As camadas infinitas no trabalho da artista Flávia Junqueira

Nos bastidores das cenas fantásticas construídas pela artista Flávia Junqueira, muito estudo e empenho

Os bastidores do trabalho de Flávia Junqueira
Os bastidores do trabalho de Flávia Junqueira (Arquivo pessoal)

A arte de Flávia Junqueira se tornou reconhecida, admirada e amada por muitos. Suas fotografias trazem uma abundância de elementos em uma cena perfeitamente arquitetada, como os coloridos balões, que dão ainda mais vida às paisagens e construções históricas. Mas, para chegar ao resultado que encanta o espectador, há muito estudo e elaboração por trás da obra.

 

LEIA MAIS

 

Flávia é uma legítima acadêmica com mestrado na USP e doutorado na Unicamp, nos quais se aprofunda, para permanecer criando, na área da infância. Em poucas palavras, seu objetivo é fazer com que o espectador, nem que seja por segundos, se sinta como uma criança. Desde o começo, em 2008, é representada pela galeria paulistana Zipper, e, mais recentemente, passou a trabalhar com a Quadra, no Rio de Janeiro, além de ter uma representação na Espanha, que colabora também para a internacionalização de suas obras e exposições.

 

Em conversa com a artista que dá vida à capa desta edição, desvendamos seu processo artístico.

 

Versatille: Como você se descobriu artista?

Flávia Junqueira: Foi um pouco demorado. Na verdade, quando era criança, já fazia Escola Panamericana, meus pais perceberam bem cedo que eu tinha um vínculo com artes visuais. Quando me formei na escola, optei por fazer direito e filosofia. Meus pais são médicos, ou seja, não há nenhuma relação. Até que conheci um amigo que fazia artes na Faap e comecei a estudar em paralelo com o direito – eu fazia PUC aqui em São Paulo. Foram dois anos até descobrir que queria artes. Quando me formei e até que eu conseguisse notar uma marca minha, foi mais para o fim da faculdade. No começo experimentei muita coisa, sem uma definição exata.

 

Versatille: O que então começou a fazer, que está presente em sua identidade atual?

Flávia Junqueira: Os elementos da infância, da memória, e de trabalhar muito mais os objetos do que as pessoas. Os meus primeiros trabalhos eram autorretratos, eu sempre estava na imagem. O que é uma constante é que sempre foram fotografias. Eu percebi com as experimentações que o elemento da infância sempre estava presente, desde o começo. Em todos os formatos, como vídeos, instalações, pinturas, tudo tinha muito elemento, muitas cores, bem lúdico. Eu sempre tive apreço por artistas que trabalham ou trabalhavam muito as cores, como a Leda Catunda, a Beatriz Milhazes, o Vik Muniz, Volpi. E tudo isso foi aos poucos virando a fotografia que faço.

 

A artista Flávia Junqueira

A artista Flávia Junqueira (Divulgação)

 

Versatille: Como foi perceber que estava ficando conhecida?

Flávia Junqueira: Acho que até hoje não percebi. Me fizeram essa pergunta outro dia, e eu fiquei refletindo. No comecinho, notei, pois as pessoas sabiam meu nome. Achava isso curioso. Hoje em dia, eu acho que o trabalho ganhou espaço maior e conquistou um público que vai além do institucional e também do comercial. Ganhei uma audiência nas redes sociais. O trabalho tem uma sensibilidade maior, é colorido, então acho que tem muita entrada, não é necessário ficar horas na frente para entender o que quer dizer. Na concepção existem muitas camadas e pesquisas, mas não é necessário tanta coisa. As pessoas batem o olho, veem o balão colorido e identificam que sou eu. 

 

Versatille: Como é a concepção de uma obra?

Flávia Junqueira: Desde que me formei, percebi que, para continuar criando, precisava ter em paralelo a pesquisa acadêmica. Cada artista tem o próprio processo. Mas, para ter ideias e continuar entendendo o que estava fazendo, precisava do acadêmico. Logo depois de me formar na faculdade, entrei no mestrado, na USP, e me especifiquei em fotografia, a mais teórica, no caso, que é a encenada. Estudei esse gênero, e a partir daí comecei a ter mais ideias para o meu trabalho, pautado no campo da infância. É o gênero que mais uso, e por isso tenho de saber o porquê. Eu acabei de terminar o doutorado, na Unicamp, que era mais sobre o tema dos meus trabalhos, o gesto infantil, o que significa trazer isso para o espectador. Para mim, o mais forte não é que as pessoas olhem e lembrem da própria infância, para mim é o gesto da infância, fazer com que elas, naquele momento, mesmo que por poucos instantes, consigam se ver crianças. Nas instalações como a última apresentada no Farol Santander, fica ainda mais nítido. É levar para o adulto a experiência infantil, o objetivo é estar criança, nem que seja por segundos. As imagens também são sobre isso.

