“A arquitetura é arte em uma escala gigante”, diz Matheus Farah
Em entrevista, o arquiteto Matheus Farah compartilha inspirações, projetos e a conexão entre a própria personalidade e sua profissão
“Para mim, uma boa arquitetura é quando você consegue unir funcionalidade e beleza”, diz Matheus Farah, cofundador do escritório Matheus Farah e Manoel Maia Arquitetura – responsável pelo projeto da loja conceito da Dengo – e da incorporadora MOS. É interessante observar como a profissão tem a capacidade de revelar a fundo a identidade de alguém. No caso de Farah, isso não poderia ser mais verdadeiro.
Nascido em uma família com diversos arquitetos, sua paixão pelo universo visual e espacial se iniciou na infância, quando costumava visitar obras com sua mãe, que, na época, era designer de interiores. A direção profissional surgiu cedo, aos 12 anos, logo após fazer um teste vocacional, que mostrou sua conexão com a área. Hoje, seu trabalho consolidado não impressiona só pela excelência dos projetos, mas pelo quão alinhado é a seu estilo de vida, que une um aprimoramento pessoal diário a uma percepção aguçada da beleza cotidiana.
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“O olhar observador está presente o tempo todo”, afirma Farah. Apesar de lidar diretamente com construções e estar atento a espaços amplos no dia a dia, o arquiteto afirma que o bom design pode ser encontrado em tudo: “No desenho de uma xícara ou no de uma espaçonave, não precisa ser algo megalomaníaco. Existem milhões de possibilidades. Qualquer coisa pode ser feita de uma maneira melhor, mais bem desenhada e com mais funcionalidade”.
No caso da loja-conceito da Dengo, localizada na Avenida Brigadeiro Faria Lima e batizada de Fábrica de Dengo, os princípios da boa arquitetura, definida por Farah, estão presentes em todos os cantos. O local é, na verdade, um espaço que engloba gastronomia, cultura e entretenimento. Lá, é possível conhecer todo o processo de fabricação do chocolate; saborear as delícias de uma cafeteria charmosa; almoçar no restaurante com receitas brasileiras e drinques autorais; produzir a própria barra de chocolate (que inclui até embalagem personalizada), entre outras atividades.
Todas essas experiências são abrigadas em um edifício com quatro pavimentos, com 1.500 metros quadrados de área construída e um exterior que impressiona tanto quanto o interior: “É o primeiro prédio de madeira sustentável do Brasil. Um projeto único”, diz o arquiteto. O ambiente se destaca também pela total integração e fluidez dos espaços devido à ausência de paredes e vazios dos pés-direitos. Além disso, é possível observar uma réplica das instalações de uma fábrica de chocolates à antiga, com torrefadoras e dutos que transportam os nibs de cacau até uma enorme mélanger (máquina original da década de 1940 e inteiramente restaurada que faz o refino e a conchagem do chocolate) posicionada no centro do local.
“Eu busco criar um espaço em que as pessoas se sintam à vontade, que traga aconchego, como se elas não estivessem em uma loja, mas na casa de alguém tomando um café. A arquitetura sempre desperta sensações quando você entra em qualquer ambiente”, diz Farah.
Em seu projeto mais recente para a Dengo, que constitui a loja inaugurada em Paris, em abril deste ano, o olhar apurado do arquiteto aos detalhes foi um diferencial. Afinal, o espaço precisava manter as raízes brasileiras da marca, mas sem deixar de lado a adequação ao ambiente. Segundo Farah, foram encontradas pedras nas paredes da construção original com desenhos que ilustravam o rosto dos pedreiros responsáveis pela execução daquela obra. “A gente decidiu manter essas pedras do jeito que estavam. Só as limpamos e não colocamos o reboco por cima. A gente achou interessante contar a materialidade daquilo para estar de pé e mostrar o que eles fizeram”, conta.
A fachada do prédio também foi mantida com sua volumetria e suas curvas originais, mas coberta com madeira. “É uma fachada única, como a gente faria no Brasil, mas similar à dos prédios de Paris”, afirma. A fim de manter a identidade da Dengo, além da madeira importada do território brasileiro, foi instalada a iluminação amarelada e usadas as próprias embalagens dos produtos para a decoração, o que garante a estética facilmente reconhecida das lojas da marca.
