Moda sem pressa: conheça 5 marcas nacionais

As pequenas empresas buscam reivindicar o espaço do slow fashion no mercado

Modelos vestem as peças da Mel by Julia Pak
Modelos vestem as peças da Mel by Julia Pak (Divulgação)

Em um ano desafiador para pequenos empreendedores, as marcas de moda reinventaram-se e sobreviveram à força da correnteza. Diferente das grandes varejistas do mercado, muitas delas são nativas digitais e acostumadas com as vendas via e-commerce, o que facilitou o processo de adaptação diante da quarentena e permitiu que os esforços fossem direcionados para aprimorar a qualidade dos produtos, assim como estreitar os laços com os consumidores. 

 

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A dualidade entre slow e fast fashion fica cada vez mais escancarada. Atendimento personalizado, peças sob medida e coleções limitadas são os pilares de uma moda mais lenta, em defesa do meio ambiente e do bem-estar das pessoas envolvidas no processo de fabricação. Com o distanciamento social, o padrão acelerado de produção, consumo e descarte, que já vem sendo repensado faz tempo, perde o sentido. Já da parte dos consumidores, houve um crescimento na procura pelo fundamental: sentir-se genuinamente bem com o que está vestindo.

 

É por isso que marcas como Mel by Julia Pak, Botti, Cabra, The LouLou e OYO For Us navegam bem pela pandemia. Conheça a história e o conceito por trás de cada uma delas nas páginas a seguir.

 

Mel by Julia Pak

 

Após comandar por quatro anos um ateliê de vestidos de noivas sob medida, Julia Pak expandiu seu ofício ao fundar, em 2018, o e-commerce Mel – Mulheres de Espírito Livre. “Esse título nada mais é do  que nossa intuição, está dentro de todas as mulheres. Não é uma forma de rotular quem pode ou não vestir a marca, mas uma reconexão com o corpo”, explica a estilista.

 

A estilista Julia Pak

A estilista Julia Pak (Anna Quast e Ricky Arruda)

 

Ao escolher qualquer peça no site da marca, é possível selecionar o tamanho, que tem grade do 34 ao 60, ou preencher um formulário com as próprias medidas para receber uma peça personalizada. Todos os designs oferecidos são pautados pela atemporalidade e versatilidade, com o objetivo de atender diferentes estilos.

 

Para a estilista, o sob medida ajuda na construção da identidade dos consumidores e as numerações convencionais são fórmulas rígidas para o estilo. “Elas não permitem dizer se a roupa de uma pessoa é um reflexo de sua personalidade ou se é apenas o que estava disponível para seu tamanho na loja.” A estilista acredita que a personalização de cada peça traz a sensação de exclusividade: “Comprar uma peça sob medida faz você se sentir único. Usar algo que todo mundo tem significa que qualquer pessoa pode ser igual a você”, completa. 

 

Belly Palma em look da marca Mel by Julia Pak

Belly Palma em look da marca Mel by Julia Pak (Bruno Avila;)

 

Além do importante papel no autoconhecimento feminino, o modelo de produção promove o ciclo sustentável e o consumo consciente. “Para comprar uma peça, é preciso entender o tempo de produção, abraçar essa consciência e refletir. Dessa forma, cria-se uma relação de afeto com o produto.” Para Julia, a Mel não é ativista nem se posiciona contra o fast fashion, mas sim uma solução para a antiga dor feminina: a necessidade de se encaixar em padrões.

 

Botti

 

Conforto é a palavra-chave da marca criada pela designer de moda Bruna Botti. Quando inaugurou a Botti, em 2013, sentia falta de saltos médios no mercado: “As pessoas queriam um salto gigantesco. Tive aula de ergonomia na faculdade e entendi que é possível unir o confortável ao sexy. A mulher pode ficar elegante com um salto médio”, introduz. 

 

A designer Bruna Botti

A designer Bruna Botti (Divulgação)

 

Todos os calçados da marca são desenhados por Bruna e seus recortes, democráticos, abrangem diversos tipos de pé. Os lançamentos não são pautados por temas para não ficarem datados e cada modelo é produzido em quantidade limitada por artesãos e sapateiros das regiões Sul e Norte do país. Seu propósito é agradar à mulher brasileira, que vive em um país com grandes variações de temperatura. 

