Guto Requena e a arquitetura como lugar de afeto e tecnologia
Com projetos que buscam investigar o design e as tecnologias digitais de modo emocional, o arquiteto ganha reconhecimento internacional e até participação em reality show da Netflix
O design como ativismo é o lema do arquiteto Guto Requena. Criador do estúdio homônimo, o profissional busca enxergar – muito – além da arquitetura como uma área de atuação. Nas mãos do sorocabano, ela é capaz de traduzir sentimentos, aproximar pessoas, integrar-se à tecnologia e o que mais a imaginação permitir.
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Fundado em 2008, o Estúdio Guto Requena surgiu com o propósito de refletir sobre memória, cultura e poéticas narrativas nas diferentes escalas do design. O escritório é dividido em quatro núcleos: arquitetura (interiores, cenografias, edifícios e desenho urbano), produto (objetos e mobiliário), comunicação (produção de conteúdo, consultorias, livros e eventos) e o Juntxs. Esse último é um laboratório para “estudos de empatia, design e tecnologia” e trabalha na concepção de instalações imersivas e experiências interativas.
O cerne de cada projeto do estúdio está no desejo de investigar o design e as tecnologias digitais de modo emocional, para estimular a empatia e o senso coletivo. Seu manifesto diz: “Nós amamos hibridismos, interatividade e mixar o analógico com o numérico. Desmaterializar e desterritorializar: lar é um sentimento, lar está em todos os lugares. Somos todos imigrantes. Somos todos ciborgues agora. Estamos todos conectados”.
Um dos projetos idealizados e realizados pelo núcleo híbrido foi o Estímulos Emocionais, uma instalação que permite às pessoas se conectarem e compreenderem os sentimentos das outras. Isso é possibilitado por meio da coleta de dados emocionais, feita por sensores de ondas cerebrais e de frequência cardíaca. Dentro de uma sala escura, os seis participantes sentam-se à mesa, onde são projetadas ilustrações gráficas da psique de cada um. Criada por uma equipe de neurocientistas, psicólogos, arquitetos, designers, cientistas da computação, músicos e artistas visuais, a obra foi montada pela primeira vez no Sesc Sorocaba, em 2020, com a meta de viajar o mundo e se adaptar de acordo com a região.
Outro projeto executado pelo Juntxs é o Empatias Mapeadas, de pesquisa experimental. A proposta é convidar um grupo de pessoas desconhecidas a se introduzir umas às outras por meio das batidas do coração. Em uma espécie de cápsula, sensores captam o ritmo cardíaco dos convidados em tempo real e, então, holofotes e alto-falantes transformam a arquitetura em uma escultura viva. O projeto foi instalado em 2018 no Sesc da Avenida Paulista.
O conceito também foi adaptado para o contexto da pandemia, no qual amigos e familiares não podem se ver. Assim, surgiu o Heartbits, um aplicativo que coleta batimentos cardíacos e os envia para quem o usuário desejar. Basta cobrir a câmera traseira do celular com o dedo indicador e esperar os dados se transformarem em uma videoarte de 15 segundos. Ao fim da captação, ainda é possível escrever uma pequena mensagem. “Trabalhamos com tecnologia para aproximar, para aquecer e mostrar que somos humanos”, explica Requena. “Mais do que nunca, com a pandemia, isso se tornou acessível. Mais do que nunca, também fez sentido.”
Guto Requena: a mente por trás do sucesso
Toda essa experimentalidade técnica e conceitual só foi possível após anos de experiência e pesquisa de Guto Requena. Nascido em 1979, Requena nunca teve dúvida sobre que carreira seguir. “Desde pequeno já queria ser arquiteto”, diz.
Em 2003, graduou-se em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo. Foi pesquisador do Núcleo de Estudos de Habitares Interativos da USP por nove anos, tempo no qual se aprofundou em pesquisas sobre a relação da arquitetura com outras áreas do conhecimento. Em 2007, finalizou seu mestrado pela mesma universidade com a dissertação “Habitar Híbrido: Interatividade e Experiência na Era da Cibercultura”. “Sempre fui interessado nessa interdisciplinaridade. Minha pesquisa sempre foi voltada para a investigação do impacto das novas tecnologias na vida das pessoas”, afirma.
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Diante de toda a inovação, os prêmios foram inevitáveis. O estúdio do profissional ganhou o título de melhor design de espaço brasileiro do BID 2012 (Bienal Ibero-Americana de Design), o Prêmio Especial Exterior do Prix Versailles 2017 e o Gold de arquitetura no iF Design Award 2018. Seu sucesso foi tão notório que ele foi convidado pela Netflix para fazer parte do elenco de mentores do reality show Queer Eye Brasil, com previsão de estreia para 2021. “Fiquei muito feliz e honrado com o convite. A versão brasileira será emocionante”, resume, sem dar spoiler. Esse é apenas mais um dos trabalhos em que o arquiteto está envolvido, entre cerca de outros 80 projetos em andamento em seu estúdio, no qual é diretor criativo.
Para Requena, sua maior conquista em todos esses anos não foram os prêmios, mas sim o impacto visível “nos clientes, nas pessoas, na rua e na cidade”. “Isso é o que mais me orgulha”, completa. Reservado e pensativo, ele define o desenho arquitetônico como uma ferramenta fundamental à vida. “A gente é impactado pelo ambiente em que mora, trabalha, vive. Arquitetura e design afetam diretamente nossa felicidade e nosso modo de viver.”
Por Mattheus Goto | Matéria publicada na edição 119 da Versatille