 

LEIA MAIS

 

V: Como você pensa nas camadas que compõem uma cena?

F.J.: Sempre escolho primeiro o espaço que eu quero para a minha foto, nunca trabalho no fundo branco. A série dos teatros [um dos exemplares estampa a capa da edição] é um mapeamento do Brasil: eu comecei a ir de estado em estado. Antes, já tinha feito o mesmo nos carrosséis de Paris. O processo de mapear, assim como o do colecionismo, é muito de criança e infantil. A própria construção do trabalho bebe muito no processo da criança. A coleção é tirar o objeto da função dela e colocar em um lugar onde não tem mais função, e os mais novos fazem isso. O adulto é racional e dá um papel para aquilo. Por exemplo, no trabalho dos teatros, a escolha inicial é o teatro. A arquitetura toda dele é antifuncional: por mais que exista o palco e a plateia, todo o resto é ornamento. Todos os teatros e palacetes que uso são patrimônios históricos. A ideia é sempre essa. São espaços obsoletos, que pararam no tempo, um certo abandono e vazio. As pessoas não entram neles. Já existe um caráter histórico, uma memória, e aí parto para outro elemento, que é o da infância. Normalmente eu estudo a história, vou uma semana antes, faço a visita. Na hora da decisão, quais balões colocar, eu penso pictoricamente. Às vezes é uma questão mais visual.

 

Uma de suas fotografias mais famosas, no Parque Lage

Uma de suas fotografias mais famosas, no Parque Lage (Flávia Junqueira)

 

V: Como é a montagem dos balões até o clique da máquina fotográfica ?

F.J.: Tem um teórico, Vilém Flusser, que fala do abismo, que é você descer até lá e criar pontos com o mundo e com o espectador. É justamente na hora que estou elaborando a cena, é a hora que preciso criar os pontos. É um momento decisivo. Eu tenho uma equipe grande, que vai comigo, mas os balões, eu decido parte na hora, pois sempre muda. Na hora que está pronto para começar, acendem todas as luzes e vejo na câmera, aí eu começo. Às vezes percebo que está faltando algo. A gente fecha todas as portas, fecha o sistema de ventilação e ninguém, literalmente, pode se mexer. Na hora do clique, eu trabalho com um fotógrafo junto, todo mundo sai do ambiente. Como a foto tem uma impressão de alta qualidade, a gente fragmenta o quadro com vários cliques, e depois tem a etapa de tratamento de imagem. É muito raro eu inserir elementos, mas às vezes acontece. É tudo real, tem bastante gente que acha que é Photoshop, mas não é. O trabalho é fazer a foto encenada, é toda uma construção para a câmera fotográfica, é como um teatro. 

 

V: Onde você vislumbra chegar com sua arte e qual seu momento atual?

F.J.: A minha ideia é cada vez mais me institucionalizar e estar em exposições com caráter público, assim como presença no cenário internacional. Já tenho obras em acervos importantes, como o do MAM, e agora, no Santander, assim como algumas coleções. Para mim, o papel da narrativa e da história é levar a formação. O caráter educacional é muito importante, para mim esse é o papel da arte. É alcançar o espectador, para ele se aproximar, de uma forma que não seja só estética. A gente está com uma série agora, eu fiz recentemente o Largo São Francisco, e estou trazendo o elemento da bolha de sabão. Por enquanto, são três quadros dessa série. Agora eu estou começando a colocar o balão, para ser mais um plano de camada, uma sobreposição, assim como o cavalo de carrossel, que estou querendo trazer mais para essas fotos. A bolha está entrando como protagonista e esses elementos, nos outros planos.

 

Por Giulianna Iodice | Entrevista publicada na edição 120 da Versatille

Para quem pensa em ir para o Japão em busca de uma nova vida, também poderá procurar empregos aqui.