Conheça a história da icônica loja de departamentos la Samaritaine
Emblemático, histórico e diverso: o estabelecimento tem em sua essência a capital francesa e oferece um universo vasto de experiências
O ano era 1870 quando o casal Ernest Cognacq e Marie-Louise Jaÿ fixou uma tenda de comércio de roupas na esquina da Rue de la Monnaie com a Rue du Pont-Neuf – via que passa pela ponte que cruza o Rio Sena –, que se tornaria a loja de departamentos mais emblemática de Paris. A escolha do local não foi em vão: para eles, era clara a vantagem geográfica proporcionada pelo coração da cidade, o que se confirmou nos anos seguintes, e o pequeno negócio se expandiu gradualmente para lojas adjacentes.
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Em 1910, o empreendimento Samaritaine se estabeleceu em um edifício com estilo art nouveau (expressão francesa para “arte nova” que designa uma identidade artística modernista), projetado pelo arquiteto Frantz Jourdain, que apresentava volume ambicioso, estrutura metálica e ornamentação elaborada e ocupava todo o quarteirão das ruas Monnaie, Arbre-Sec, Petres e Baillet. Na década de 1920, Cognacq solicitou expansões da loja às autoridades municipais, que concordaram, com a condição de que fosse utilizado um estilo arquitetônico mais atual. Cognacq e Jourdain acataram com pouca oposição, pois entendiam que o estilo original do edifício estava desatualizado.
Em 1928, uma construção em art déco (estilo artístico com caráter decorativo) projetada por Henri Sauvage foi anexada ao comércio, o que mostrava claramente a visão vanguardista do casal fundador. Embora exibisse semelhanças com o edifício original, por conta do uso do aço exposto, o foco da construção era direcionado à geometria. Nessa época, o negócio já apresentava 11 andares e começava a transcender o limite de loja para dar lugar a um espaço de experiências.
Rapidamente, o La Samaritaine se tornou o principal local para comprar os vestidos mais modernos, jantar no restaurante Le Toupary ou simplesmente um espaço de contemplação. Em 2001, o grupo de marcas de luxo LVMH comprou 55% do negócio e, em 2005, por razões de segurança, a loja precisou fechar suas portas. Após cinco anos do fechamento, o conglomerado adquiriu a parcela restante e decidiu financiar uma renovação ambiciosa que envolveu cerca de 3 mil pessoas e 280 empresas francesas e custou em torno de 500 milhões de euros.
A reforma se iniciou em 2015 e, no dia 21 de junho de 2021, sob a liderança da empresa varejista DFS Group (também pertencente ao grupo LVMH), a loja foi reinaugurada como Samaritaine Paris Pont-Neuf, um complexo de luxo que inclui o hotel Cheval Blanc, diversas lojas de grife, duty-free, residências, galerias de arte e até uma creche escolar. Os edifícios em art nouveau (batizados atualmente de Pont-Neuf) e art déco foram completamente restaurados e uma construção moderna, localizada na Rue de Rivoli, projetada pelo escritório de arquitetura japonês Sanaa, foi adicionada.
A loja ocupa um total de 20 mil metros quadrados e está distribuída em três andares ao longo de um eixo de circulação central que conecta edifícios em ambas as extremidades da Pont-Neuf e Rivoli. Na primeira, a construção apresenta uma estética chique e refinada, piso de mosaico, ferragens pintadas em cinza em art déco e detalhes em art nouveau. Já na segunda, é possível observar uma modernidade de estilo industrial com uma atmosfera mais urbana.
Fiel a suas origens, a loja de departamentos pode ser considerada um paraíso fashion, com uma curadoria variada, criteriosa e em constante evolução. Por lá, é possível encontrar uma seleção de roupas, bolsas e sapatos de marcas renomadas de luxo, outras tipicamente francesas, além de peças exclusivas de designers emergentes. Além disso, vendedores e stylists particulares estão sempre a postos para auxiliar os clientes durante a experiência de compra. A Samaritaine abriga ainda o maior espaço de beleza da Europa, com mais de 200 marcas, bem como um spa e salão de cabeleireiro.
Na área gastronômica, os melhores salgados, doces e vinhos podem ser apreciados em 12 estabelecimentos, com pratos e conceitos que agradam a todos os gostos: uma salada prática, uma cozinha mais criativa e sofisticada, um delicioso café, um bolo delicado, um croissant caseiro ou um jantar excepcional. Cada espaço foi pensado por grandes chefs estrelados, talentosos confeiteiros, padeiros premiados e parceiros como Dalloyau, Maison Plisson, La Brûlerie des Gobelins, Bogato, entre outros.
