Luis Maluf fala sobre o mercado da arte e a valorização dos artistas nacionais
O galerista discute as mudanças no setor nos últimos anos e os meios digitais das artes
Enquanto os espaços culturais se mantiveram fechados devido à pandemia, uma exposição em São Paulo foi aberta em um galpão de 8 mil metros quadrados, no bairro Vila Leopoldina, em 2020. Lá, o público podia circular dentro de carros e olhar obras de 10 metros de altura enfileiradas no ar. Quem idealizou essa iniciativa foi o galerista Luis Maluf. Um dos objetivos, na ocasião, era firmar a importância do encontro e contato direto com a arte. Passados dois anos, esse anseio permanece nos planos do paulistano de 33 anos. Dono da galeria que leva seu nome, situada nos Jardins, Maluf representa artistas como Cranio, Aline Bispo e Apolo Torres. Hoje, comanda também a Usina, um espaço cultural na Barra Funda onde realiza exposições e promove residências artísticas. Em entrevista, Maluf reflete sobre o que mudou no setor nos últimos anos e os meios digitais das artes e conta sobre a reestruturação de sua galeria, que se posiciona como ponto de encontro da arte contemporânea.
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Versatille: O que mudou no mercado de artes com a pandemia?
Luis Maluf: Eu sinto que os colecionadores e as pessoas que buscam investir em arte se voltaram muito para os artistas locais, os brasileiros, mais do que para os internacionais. A procura ficou muito maior. O tempo que as pessoas tiveram durante a pandemia, pelo fato de passarem mais horas dentro de casa, pesquisarem, entenderem melhor os artistas que aqui vivem, abriu uma janela enorme para novos olhares. Eu senti que o mercado de artistas locais se valorizou muito por não conseguir viajar e comprar, ou trazer artistas de fora, fazer essa internacionalização.
V: No primeiro ano de pandemia, você montou o projeto DriveThru.Art, em que o público acompanhava uma mostra dentro do carro. Qual é sua reflexão sobre essa ação? Acredita que existam ainda novas formas de apresentar uma exposição?
LM: Eu acho que foi importante porque foi no começo da pandemia, e eu consegui trazer artistas e apresentar trabalhos em que a discussão é importante para os dias de hoje e daquela época. Naquele momento, funcionou porque estava tudo fechado, porque as pessoas não podiam ter acesso, mas eu ainda acho que é essencial a visita a espaços de arte, sair um pouco do celular, ver o trabalho, sentir o cheiro da tinta. Ver com os próprios olhos a textura do trabalho do artista, pintura, escultura ou qualquer outro suporte. Se não tivesse essa possibilidade de entender a obra pessoalmente, falaria que é um modelo a seguir sem problema, mas, com essa chance, hoje, eu prefiro falar que ir a uma exposição e participar dela é bem diferente e especial.
V: Na pandemia, houve também uma corrida de galerias por viewing rooms. No fim das contas, isso se tornou um caminho para as vendas?
LM: Sim, o mundo está cada vez mais sem fronteiras. Quando eu falo de visita presencial, acho que é importante para o espectador, mas, no mercado de vendas de obras, eu faço por PDF, viewing room, site, redes sociais. Eu não preciso visitar uma exposição em Nova York para comprar o trabalho de um artista. Eu estou on-line na inauguração dessa exposição enquanto ela está sendo aberta fisicamente. É uma das coisas que a gente faz na galeria. A respeito de vendas e comercialização, eu acho que só agrega. Não penso que seja um modelo que vai acabar, acho que todas essas outras vertentes, outras tecnologias que envolvem uma facilidade de quebra de fronteiras, são interessantes, mas não excluem a visita física.
V: Outra tendência do setor é o NFT (token não fungível). Você acha que deve perdurar?
LM: Alguns dos artistas que a galeria representa têm uma entrada forte no mercado do NFT e blockchain, mas estamos segurando. Não quisemos fazer nenhum projeto. Recebemos propostas diárias – acho que cinco por dia – de pessoas querendo fazer NFT, lançar isso e aquilo, mas eu ainda não me sinto seguro para começar esse movimento. O que estamos tentando fazer como galeria, e já iniciamos, foi um processo de digitalização, de catalogação dessas imagens via blockchain, como parte de registro.
V: Por que você decidiu abrir a Usina?
LM: É uma fábrica de arte, e eu sempre precisei de um espaço grande para fazer exposições, onde o espectador tenha uma relação com a obra não espremida, como na galeria dos Jardins, na qual hoje fazemos exposições com trabalhos de formatos menores. A ideia da Usina surgiu na pandemia. São vários projetos que ocorrem lá. Um dos que eu inaugurei foi a residência artística, que era coordenada por Carollina Lauriano. Oferecemos materiais, relação institucional, relação com o mercado, curadores e críticos. Eu entreguei, dentro desse modelo de residência, todas as teias que um artista precisa ter para ser inserido no mercado. Parte desses artistas saiu da residência e veio para a galeria. Na próxima, a ideia é fazer por meio de um edital. É um processo pelo qual a galeria está passando, de transformação. Eu fiquei bolando a residência por mais de um ano, até conseguirmos fazer, trazer esses novos artistas, mostrar para o público outros tipos de trabalho. As pessoas pensavam que a galeria era de grafite. Não, é de arte contemporânea, e a residência veio para conseguirmos mostrar todo um processo de mudança e um projeto educacional.
V: E por que optou por abri-la na Barra Funda?
LM: É um bairro que tem uma efervescência cultural por todos os lados. Bares, restaurantes, as maiores galerias foram para lá. É um bairro plano, estratégico. Existem imóveis grandes, galpões grandes por valores mais fáceis de se conseguir acessar. Tem o Memorial da América Latina, outras casas institucionais, equipamentos culturais. Tem fácil acesso de transporte público. Eu acho que a Barra Funda tem tudo para ser um novo polo. Já é, já está se tornando.
V: Como é o trabalho de buscar novos artistas?
LM: Vem por todos os lados. Eu não uso rede social direito. Quando entro no Instagram é para ficar vendo artista. Eu faço uma busca diária muito grande. Temos uma gama enorme de portfólios que recebemos diariamente, de artistas buscando espaço. Eu tenho conversado com alguns curadores, tenho buscado uma linha curatorial fixa dentro da galeria para ajudar nesse processo de seleção, para que tudo tenha afinamento, uma relação. Eu realmente acho que é muito artista bom para pouca galeria.
V: Que conselho você daria para novos colecionadores, para a compra de artes?
LM: Para o colecionador, o jovem comprador, eu acho que ele precisa ter uma pesquisa dentro da coleção dele, de algo que os artistas se relacionem. Sempre ter uma linha. Entender por que ele gosta desse artista, por que gosta daquele, e tentar formar dentro desse campo de ideias o que se relaciona para ele buscar um próximo, um outro. Será que é só mercado? Será que existe um discurso que esses artistas têm em comum? Será que tem uma materialidade? É você tentar amarrar um conceito dessa coleção.
Por Ana Luiza Cardoso | Matéria publicada na edição 128 da Versatille