Aclamado nas premiações e cotado para o Oscar 2025, Anora se destaca por transitar entre o drama e a comédia

Em bate-papo, o diretor Sean Baker e a atriz Mikey Madison falam sobre um dos filmes mais comentados atualmente

Cena de Anora (Foto: Divulgação)

É sabido que Sean Baker é um dos diretores mais reconhecidos do cinema independente e um dos mais importantes cineastas da atualidade. Seus longas são conhecidos por retratos realistas e sensíveis da sociedade, sempre com um toque de humor. Para Baker, essa é justamente a receita de aproximar um filme da realidade. Afinal, mesmo em momentos de tristeza, é possível achar graça em algo. 

 

Seus roteiros e suas tramas inteligentes sempre intrigam o público cinéfilo. É raro um filme de Baker que não gere um debate ou que não permaneça com o seu público por algum tempo após a sessão. E em seu novo projeto, Anora, a premissa se mantém. 

 

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A trama acompanha uma jovem prostituta em Brighton Beach, Brooklyn, Nova York, que se casa com o herdeiro de um oligarca russo, a contragosto de sua família. A trama contempla a relação dos dois com a família, o trabalho ilegal da protagonista, bem como o da família de seu esposo, tudo isso à frente da sociedade e o seu entorno. Ao ler a descrição, pode até parecer um filme complexo e pesado demais. No entanto, a direção genial de Baker faz o contrário do que alienar o público. Através do ponto de vista de sua protagonista, Ani, apoiado na interpretação impecável de Mikey Madison, a narrativa consegue abordar temas difíceis como amor, perdas, ambição e as relações humanas.

 

Mikey Madison

 

Não é à toa que o filme chegou chegando em Cannes e saiu do festival não só com a Palma de Ouro de Melhor Filme, mas também com o reconhecimento e a admiração de grande parte da crítica e de seus pares, tornando-se, desde já, uma das fortes promessas para a corrida do Oscar.

 

Confira, na sequência, entrevista exclusiva com o diretor Sean Baker e a atriz Mikey Madison.

 

Versatille: A primeira coisa que se fala sobre os seus filmes é o tom de humor que você consegue dar a uma obra que poderia ser dramática. Por que essa é a sua preferência?

Sean Baker: O primeiro fator é que é mais fácil de digerir a trama e mais divertido de assistir. Mas também há o lado de que a vida é sempre um equilíbrio de comédia, humor e dor. Uma comédia e drama. Quando você está contando uma história humana, do jeito mais real que ela deve ser, se você não injetar um pouco de humor nela, será falsa. Mesmo que você esteja mostrando uma tragédia, mesmo que seja sobre personagens que estão passando por dificuldades. Quando é um filme que não tem aquele alívio cômico, ou aquele momento de leveza que lhe permite respirar, eu não consigo acreditar nele. Eu tento fazer tal equilíbrio nos meus filmes.

 

V: Se olharmos apenas o enredo de Anora, poderia ser um filme extremamente sombrio. Como foi o processo para construir o tom certo para o filme?

SB: Nesse caso, foi um pouco mais difícil, pelo fato de que muitas vezes estávamos indo a lugares que eram muito pesados, que chegavam a quase um nível de farsa. Mas os atores do elenco entenderam o meu ponto de vista. São profissionais maravilhosos que têm esse “quê” cômico, que ajuda a destacar a comédia que já estava na página do roteiro. Nós temos a mesma sensibilidade e o mesmo senso de humor, então eles entendiam as cenas, quase sem a necessidade de direção ou de eu ter que comunicar a eles o que eu queria, onde podiam dar os tons de humor ou drama, exagerar ou não. Sempre fundamentado em realidade. Em Anora, principalmente no fim, queríamos deixar claro que ali nós estávamos contando uma história séria. É um momento trágico para a Ani e precisamos levar isso a sério. Podemos nos divertir no caminho, mas devemos chegar a um lugar sóbrio.

 

V: Qual aspecto do filme em que mais se preocupou em acertar? Qual foi a decisão mais relevante? 

SB: Eu acho que a coisa mais importante no caso de Anora realmente era acertar a própria Ani. Que a personagem fosse construída suficientemente multidimensional, permitindo que ela tivesse um carisma e ganhasse o carinho do público. Mostrar que ela é como todo mundo, com seus sonhos, lutas, sua esperança e os seus defeitos. Trazer sua vulnerabilidade e a sua capacidade de cometer erros e tomar decisões erradas. Eu acho que esses aspectos a tornam humana, e isso era a coisa mais importante de acertar. O filme inteiro se apoia nisso. Em o público conseguir ver na Ani uma protagonista, alguém que a gente possa torcer para. E isso é algo que eu e a Mikey cuidamos muito.

