“O luxo é mais pela experiência do que somente a aquisição de um produto”, diz Davide Marcovitch, presidente da LVMH para América Latina, Caribe e África
Em entrevista exclusiva, Davide Marcovitch, presidente da LVMH para América Latina, Caribe e África, discorre sobre perenidade, movimentos atuais e o cenário nacional
Quando Davide Marcovitch chegou à LVMH, assim como ao Brasil, o luxo era bem diferente do que vemos hoje: mais se falava de produto do que de experiência, e os brasileiros eram acostumados a consumir artigos de luxo de fora do país. O executivo, atual presidente da LVMH para América Latina, Caribe e África, completou neste ano 34 anos na gigante francesa, que faz do luxo o começo, o meio e o fim.
Com mais de 75 marcas no portfólio, pertencentes aos segmentos de vinhos e bebidas; moda e artigos de couro; perfumes e cosméticos; relógios e joias; varejo seletivo (que inclui o complexo parisiense La Grande Epicerie e Le Bon Marché Rive Gauche); e outros setores, como hospitalidade, a holding comandada por Bernard Arnault, um dos homens mais ricos do mundo, dispensa apresentações. No entanto, para ser compreendida, é necessário entender sua descentralização, uma filosofia imposta pelo francês e que garante total autonomia às marcas: “Cada marca tem o seu DNA, e isso acontece no mundo inteiro. Nós temos aqui no Brasil as filiais, que são totalmente independentes. A minha função é coordená-las, dentro das regiões pelas quais sou responsável, com a especificidade de cada uma. A gente não fala do grupo LVMH, nós falamos das marcas individualmente. É uma coleção de marcas separadas, com a sua identidade, mas com a mesma cultura, de fazer do luxo uma experiência extraordinária”, explica Marcovitch.
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Com a sabedoria e experiência de poucos, passar horas ao lado de Marcovitch, compreendendo as nuances do mundo “mágico” em que atua, é enriquecedor. Confira trechos da conversa.
Versatille: Entre as 75 maisons do grupo LVMH, 31 delas têm mais de 100 anos. Qual é o “segredo” para a perenidade e adaptação das marcas conforme o passar do tempo?
Davide Marcovitch: A gente não se preocupa com o imediatismo. Uma marca não pode ficar a mesma durante 100 anos, ela precisa evoluir, acompanhando um pouco as tendências de mercado, ou, mais ainda, criando as tendências de mercado. A Louis Vuitton e a Christian Dior são exemplos disso. Não é que elas se adaptam ao que o mercado pede; elas criam desejo para que o mercado passe a desejar tais novidades, e é por isso que tem marcas com 100 anos, e outras, mesmo que mais recentes, estarão sempre presentes.
V: E mesmo com as marcas novas, que foram adquiridas num período mais recente, é a mesma mentalidade?
DM: A Bvlgari foi comprada em 2011, e, nesse momento, estava um pouco estagnada. Foi aplicada, então, essa filosofia do grupo LVMH, e, com isso, ela renasceu, e hoje em dia é superdesejada, muito mais do que antes. O caso da Tiffany, também, que foi adquirida há dois anos, e a ideia não é manter a marca como está. É fazer dela a Louis Vuitton do mercado de joias, não mantendo as coleções, mas com novos produtos, nova comunicação, investindo na marca não para ter um resultado imediato, pois obviamente quem investe 16 bilhões de dólares não espera o resultado em dois, três anos. É uma marca para perpetuar-se pelos próximos 50 anos como a label de joias do grupo. É sobre a introdução de elementos, em uma marca tradicional, porém um pouco dormente, que faz com que ela ressurja. Um exemplo: a campanha About Love, estrelada por Jay-Z e Beyoncé, já foi um renascimento, especialmente nos EUA. Agora, com a reabertura da loja, que aconteceu em 27 de abril, em Nova York, o processo continua. Ela foi batizada de The Landmark, e não mais flagship, porque abriga conceitos diferentes, e cada andar tem um tipo de configuração, como espaço de café, e também áreas reservadas a clientes muito especiais de alta joalheria, entre outros.
V: O luxo de experiência continua em alta?
DM: A experiência é importante, e foi justamente por isso que foi comprado em 2018 o grupo Belmond, que já tinha suas propriedades únicas. Mesmo antes da pandemia, já acreditávamos que o luxo é mais pela experiência do que somente a aquisição de um produto. Hoje em dia, a gente proporciona, dentro de nossas lojas, que o cliente tenha uma experiência da marca. O cliente entra e se envolve com ela.
V: E isso tende a crescer?
DM: Sim. Hoje o consumidor não quer apenas comprar o produto; ele quer se entreter. Então, por exemplo, quando vai à Sephora, também tem o maquiador disponível, e isso faz com que a pessoa se sinta mais valorizada. Poderia até comprar on-line, mas, se ele vai até a loja, é para vivenciar algo. As pessoas não frequentam restaurantes simplesmente para se alimentar, porque podem fazer isso em casa ou em qualquer lugar. A ida ao restaurante é a experiência de estar num ambiente agradável, ser servido de maneira especial e em boa companhia. As viagens, no fundo, também são isso. As pessoas viajam pelo prazer de novas vivências, ou a repetição de algo que já viveram. Comentei com você, mais cedo, do Plénitude [três-estrelas Michelin dentro do Cheval Blanc, hotel da LVMH], em Paris, aquela refeição foi fantástica. Eu refaria com muito prazer para ter a mesma experiência, claro que não todos os dias.
