Conheça Juliana Pereira, a primeira mulher a comandar a Montblanc no Brasil
Entre os planos da executiva estão a expansão das clássicas canetas de luxo como um acessório de estilo de vida e o approach com o público feminino
Um homem branco, vestindo paletó e gravata, assinando papéis importantes em um escritório, provavelmente localizado em um grande centro financeiro, como a Faria Lima ou a Berrini, em São Paulo. Até pouco tempo atrás, era essa a imagem de quem usava uma clássica caneta Montblanc. Hoje, quem consome os produtos da marca não necessariamente são homens brancos, e há grandes chances de que essas pessoas trabalhem fora de um escritório tradicional, e sim em casa, na Serra da Mantiqueira ou de uma praia em qualquer lugar do mundo. E quem diz isso tem conhecimento de causa: Juliana Pereira, country manager da Montblanc no Brasil. Em abril deste ano, ela se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo – e a primeira pessoa brasileira a chefiar a marca no país.
“O mundo dos negócios evoluiu. As pessoas não são mais tão estereotipadas por gênero, mas por competência, e hoje você pode ser bem-sucedido trabalhando remoto e de moletom. São códigos de sucesso que a gente precisa redefinir. Eu acho que a Montblanc fez essa transição com muito êxito”, diz. Por isso, quem entra hoje em uma loja física ou no e-commerce da Montblanc encontra canetas, claro, mas muitas outras coisas, mais ligadas aos segmentos de moda e lifestyle do que apenas ao escritório – headphones, smartwatches, malas de viagem, perfume, entre outras. O desejo de Juliana, em parceria com o diretor criativo Marco Tomasetta (que tem etiquetas como Prada e Givenchy no currículo), é aproximar a Montblanc das consumidoras: para ela, escolher uma mulher para o cargo mais alto “é uma mensagem para mudar essa visão de que somos uma marca masculina e de homens de negócios”. “A gente tem feito um trabalho de comunicação e posicionamento de marca para não negar as nossas origens nesse universo dos negócios, obviamente, mas evoluir, passar de uma marca de instrumentos de escrita para uma marca de estilo de vida.”
LEIA MAIS:
- “Hoje em dia, vejo a felicidade no simples”, diz Patrícia Poeta
- Jaguar, líder da Fórmula E, discorre sobre expectativas para a etapa de SP em coletiva de imprensa
- “As pessoas querem estar junto das marcas porque elas compartilham valores“, diz João Oliveira, CEO da JLR no Brasil
No caminho da escrita
A Montblanc foi fundada em 1906, na Alemanha, e inaugurou sua primeira loja em São Paulo em 1995, antes mesmo de abrir sua primeira loja em Nova York. Juliana acredita que a presença longeva no Brasil é um dos motivos do prestígio entre os brasileiros, que, em suas palavras, “se sentem mais à vontade em entrar em uma loja em Lisboa, Milão ou Nova York porque já estão familiarizados com a marca”.
Em 2012, foi comprada pelo grupo Richemont, dono da Cartier e de outras marcas de luxo, como Panerai e IWC Schaffhausen. Quase 30 anos depois, pela primeira vez uma CEO mulher e latino-americana está no comando da operação brasileira. A pessoa escolhida – Juliana Pereira – está na empresa há 13 anos, desde antes da fusão, e tem uma trajetória suis generis entre CEOs. Para começar, ela é formada em Letras pela Universidade de São Paulo; optou pelo o curso para perseguir a carreira de escritora. “Ter que escolher o que vai fazer da vida com 16 ou 17 anos é muito difícil. Mas o roteiro da vida é tragicômico e, hoje, sou líder de uma empresa conhecida justamente pelo instrumento de escrita mais famoso do mundo”, celebra. “A palavra é importante na minha vida desde sempre, e acho que esse é o link entre esse começo e o que eu faço agora.”
Mas, há 14 anos, quando recebeu o primeiro convite para trabalhar na Montblanc, disse “não”. A vaga era para a área de supply chain, ou seja, de logística de produtos, a mesma em que já trabalhava em outra empresa, no ramo de vinhos, mas Juliana tentava uma transição de carreira para a área da comunicação – e deixou claro que era esse seu alvo. “Foi difícil tomar essa decisão, mas, ao mesmo tempo, aprendi que é importante saber o que a gente quer e principalmente o que a gente não quer.” Seis meses depois, apareceu a vaga. E Juliana começou a trabalhar como gestora de marketing e comunicação da Montblanc no Brasil em 2011, apenas um ano antes da compra pelo grupo Richemont. Depois, passou dois anos liderando uma reestruturação na equipe de supply chain, devido à experiência que tinha na área, e assumiu a cadeira de e-business, inaugurando a operação do e-commerce da Montblanc no Brasil, em 2016 – bem antes da pandemia de covid-19, quando a maioria das marcas precisou investir às pressas nas vendas virtuais.
Em todos os cargos que ocupou, ela se reportou a lideranças estrangeiras. Em suas palavras, passou 13 anos “traduzindo” o Brasil para esses profissionais, desde a forma como as pessoas se relacionam durante negociações até regras fiscais e legislação de proteção ao consumidor. “É um país complexo. Para passar férias, é sensacional, mas para fazer gestão de negócios e estabelecer um negócio sustentável, é muito desafiador.” Ainda mais importante: precisou explicar o comportamento complexo do consumidor brasilero – para ela, uma mistura muito particular entre os consumidores americanos e europeus. “Ao mesmo tempo em que a gente tem um desejo de ser o primeiro a comprar, testar, consumir, fazer fila na frente da loja da Apple a cada lançamento de novos iPhones, o que se aproxima muito do comportamento americano, o consumidor brasileiro é muito refinado e muito exigente, assim como o consumidor europeu. É uma mistura muito complexa”, discorre.
Durante sua carreira – na Montblanc e antes também –, Juliana considera que teve sorte; enfrentou um caminho “relativamente tranquilo” em relação a questões de gênero no mundo corporativo, ainda muito dominado por homens. “No geral, é um ambiente agressivo, muito competitivo. Você tem que estar preparada para se defender e defender a sua posição, as coisas em que você acredita, especialmente se você for mulher ou parte de uma minoria”, fala. O segredo? Primeiro, “ter a segurança de que eu tinha um princípio, um caminho e um propósito”. Segundo, estabelecer alianças: “Em uma carreira corporativa, não dá para chegar a lugar nenhum sozinho. É preciso criar uma rede de apoio, buscar mentoria, encontrar pessoas com quem aprender e em quem confiar”.
Por Mariana Gonzalez Régio | Matéria publicada na edição 136 da Versatille