A criatividade, de fato, está no centro da ocupação de um arquiteto, mas o olhar único de Farah é construído a partir de um acervo de referências e inspirações, reunidas principalmente em viagens. “Eu viajo pelo mundo e estou sempre observando cada detalhe. Às vezes, também tirando fotos de coisas que acho bonitas ou funcionais. Eu não sei naquele momento em que vou usá-las, mas aquilo já ficou gravado no meu cérebro para resgatar algum dia.”
Apesar de as andanças pelo mundo serem parte importante de seu processo de criação, é na hora de se deitar que a “mágica” acontece: “Meu maior momento de criatividade ao iniciar um projeto é quando simplesmente, antes de dormir, fecho os meus olhos e começo a montá-lo dentro da minha cabeça. É como se fosse um software na minha mente por meio do qual consigo visualizar exatamente o que estou fazendo. Posso mudar a cor da casa, a textura do sofá, trocar o objeto de lugar, pôr e tirar… É aí que vem boa parte das minhas grandes ideias”, relata.
Embora esse talento pareça algo realmente mágico, a rotina de Farah é um aliado essencial para manter sua saúde mental e, consequentemente, fazê-la trabalhar a seu favor. Segundo o arquiteto, sua primeira ação ao acordar é se expor à luz do dia por ao menos dez minutos. Depois, vai direto para a academia, onde passa uma hora e meia se exercitando. Em seguida, entra em uma banheira de gelo, destacada por ele como um grande auxiliador de seu bem-estar: “Como é difícil ficar lá dentro durante dez minutos, eu começo o dia vencendo meu primeiro ‘obstáculo’, e isso desencadeia inconscientemente um pensamento positivo de que vou superar todos os outros que estão por vir. É um bom exercício, como se fosse uma meditação. Isso me faz entrar nesse mood de foco, atenção, superação e controle da minha mente”, explica.
De forma complementar à rotina da manhã, o arquiteto segue uma alimentação saudável – que inclui bastante água e exclui álcool – e a prática constante de esportes, como muay thai e paddle. “Tudo isso impulsiona um bom trabalho em qualquer área da minha vida, não só mentalmente. É o que eu sempre tento ensinar aos meus amigos”, brinca.
É impossível falar de um arquiteto sem discorrer sobre sua conexão com a arte. Até porque, como diz Farah, “a arquitetura é arte em uma escala gigante”. Inclusive, ele aponta as viagens que fez com um professor a fim de se aprofundar no universo artístico e construir sua coleção focada no estilo contemporâneo como um dos momentos especiais de sua vida. “A gente foi para a Bienal de Veneza, Londres, entre outros lugares do mundo. Foi um privilégio enorme ver tanta arte de perto na minha frente, ter um bom profissional do meu lado me explicando e ir adquirindo as peças também”, conta.
Entre os seus artistas preferidos está o britânico Damien Hirst, autor da obra The Immaculate Heart – Sacred (O Coração Imaculado – Sagrado), que tem um importante significado para Farah. Tal interpretação traz à tona muito de sua personalidade, marcada pela busca por evolução. A arte é constituída basicamente de um coração de touro atravessado por uma espada e asas de anjo que emergem de suas laterais. No olhar do arquiteto, ela é sobre superação: “Eu vejo como se, diante das maiores dores da sua vida – físicas ou emocionais –, é sempre possível renascer e aprender com seus erros, se tornar melhor”.
Atualmente, Farah tem focado projetos de sua incorporadora que incluem residências em Los Angeles – que prometem ser as melhores casas já feitas pela empresa –, em Miami e no Vale do Silício, com previsão de conclusão em dois anos e meio. Para o futuro, seu desejo é continuar viajando pelo mundo, explorar lugares que ainda não conhece e se conectar com culturas e pessoas diferentes. Se fosse possível, também gostaria de ter mais algumas vidas para pôr tudo o que almeja em prática: “Meu sonho é executar todos os projetos que estão dentro da minha cabeça, ou boa parte deles, porque é tanta ideia que não sei se vou dar conta de tudo em uma vida só”, conclui.
texto laís campos | Matéria publicada na edição 131 da Versatille
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