 

As reedições de protótipos já existentes são praxe na hora de criar. “Montamos uma bagagem de desenhos que servem como base para outros. Não dá para jogar fora e descartar o que demorou meses para ficar pronto”, explica a designer. “Tenho clientes com seis sapatos do mesmo modelo, mas que são completamente diferentes.”

 

A loja física, no bairro dos Jardins, em São Paulo, tem atmosfera cozy e acolhedora. O atendimento é personalizado, feito por vendedoras e pela própria fundadora da marca. As clientes digitais também podem desfrutar a mesma experiência, com o serviço de delivery, que permite experimentar os sapatos sem sair de casa.

 

Sapato atemporal da marca

Sapato atemporal da marca (Divulgação)

 

A interação com a clientela é constante, seja tête-à-tête ou pelo Instagram. Para a estilista, a proximidade com as clientes proporciona novas ideias de modelos. Depois da compra, o diálogo continua e muitas peças voltam para reparos. “Cachorros amam os sapatos da Botti. Os modelos com pompons são um terror. Sempre aparece uma cliente falando que o cachorro comeu o pompom, e eu sempre refaço”, brinca Bruna. 

 

Hoje pode-se dizer que sua pequena revolução do conforto na moda é um sucesso: “As clientes falam que, depois de usar um sapato da Botti, não querem outro”, conclui. 

 

Cabra

 

Cabrones!” A expressão espanhola virou um jargão para Daniel Mangualde, criador da marca que leva o nome do animal. Formado em desenho industrial e com experiência em artes gráficas, ele morou por anos na Espanha, onde a palavra é usada como sinônimo de “macho”, mas também como um xingamento (“bastardo”). De volta ao Brasil, desembarcou no Ceará e se deparou também com “cabras da peste”.

 

Há quatro anos, quando Mangualde estudava um plano B de vida e decidiu investir no ramo da moda, não houve dúvida ao escolher Cabra como nome para a oficina. À medida que seus estudos em camisaria foram avançando, a marca ganhou corpo e se tornou um meio-termo entre o varejo e a alfaiataria. “A forma de fabricação é personalizada para o cliente, mas o jeito de construir a roupa é como uma fábrica”, explica. “Gosto de como as peças eram antigamente e do tipo de máquina que usavam. Tenho um maquinário do pós-guerra, dos anos 1930, que tive de desmontar e restaurar.”

 

Modelo veste peças da Cabra

Peças da Cabra (Rafa Barion)

 

A fábrica de um homem só tem como objetivo resgatar um visual vintage, usando “materiais parrudos” como jeans e sarja. “Uma roupa para a labuta, digamos assim, com bolsos específicos para óculos, relógio, caneta. Para comprar uma vez e durar por muito tempo”, comenta Mangualde. O conceito surgiu de uma necessidade do próprio criador – entusiasta do ciclismo – por roupas práticas, que se mantivessem alinhadas até o fim do dia de trabalho.

 

Daniel Mangualde em sua oficina

Daniel Mangualde em sua oficina (Piero D’Avila)

 

O consumidor da Cabra pode optar por peças padronizadas, disponíveis no site e em pronta-entrega, ou por um produto personalizado. “Converso com o cliente e bolo o produto junto com ele. O prazo de entrega é maior, faço tudo do zero. Crio produtos para trabalhadores, mecânicos, barbeiros… Já fiz roupa até para banda de rock.”

 

A loja nada mais é do que seu lar e sua oficina, cheia de máquinas. O espaço é fechado, é preciso marcar um horário para conhecer, e 80% de suas operações atuais são digitais. Mangualde já comercializou peças até para o outro lado do país. Para ele, que no momento divide seu tempo em uma agência de publicidade,  sua meta é viver 100% da Cabra.

