Céu e Inferno

O colunista Nelson Spritzer reflete sobre os tempos de agressividade que vivemos e revela os antídotos para sairmos desse ciclo de violência

Pexels/Brett Sayles

Está se tornando algo comum as pessoas reagirem com violência ao mal que lhes acontece ou àquilo que está em desacordo com os seus desejos. Exatamente como a criança indisciplinada reage, gritando, jogando coisas quando suas vontades não são atendidas, as pessoas estão se permitindo agredir e revidar. 

 

Quando o trânsito está lento, há os que xingam a administração pública, que não planeja vias melhores para o escoamento rápido dos veículos. Se a loja informa que o artigo em oferta acabou, há os que se acham no direito de agredir os funcionários, acusando-os de propaganda enganosa. Se o caixa se engana no troco, logo afirma-se que ele é um indivíduo desonesto, desejando engordar o próprio salário. Se a empregada pede para sair um pouco mais cedo, dizendo que deve levar o filho ao médico, logo alguém diz que ela não deseja trabalhar, que está inventando mentiras. Se alguém esbarra em outra pessoa na rua, de imediato gritam alguns que o sujeito é mal-educado, malcriado. Um abuso! 

 

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Em síntese, estamos vivendo uma época de muita agressividade. E nos queixamos da violência que toma conta das ruas, sem atentarmos que nós mesmos, muitas vezes, também agimos com violência. Conta-se que um grande militar, desejando buscar um caminho espiritual, escolheu um sábio como guru e lhe perguntou: 

 

– Mestre, onde começa o inferno? 

 

O guru meditou e falou: 

 

– Por que um homem sem escrúpulos deseja saber onde começa o inferno? Cheio de armas destruidoras de vida, acerca-se de mim para perguntas tolas. O que espera que lhe diga, eu, que sou um homem de paz e justiça? 

 

Antes que continuasse, o militar o interrompeu, levantando a espada e exigindo, cheio de raiva, que o sábio o respeitasse. 

 

Sem qualquer receio, o homem velho esclareceu: 

 

– Aqui começa o inferno: na raiva descontrolada. 

 

O guerreiro compreendeu e, num gesto rápido, tornou a colocar na bainha a espada, pedindo desculpas. 

 

O sábio então o esclareceu: 

 

– Percebes? Aqui começa o céu… 

 

A raiva pode ser comparada a uma faísca portadora do poder de atear grandes incêndios. Basta uma palavra mal pensada, um gesto imprevisto, para gerá-la. Quando se solta, desencadeia conflitos inúteis e destruidores. O homem que alimenta a raiva e se deixa dominar por ela se torna bruto e violento. Os antídotos para a raiva são a humildade, que leva o indivíduo a reconhecer a própria fragilidade; a paciência, que lhe permite acompanhar o desenvolvimento da questão; a tolerância, que entende a dificuldade alheia; enfim, o amor, que é uma abençoada luz em todas as circunstâncias. 

 

Por Nelson Spritzer, médico cardiologista | Matéria publicada na edição 132 da Versatille

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