como fazer uma colcha de retalhos a mão. A ilha de edição era dentro de sua casa, e lá passaram diversas equipes por muitas horas e muitos anos para realizar a montagem do filme. “Todo o trabalho foi realmente manual, e foi necessário um poder de síntese. Eu tive de escolher um retrato, não poderia contar a vida inteira dele. É apenas uma parte, a que me coube”, explica Bárbara. A versão completa ficou para o livro Mr. Babenco Solilóquio a Dois sem Um, lançado como um suporte ao documentário.

 

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A diretora conta uma das principais lições que aprendeu com o marido: “A ideia de que o cineasta é um grande maestro, que ele tem de reger tudo. Ter noção de que, no fundo, se você for fazer um filme, é a sua visão”. Bárbara acredita que foi no amor pelo cinema autoral que os dois encontraram seu ponto em comum. “Pessoas de diferentes gerações que se encontraram. E a gente se identificou. Nós tínhamos um lugar cinematográfico de gostar das coisas parecidas, apesar de serem histórias e gerações diferentes. A gente se encontrava num lugar muito bonito, em que o cinema transbordava. Então o meu filme para ele tinha de ser assim”, lembra ela, com carinho.

 

O filme é uma produção de Bárbara em parceria com a produtora HB Filmes (fundada pelo próprio Hector Babenco) e também conta com o apoio do Canal Brasil, da Globo Filmes e da GloboNews. Pessoas físicas também se envolveram no projeto, como o ator Willem Dafoe, que estrelou Meu Amigo Hindu e se tornou produtor associado do documentário. A produção do último longa de Babenco teve início após o documentário, quando novamente o diretor foi diagnosticado com câncer. “A gente parou tudo para que ele fizesse o filme, pois ele tinha a certeza de que seria seu último”, lembra Bárbara. 

 

Por Miriam Spritzer | Matéria publicada na edição 118 da Versatille

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