 

V: O mundo em que Anora transita existe e é extremamente peculiar. Como foi gerar isso para o filme?

SB: Quis me certificar de que estávamos retratando o universo das prostitutas de uma forma correta, com os detalhes verdadeiros desse tipo de trabalho. Quis mostrar todo o mecanismo para ficar claro que era algo conhecido. Até as gírias usadas tinham que ser corretas. Me atentei para que o bairro de Brighton Beach fosse capturado de forma verdadeira, para que até os locais da região vissem verdade. Mostrar essa parte da cidade de um jeito que não havia sido retratado até então. Porque muitos outros cineastas já filmaram lá. Isso tudo deixa o filme mais interessante. Afinal, é uma história pesada, então queremos deixar o público engajado e entretido. 

 

Registro de Sean Baker orientando os atores

 

V: Mikey está perfeita no papel. Quando você sabia que ela era a Ani?

SB: Mikey já estava no meu radar desde Era Uma Vez em Hollywood. Eu fiquei muito intrigado por ela como atriz só por aquelas poucas cenas que ela teve no filme, mas que foi uma interpretação muito poderosa. Antes mesmo de ter escrito qualquer coisa, no início da pré-produção, fui assistir Pânico com minha esposa. E no cinema, na hora em que a vi no filme, fiquei convencido e disse: vamos ligar para o agente dela. Então nos encontramos para um café e descobrimos que estávamos na mesma página sobre a sensibilidade da trama. Oferecemos o papel e só então eu desenvolvi o roteiro, já com ela em mente.

 

V: Mikey, qual foi a sua primeira reação quando Sean lhe apresentou Anora?

Mikey Madison: Eu realmente só tinha uma pequena ideia de como seria a história quando me comprometi a interpretar o papel. Quando encontrei Sean, ele disse que tinha ainda uma ideia muito solta para o roteiro, mas que poderia desenvolvê-la como eu quisesse. Então eu disse sim. O roteiro só chegou alguns meses depois desse encontro e, quando li, achei ainda mais incrível do que pensei. Lembro de passar horas sentada devorando as páginas o mais rápido que pude, porque eu queria chegar à próxima cena e à próxima. Não aguentava a curiosidade de saber o que acontece. Fiquei realmente impressionada.

 

V: Qual foi o maior desafio para você desenvolver e interpretar essa protagonista?

MM: Tive muita sorte que Sean quis colaborar comigo na extensão e na magnitude do que fizemos. Ele também confiou em mim desde o começo para ter essa liberdade de construir a personagem do zero. Passei muito tempo pensando nela, trabalhando aos poucos, fazendo pesquisa e preparação física. Buscando as respostas de tudo o que precisava para que eu chegasse a um ponto, finalmente, que, após meses de preparação, conseguisse dizer “eu sei quem essa pessoa é completamente”.

 

V: Como Anora surpreendeu você?    

SB: Eu ainda não sei como vai ser a reação quando o público geral for assistir, porque por enquanto apenas mostramos em festivais. Até agora, pelo menos, há um amor meio universal pelo filme, o que é maravilhoso. De verdade, eu achava que seria supercontraditório, que teríamos tanto o amor como o ódio do público. Quando chegar às salas de cinema, quem sabe? Pode ser que o ódio ao filme ainda venha, mas por enquanto a resposta tem sido muito positiva. Não são apenas pessoas que estão entusiasmadas com o filme, mas também o impacto dele na indústria do cinema independente. Talvez possa dizer aos grandes estúdios que podemos pensar em filmes de porte médio para um público adulto novamente, porque parece que eles esqueceram esses projetos. É quase como se tivéssemos que voltar a 1969 e 1970, onde faziam filmes sofisticados que dialogam com os adultos e seus desafios. As pessoas ainda querem assistir a esse tipo de produto no cinema. Parece que hoje em dia só se vai ao cinema para gêneros específicos ou filmes blockbuster, de super-heróis. Só existem essas duas opções. Não estamos mais celebrando a vida no cinema. Então, espero que isso seja pelo menos um passo para ter um pouco mais de aceitação desse gênero. 

 

Por Miriam Spritzer | Matéria publicada na edição 136 da Versatille

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