À frente do tempo: conheça a história das Galeries Lafayette

Com quase 130 anos de existência, a trajetória da loja de departamento revela uma estrutura antiga que sempre esteve ancorada nos valores atuais de experiência de compra

Fachada da loja atualmente
Fachada da loja atualmente (Divulgação)

Há quase 130 anos, mais precisamente em 1883, Alphonse Kahn e Théophile Bader, dois primos da Alsácia, se associaram para criar um pequeno comércio que se tornaria uma das lojas de departamentos mais icônicas da Europa. A primeira “versão” do negócio foi inaugurada em 1984, e era um pequeno armarinho de 70 metros quadrados, na esquina da Rue La Fayette com a Rue de la Chaussée d’Antin, em Paris. Devido à localização e à configuração da loja, cuja circulação ocorria ao longo das seções, o nome dado foi “Aux Galeries Lafayette”. De fato, o local foi uma boa cartada: a proximidade com o Opéra e os grandes bulevares, bem como a estação Saint-Lazare, trazia diariamente clientes interessados nas novidades das Galeries. 

 

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Em 1896, o negócio começou a crescer, quando a empresa adquiriu o imóvel inteiro da Rue La Fayette n° 1, e, a seguir, em 1903, os imóveis do Boulevard Haussmann 38, 40 e 42 e o da Rue de la Chaussée d’Antin n° 15. O método que guiava o crescimento inicial do negócio foi caracterizado pela “estratégia da pedra”, que resultou no imponente quadrilátero imobiliário, unificado por uma arquitetura adaptada às necessidades da loja. 

 

As primeiras reformas significativas no Boulevard Haussmann foram concluídas em 1907, e, cinco anos mais tarde, com o projeto de Ferdinand Chanut, a loja principal das Galeries Lafayette ganhou sua imagem mais espetacular, sonhada pelo cofundador e diretor da loja Théophile Bader: a de um empório de luxo. O arquiteto convocou os principais artistas da École de Nancy – grupo de artesãos e designers do estilo art nouveau que trabalhava em Nancy, França, entre 1890 e 1914 – para decorar o edifício. O corrimão da escadaria monumental, inspirado no Opéra de Paris, foi projetado por Louis Majorelle, que também assinou os ornamentos de ferro das sacadas. Já os vitrais da cúpula de 43 metros de altura foram criados pelo mestre vidraceiro Jacques Gruber, em estilo neobizantino. 

 

A cúpula icônica das Galeries Lafayette

A cúpula icônica das Galeries Lafayette (Caroline Richard)

 

A área de vendas foi duplicada e também foram criados novos espaços, que ofereciam experiências além das compras: um salão de chá, uma sala de leitura e uma área para fumantes foram acrescentados. Na cobertura do edifício, o terraço oferecia uma vista panorâmica de Paris. As belas vitrines, por sua vez, desempenhavam o importante papel de despertar o desejo. É interessante observar como os empresários, há 110 anos, pensavam o varejo à frente de seu tempo, alinhados com os rumos em que o setor caminha na atualidade.  

 

A estratégia deu certo: a loja do Boulevard Haussmann se tornou o segundo monumento mais visitado de Paris, depois da Tour Eiffel, e uma parada obrigatória para as celebridades mundiais. Alguns dos nomes que marcaram presença foram a duquesa de Windsor, a esposa de Aga Khan III (sacerdote encarregado de dirigir as preces na mesquita), Begum, e, em março de 1960, em plena Guerra Fria, a senhora Khrushchev, esposa do primeiro-secretário do Partido Comunista da União Soviética. Mais recentemente, a loja recebeu Bill Clinton e o então príncipe Charles, que compareceu para a inauguração da exposição Londres. 

 

A meca da moda  

 

Desde o início, as Galeries Lafayette se destacaram pela moda e oferta de novidades. Uma das táticas de Théophile Bader para se diferenciar de seus concorrentes foi oferecer as roupas mais desejadas de forma democrática. Para isso, ele criou e adquiriu unidades de produção que fabricavam com exclusividade peças destinadas às Galeries Lafayette, comercializadas sob o nome da própria marca. Por compreender que a moda, os gostos e os desejos de seus clientes mudavam com rapidez, Bader garantia a diversificação de oferta com frequência. Aos mostruários tradicionais uniram-se a moda masculina, mobiliário, brinquedos e artigos de mesa. 

