Entre reis e aviadores: conheça a história da Cartier
Ao longo de 178 anos, a maison Cartier participou de diversos momentos históricos e se mantém como referência em escala global

Em 1847, Louis-François Cartier, aprendiz de uma oficina de joias localizada na Rue Montorgueil, em Paris, teve sua vida mudada após o falecimento de seu mestre, Adolphe Picard. O acontecimento foi decisivo para o jovem francês que, para impedir que o local fechasse as portas, decidiu comprá-lo e assumir o controle da oficina, criando a própria marca e batizando-a com o seu sobrenome, “Cartier”.
O ateliê ficava em uma ótima região e tinha um bom desempenho, o que resultou em uma expansão natural. Em 1853, Louis-François abriu a sua primeira loja, com foco em uma clientela seleta, privada e exclusiva. Em um contato direto com a aristocracia parisiense, não demorou muito para que começasse a conquistar pessoas influentes, como Eugénia de Montijo, esposa de Napoleão III e imperatriz dos franceses.

Imperatriz Eugênia, esposa do imperador Napoleão III
Sua encomenda foi um conjunto de chá de prata – essa foi apenas a primeira compra de Eugénia, que se tornou uma cliente assídua e fiel. Na época, sua paixão pelas criações da maison influenciou as mulheres da nobreza, que se encantaram pela leveza das peças, mais minimalistas e delicadas do que estavam acostumadas. Tudo isso colocou a Cartier em um prestigioso e reconhecido patamar.

Clássica tiara Cartier
Com o passar do tempo, a presença de novas gerações da família na gestão também fortaleceu a empresa, que se destacava por estar sempre atenta às novidades do mercado. Alfred Cartier, filho de Louis-François, tornou-se sócio em 1872. Já o seu neto, Pierre Cartier, terceira geração, chegou ao negócio em 1902, impulsionando a internacionalização por meio da inauguração de uma loja em Londres.

Desenho da filial da Cartier em Londre
Nesse mesmo período, como uma confirmação das boas relações entre a joalheria francesa e a nobreza britânica, a maison recebeu um pedido especial de Eduardo VII, rei da Inglaterra: uma encomenda de 27 tiaras para a sua cerimônia de coroação. Posteriormente, o sucesso da parceria fez com que a Cartier recebesse um certificado de fornecedora oficial da corte.
A partir desse ponto, vale dizer que não há exagero nenhum em utilizar a nomenclatura “joalheria dos reis”. Além de ter conquistado a França e a Inglaterra, a grife se tornou fornecedora oficial de outras duas cortes: a do rei Alfonso XIII, da Espanha, e a do czar Nicolau II, da Rússia, ambas no início de 1900.

Alfred Cartier
Princesas, rainhas e imperatrizes europeias eram comumente vistas com as peças da joalheria, mas o êxito da empresa não se limitou apenas à realeza. Um bom exemplo que extrapola as cortes é o aviador Alberto Santos Dumont, figura histórica brasileira que teve papel importantíssimo na expansão da marca.
Decolagem de ideias
Ao contar uma história tão longínqua e familiar quanto a da Cartier, é preciso se atentar às datas e à árvore genealógica. Louis-François Cartier, fundador da maison, faleceu em 1904, mas foi nesse mesmo ano que um de seus netos, também chamado Louis Cartier, em homenagem ao avô, deu um passo importante para o futuro da empresa. Ao lado do pai, Alfred, e do irmão, Pierre – já citados aqui anteriormente –, Louis cuidava do gerenciamento e das criações da marca. Seu trabalho era mais focado em Paris, cidade em que o brasileiro Alberto Santos Dumont morou por mais de 20 anos.
Por obra do destino, os dois se tornaram amigos próximos. E foi em uma conversa descontraída que Santos Dumont fez uma reclamação interessante: como aviador, ele se incomodava constantemente com a pouca praticidade dos relógios de bolso. Em meio a um voo, para cronometrar o tempo no ar, era preciso tirar o relógio do bolso e abrir sua tampa para conseguir conferir as horas. A queixa fez com que Louis decidisse desenhar e produzir um relógio de pulso para o seu amigo.

Relógio de pulso desenvolvido para o aviador brasileiro Santos-Dumont
A invenção não era inédita. Esse tipo de relógio já havia sido produzido bem antes em casos específicos, como em 1814, quando o relojoeiro Abraham Louis Breguet fez um dos primeiros relógios de pulso da história para Carolina Murat, princesa de Nápoles e irmã de Napoleão Bonaparte. No entanto, a criação não deixou de ser revolucionária para a Cartier. Até então, a peça era usada apenas como um acessório feminino de joalheria.
No início dos anos 1900, ela começou a se popularizar aos poucos, alcançando o seu auge entre os militares durante a Primeira Guerra Mundial. A partir daí, não é segredo para ninguém: a Cartier também se tornou referência quando se trata de alta relojoaria. Para nota de curiosidade, o relógio desenhado para o pai da aviação é um modelo icônico, vendido até hoje com o nome Santos Dumont.
TÉCNICAS QUE NÃO SE PERDEM

Relógio Tank Watch
Do início de 1900 até 1938, a maison não parou de crescer, abrindo unidades em Nova York, Moscou, Monte Carlo e Cannes. Foi apenas durante a Segunda Guerra Mundial que uma grande crise estourou, o que culminou nas quedas de fabricação e das vendas. Em 1942, Louis Cartier faleceu, agravando a instabilidade, visto que os herdeiros da quarta geração não estavam preparados para prosseguir com a empresa.
Peças marcantes foram criadas nesse período, como o broche encomendado pelo duque de Windsor, em 1948, que apresentava uma pantera amarelo-ouro em cima de uma esmeralda de 116 quilates. Essa foi a primeira vez que a Cartier representou a espécie de animal em suas criações – hoje uma figura tão representativa para a marca. Mesmo assim, pode-se dizer que foi um período estagnado, que só melhorou em 1968, quando a grife foi comprada por um grupo de investidores, deixando de ser uma empresa familiar e tornando-se uma multinacional.

o primeiro modelo de Mystery Clock
Atualmente, a maison faz parte do grupo suíço Richemont e possui mais de 200 butiques ao redor do globo. Uma marca valiosa que mantém o seu prestígio pela valorização de sua história e de suas técnicas. Em 2014, com o objetivo de manter viva a tradição, a empresa criou a oficina Maison des Métiers d’Art, localizada em La-Chaux-de-Fonds, nas montanhas suíças. Como um centro de artesanato artístico, o local reúne talentos com o objetivo de preservar, inovar e compartilhar as técnicas da Cartier. Uma maneira de nunca esquecer os motivos por trás de tanto sucesso.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 138 da Versatille