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Uma loja de departamentos verde
O La Samaritaine foi restaurado contemplando o desenvolvimento sustentável, uma vez que todo o edifício é certificado com selos franceses e internacionais, que garantem a mais alta qualidade ambiental, como HQE, BREEAM, LEED e Qualitel. O consumo de energia é reduzido devido ao uso de fontes renováveis, e o isolamento e o conforto térmico são garantidos pelas camadas duplas e triplas da fachada. Já o ar é resfriado pela energia geotérmica e pelo armazenamento de gelo. Seguindo o plano de aumentar as áreas verdes da cidade, a face da Rue de Rivoli apresenta um pátio com árvores, que foram especialmente escolhidas pelo escritório Sanaa por conta de sua estética harmoniosa e capacidade de serem regadas somente pela água da chuva.
A arte da propaganda
O King Kong escalando o prédio, a rainha da Inglaterra procurando uma coroa, uma inglesa nua cruzando o canal, um elefante rosa e um grupo de majorettes (meninas uniformizadas que dançam na frente de uma banda musical em desfiles) fazendo compras. Desde os anos 1970, os anúncios da Samaritaine deixaram sua marca, por transmitir alegria e identidade única, e fizeram a história da loja.
Tradição gastronômica
No início do século 20 o complexo já era apelidado de “Barriga de Paris” por causa de seu amplo mercado de alimentos – fornecia comida a 8 mil funcionários por dia: 2 mil quilos de carne, 10 mil quilos de batatas e legumes, 2.500 pedaços de pão e 4 mil litros de vinho, cerveja ou leite eram consumidos nas 8 mil refeições diárias. Em 2021, 12 pontos de alimentação foram espalhados pela loja, para que os clientes e funcionários experimentem novos e deliciosos sabores.
Compromisso com a sociedade
De origens modestas, o casal Cognacq-Jaÿ combinou com maestria o sucesso empresarial e os valores éticos. Com posicionamentos sociais à frente do tempo, eles ofereciam a seus funcionários um fundo de aposentadoria, habitação social, cuidados hospitalares, casa de repouso e até mesmo uma academia. Pensando nos pais, Marie-Louise até abriu uma creche, localizada no centro da loja de departamentos. Ela foi reinaugurada, 150 anos depois, com unidades de habitação social e uma creche, a fim de resgatar o compromisso do casal.
Elementos arquitetônicos distintivos
O afresco do pavão
Com 3,5 metros de altura e 115 de comprimento, a pintura ao redor do telhado de vidro é considerada uma das obras-primas da art nouveau. Assinada por Francis Jourdan, filho do arquiteto, a tela de 452 metros quadrados foi restaurada e recuperou sua cor e seu brilho.
A grande escadaria
Funcional e estética, esta parte central do edifício Pont-Neuf é um emblema da história da Samaritaine. Para recuperar a escada lendária, o corrimão foi renovado com cuidado especial devido às 16 mil folhas de ouro e a cerâmica em art nouveau embaixo das áreas entre um lance de escada e outro, bem como os 270 degraus, feitos de carvalho.
O telhado de vidro e sua estrutura Eiffel
Baseado em uma estrutura de metal muito visual, o elemento arquitetônico de 1907 exigiu um cuidado especial em sua restauração. Depois de modificado, mesmo oculto ao longo do tempo, o telhado envidraçado retangular recupera sua forma original e suas cores escolhidas por Francis Jourdain. A única alteração moderna é o vidro eletrocrômico, que muda de tom opaco para transparente e vice-versa.
A fachada em art nouveau
No início do século 20, Frantz Jourdain, um amante do modernismo, usou uma armação de metal na loja para economizar espaço e luz. A fim de suavizar a estrutura e atrair clientes, decorações esmaltadas em tom de lava foram desenhadas por seu filho Francis e também por Eugène G., designer de cartazes.
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Ondas de vidro
Como a nova cara da Samaritaine, o edifício da Rue Rivoli, projetado pelos arquitetos japoneses do escritório Sanaa, incorpora a modernidade, a fluidez e a poesia da loja de departamentos. Construída cuidadosamente, a fachada assume formato ondulado, com um total de 343 painéis de vidro.
Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 124 da Versatille