 

Fiel a sua missão de entregar aos clientes novidades acessíveis, as Galeries Lafayette passaram a dar ainda mais espaço a vertentes que iam além da moda. Em 1922, a loja de departamentos inaugurou sua oficina de artes aplicadas La Maîtrise, confiada ao decorador Maurice Dufrêne, que se tornou seu diretor artístico. O objetivo dessas oficinas era a produção de artigos como móveis, tecidos, tapeçaria, papéis pintados, cerâmicas, mais uma vez disponíveis para vários poderes aquisitivos. Os irmãos gêmeos decoradores Jean e Jacques Adnet figuraram entre seus primeiros colaboradores. 

 

Registro histórico do prédio de 1948

Registro histórico do prédio de 1948 (Arquivo histórico)

 

Apesar da crise econômica e financeira de 1929, as Galeries Lafayette continuaram se reinventando. Em 1932, renovada por Pierre Patout, arquiteto dos transatlânticos, a loja principal adotou o estilo art déco, com bow-windows assinadas por René Lalique. De 1941 a 1944, o estabelecimento passou pelo processo de arianização: a família fundadora foi afastada durante a ocupação nazista e a empresa foi posta sob a administração do regime de Vichy, controlado pelos alemães até a liberação de Paris. Após os anos sombrios da Segunda Guerra Mundial, teve início a retomada econômica da empresa. 

 

Modernização 

 

Para enfrentar os desafios do pós-guerra, as Galeries Lafayette adotaram um novo visual a partir da inauguração das escadas rolantes mais extensas da Europa, no Natal de 1951. Ao visitar a loja nesse período, a senhora  Khrushchev, ao deparar com elas, teria exclamado: “Parece o metrô de Moscou!”. Em seguida, os corredores internos foram suprimidos e, entre 1957 e 1959,  dois andares foram adicionados.  

 

A oferta de produtos também foi ampliada, devido, especialmente, à criação de uma área de estilo e do cargo de fashion director, em 1952. Mais tarde, em 1974, a remoção da escadaria de honra marcou o fim de uma era, até que, em 1984, iniciou-se uma renovação da área central do piso térreo para abrigar marcas de prestígio. 

 

Foto antiga do local em frente às Galeries Lafayette mordernas

Foto antiga do local em frente às Galeries Lafayette mordernas (Arquivo histórico)

 

Em 1969, do outro lado da Rue de Mogador, foi inaugurada uma nova loja, cujo foco eram os jovens. Esse espaço reunia, pela primeira vez, uma grande variedade
de produtos (dentro de categorias como roupas, farmácia, música) adaptada a um lifestyle. Já em 1990, foi instalado o Lafayette Gourmet, essencial para posicionar a marca como o primeiro “centro urbano de serviços”, com butiques, serviços, estacionamento e acesso direto ao metrô. 

 

Em 2004, a loja Marks and Spencer do Boulevard Hauss
-mann se transformou na Lafayette Maison, quando a marca adquiriu todas as lojas francesas dessa etiqueta, em 2001. A partir de então, a loja passou a exibir suas três fachadas no Boulevard Haussmann. 

 

Compromisso com a criatividade  

 

Em 1980, as Galeries Lafayette criaram o Festival da Moda, que durou até 1999. Durante as premiações nas quais eram selecionados os melhores modelos criados para a marca, diretores artísticos renomados também expunham suas produções. Karl Lagarfeld, Robert Wilson, Jérôme Savary, Marie-Claude Pietragalla, David LaChapelle foram alguns deles. Em 1984, a exposição Talentos da França comemorou a abertura do piso dos criadores, que contou com Azzedine Alaïa, Jean-Paul Gaultier, Thierry Mugler e Jean-Charles de Castelbajac. 

 

Em 2001, o grupo Galeries Lafayette tomou a decisão de tornar fixo seu laço com a criação contemporânea e criou a Galerie des Galeries, um espaço de acesso livre no primeiro andar da loja que valoriza a relação entre arte, moda e design. A empresa também dá suporte a instituições que apoiam talentos da atualidade. Após 129 anos de existência, foi a capacidade de inovação da marca e o pensamento visionário dos fundadores que mantiveram a propriedade até hoje com o DNA inicial: um empório de luxo e um centro de criatividade e experiências sem igual. 

 

Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 129 da Versatille

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