V: Qual é a marca mais representativa para o grupo no Brasil?
DM: A Louis Vuitton, e também a Christian Dior, que está tendo um êxito extraordinário. O Copacabana Palace é um ícone, assim como a propriedade das Cataratas. No caso de champanhe, a Dom Pérignon, Moët & Chandon e Veuve Clicquot são estabelecidas e também preferidas dos brasileiros. Nós tratamos todas as marcas com a mesma importância, cada uma no seu nicho. A Rimowa, desde que o grupo a adquiriu, pegou uma envergadura enorme. Hoje em dia, você vai ao aeroporto e só tem Rimowa. Mas também pela comunicação, a modernização, as cores, tem uma ousadia. Eu lembro muito bem que em certo momento foi feita uma mala transparente, e eu pensei internamente que ninguém iria comprar uma mala dessa. Peguei um voo com Neymar, e ele estava com essa mala. Você vê, é a criatividade e inovação, a ousadia de coisas que dão certo, que não são apenas disruptivas, para serem atrativas para o consumidor.
V: Quais são os maiores mercados na América Latina?
DM: O México e o Brasil, respectivamente, na ordem de tamanho.
V: Qual é a maior diferença entre os perfis de consumidores destes dois países?
DM: Eles são bastante parecidos. Antes da pandemia, as duas nacionalidades costumavam comprar artigos de luxo em viagens. Alguns dos motivos eram: preço e parecia mais “chique” comprar fora. Com a pandemia, quando as pessoas não puderam viajar, elas passaram a se agradar mais, se paparicar, e acabaram indo às compras no país. O próprio pessoal de venda das marcas se tornou mais próximo da clientela antiga e nova e desenvolveu uma conexão mais pessoal com ela, quase de amizade, eu diria. Mandava os novos artigos para a casa da cliente, e isso criou um relacionamento tão íntimo que, mesmo agora, com a retomada das viagens, a clientela acha mais favorável comprar localmente, porque ela tem um atendimento de venda e de pós-venda muito mais próximo, assim como personalizado. E tem a vantagem única de poder pagar em dez vezes, e isso é uma questão cultural do Brasil, que é um atrativo. Os preços também não são muito diferentes. Uma coisa que nós tomamos muito cuidado é de ter, no Brasil, os lançamentos mundiais ao mesmo tempo que lá fora, para evitar que a pessoa diga que o modelo só consegue comprar fora. Antes não era assim.
V: Quais setores cresceram durante e após a pandemia? E quais foram os maiores aprendizados e heranças do período?
DM: Muita coisa mudou nos cosméticos. Com a pandemia, as pessoas não saíam, e a parte de skincare cresceu muito. Quando acabou, a vida social foi retomada, e não somente a parte do skincare continuou evoluindo, mas também a parte de cosméticos, porque as pessoas acabam usando mais maquiagem. Uma coisa que também aprendemos é o relacionamento digital, o CRM (Computer Relationship Management). Foi uma maneira de se comunicar com a clientela. Eu vejo em minha própria casa: a minha esposa se tornou viciada em comprar on-line. Os produtos básicos, você acaba comprando on-line porque é muito mais comum, mas o que estamos vendo é que a compra on-line diminuiu com a reabertura das lojas, porque a experiência de estar em contato com o produto é única. Tanto no México quanto no Brasil, o cliente preza o contato com o produto. Ele se informa on-line e vai à loja depois, ou o caminho contrário. Ao analisar os números atuais, percebe-se que houve um switch entre a venda on-line para a venda presencial. O bolo acabou crescendo. As pessoas voltaram para as lojas sem abandonar o ambiente digital.
V: Qual é sua percepção sobre a geração Z?
DM: É preciso ficar atento à geração Z, mas também igualmente atento aos consumidores que estão envelhecendo e vivendo mais tempo e que possuem poder aquisitivo muito melhor do que o dos mais jovens. A geração atual e do futuro é um pouco especial. Quer outro tipo de experiência, é muito mais consciente com a ecologia, com o desenvolvimento sustentável, e o grupo está trabalhando muito com isso. Num futuro próximo, em cada produto será possível saber a procedência. A reciclagem também, nós já fazemos muito na Europa. A expêriencia de juntar marcas, em colaborações, como a recente entre a Tiffany e a Nike, assim como a Dior com a Rimowa, toda essa criatividade interessa muito à geração Z. Eu também percebo que essas ações acabam tendo um contágio familiar, que não exclui ninguém, de nenhuma idade. Às vezes também acontece certa pressão ecológica dos filhos nos pais.
V: Quais são as novidades do grupo no Brasil, nos próximos anos?
DM: Em breve teremos a Loro Piana e a Loewe, que devem chegar ao Brasil no próximo ano. A renovação das lojas da Tiffany e também aberturas da Sephora. Já o Copacabana Palace, a Belmond Hotel, em 2025 devemos renovar o anexo, e, em 2026, o prédio principal, a fim de reduzir o número de quartos, para se tornarem maiores.
Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 130 da Versatille
Fotos Rafael Muner