Uma viagem no tempo: a história do Museu do Café, em Santos
Situada em Santos, a sede da Bolsa Oficial de Café foi inaugurada em 1922 e representava a elite cafeeira paulista; hoje, o prédio abriga um museu
Alguns lugares, por meio de suas estruturas bem conservadas e da história que preservam, parecem ter o poder de nos levar a outras épocas. Por isso se faz fundamental visitar propriedades antigas – sejam elas castelos, casas, bancos ou igrejas – que mantêm vivas memórias em uma espécie de cápsula do tempo. O Museu do Café, em Santos, é um belo exemplo disso.
Inaugurado como museu em 1998, hoje o espaço é recheado de quadros e exposições que reforçam a história cafeeira no Brasil. Com tempo, é possível passar longas horas lendo os quadros informativos e analisando fotos antigas. No entanto, o grande destaque, a meu ver, é o prédio em si. Apenas ele, com sua arte e estrutura arquitetônica preservadas, já é capaz de causar o impacto citado na introdução deste texto. Antes de ser museu, o local já era pura história.
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No coração do centro comercial de Santos, próximo ao porto da cidade, a propriedade era conhecida como Palácio da Bolsa Oficial de Café, que foi inaugurada em 1922 como sede da elite cafeeira paulista – a Bolsa já funcionava desde 1917, tendo sida criada para centralizar as operações comerciais sobre o produto, mas ocupava apenas o andar térreo de um pequeno edifício.
Conforme a política cafeeira se fortalecia, tornou-se necessário construir um local maior e mais opulento. Após cerca de dois anos de obras, com projeto dos arquitetos Jules Mosbeux e Ernest Chaneux, o Palácio surgiu. Impactante por fora e por dentro, ele tinha tudo o que era necessário para a indústria da época. O Salão do Pregão comportava 81 cadeiras, onde sentavam o presidente e os corretores de café. Era ali que as negociações que determinavam as cotações diárias das sacas eram realizadas.
Inclusive, esse é um dos primeiros pontos de contemplação na visita ao museu. O espaço, além de ter sido palco de pregões que foram realizados de 1922 até o fim da década de 1950, também abriga um vitral e três telas do pintor paulista Benedicto Calixto. No teto, o vitral A Visão de Anhanguera apresenta uma espécie de mitologia sobre a política cafeeira vigente, envolvendo figuras que representam os bandeirantes, a agricultura, o porto e o café em si. Já as pinturas formam uma linha do tempo da cidade de Santos.
Compartilhando o espaço com colunas, estruturas de mármore, cúpulas de cobre e símbolos maçons – como a estrela de seis pontas no chão do pregão –, o Palácio era mais do que uma sede econômica. De estilo eclético, ele é considerado uma das obras mais importantes do período, tendo sido tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2009. Na época, por meio da riqueza de detalhes, passava uma clara mensagem sobre a importância do café e da elite cafeeira paulista para o Brasil.
Uma dose de história
Em 1920, em meio à política do café com leite – uma estrutura de poder que consistia no predomínio político dos cafeicultores de São Paulo e dos fazendeiros de Minas Gerais, que revezavam a Presidência do país –, a necessidade de um espaço maior para a realização dos pregões era compreensível, mas a propriedade precisava ser tão impactante e ostentar tanta riqueza? Na visão da elite paulista do período, a resposta era simples: sim, a opulência era mais do que necessária para firmar a importância de São Paulo para o Brasil.
Além disso, em 1922 o país comemoraria o Centenário da Independência. Diversos estados programavam grandes obras para celebrar a data. Santos, que era porta de saída da maior riqueza de São Paulo na época, não podia ficar de fora. Esses dois contextos explicam bem os motivos por trás das belezas do Palácio da Bolsa de Café.
De certa forma, hoje a história desse período não está reservada ao interior do Museu do Café. A cidade de Santos, como um todo, foi extremamente importante para que o Brasil alcançasse o posto de maior produtor e exportador de café do mundo – título que é mantido até hoje. De acordo com o último relatório da Organização Internacional do Café (OIC), o país exportou cerca de 2,2 toneladas – o equivalente a 39,4 milhões de sacas de café – em 2022.
Também foi a partir do Porto de Santos que o estado de São Paulo promoveu sua expansão econômica ao longo das décadas. Sendo assim, o simples caminhar pelas ruelas do centro comercial, por onde já passaram toneladas de grãos, é uma programação repleta de história.
Adeus, bolsa… Olá, museu
Em abril de 1986, a Bolsa Oficial de Café foi extinta pelo estado de São Paulo, já que as atividades haviam cessado no início da década de 1960. Sem o devido cuidado com a preservação do edifício, ele passou por um processo de degradação que resultou na ameaça de queda da torre em 1996. Foi nesse momento, em um caráter emergencial, que as discussões sobre o futuro do prédio surgiram e a possibilidade da criação de um museu começou a ser avaliada.
Após uma intensa restauração, o Museu do Café foi inaugurado em março de 1998. Desde o início, o espaço permitia as visitas ao Salão do Pregão e recebia exposições temporárias e eventos. A partir de 1999, outros projetos foram sendo abraçados, como o Centro de Preparação do Café (CPC), que oferece cursos e treinamentos para a formação de baristas em uma das salas do museu.
Logo no início dos anos 2000, também foi inaugurada a Cafeteria do Museu, que possui um cardápio diverso com bebidas quentes e geladas (até mesmo alcoólicas, como caipirinha de café e espresso martíni), lanches e sobremesas. Lá, também há uma lojinha onde é possível encontrar uma variedade de grãos produzidos em diversas regiões do Brasil. De maneira geral, a cafeteria oferece uma viabilidade econômica ao museu e contribui com a divulgação do café brasileiro.
Por mais que atenda pelo nome de museu, o local continua sendo um palácio responsável por guardar a história do café e valorizar os sabores de um insumo que carrega intensa brasilidade.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 134 da Versatille