 

The LouLou

 

Exclusividade e personalidade definem a The LouLou, marca de moda feminina criada em 2019 pelas paranaenses Thaise Juriatti e Rafaella Zandavalli. Desde a mão de obra, feita por mulheres da periferia, até os detalhes singulares das peças limitadas, o empoderamento feminino é o tema que norteia a empresa. “Como a gente queria algo muito conceitual, resolvemos olhar para dentro de nós, analisar nossas causas, bandeiras, o modo como vemos o mundo”, conta Thaise.

 

As coleções refletem as identidades de suas criadoras e são idealizadas de forma instintiva. “A gente não trabalha com o calendário da moda convencional, justamente por defender essa questão feminina de se libertar, de ser quem você é, fazer o que quiser e como quiser”, explica Thaise. As linhas, que apresentam de três a cinco produtos, são protagonizadas por peças complementares que, quando misturadas, criam inúmeros looks.

 

As fundadoras da LouLou, Thaise Juriatti e Rafaella Zandavalli

As fundadoras da LouLou, Thaise Juriatti e Rafaella Zandavalli (Divulgação)

 

Com as vendas feitas por e-commerce no Brasil e ponto físico em Milão, o showroom laSantos, a marca também trabalha com peças sob medida, trazendo o quê da sustentabilidade da moda slow. “Como nosso processo é artesanal e trabalhamos com tecidos finos, essa foi a alternativa que pensamos a fim de produzir peças caras de uma forma mais sustentável, focadas em quem realmente as quer”, conta Thaise. Primeiro são criados looks personalizados para as fundadoras e influenciadoras, que são divulgados apenas no Instagram e, para adquiri-los, é preciso entrar em contato.

 

Modelo posa com o blazer Smoking da The LouLou

Modelo posa com o blazer Smoking da The LouLou (Divulgação)

 

Apesar de nova, a empresa tem conquistado uma base de consumidoras fiéis e se consolidado com um forte posicionamento na moda. “Eu sinto que a LouLou não é mais apenas uma loja de roupas, mas de fato uma marca. O feedback que recebemos das clientes é que elas querem ser uma LouLou girl.” Com o crescimento, as cofundadoras sonham em ter um ateliê próprio, para ficar em contato com o produto durante todas as etapas e desenhar o pedido sob encomenda junto às clientes. “Nosso maior objetivo é deixar a LouLou cada vez mais próxima de grandes grifes e seguir o modelo da alta-costura.”

 

OYO For Us

 

A OYO For Us surgiu com o propósito de desenvolver, a partir da moda, um projeto social para atender crianças em situações de vulnerabilidade e com doenças oculares. Fundada em 2019 pela empresária Helena Augusta, a marca vende óculos para todas as idades. Além dos acessórios, a empresa oferece um serviço de ótica virtual. “Basta escolher o modelo no site, enviar a receita e receber o produto pronto”, explica a fundadora.

 

A fundadora da OYO For Us, Helena Augusta

A fundadora da OYO For Us, Helena Augusta (Divulgação)

 

Feitos de acetato italiano, os óculos da marca têm design atemporal e uma grande variedade de cores. Um exemplo disso é a coleção Tom, lançada no mês de março e desenvolvida para diferentes tons de pele. São oito variações, desde o bege rosado até o marrom escuro. Cada tonalidade teve como inspiração uma personalidade, entre elas o cantor Seu Jorge. “Nós também tivemos o apoio de uma consultora cultural para que pudéssemos abordar o assunto. A OYO não é uma marca ativista, mas está dentro desse contexto ao idealizar uma coleção como essa”, conta Helena.

 

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A marca criou, logo em seu início, o projeto “OYO no Olho”, idealizado pela oftalmologista Lúcia Passos, que estabeleceu um programa de doação às instituições focadas em crianças – para cada óculos vendidos, uma armação era doada. No ano passado, o programa foi reformulado para oferecer um serviço completo de triagem, consulta e recebimento dos óculos e passou a se chamar “Adote Uma Visão”. “Nós percebemos que não adiantava doar apenas uma armação. Se a criança está numa situação de vulnerabilidade, ela não terá dinheiro para ir ao oftalmologista ou fazer a lente”, explica Helena. No dia 8 de outubro de 2020 (Dia Mundial da Visão), a equipe da OYO foi até a Unibes (União Brasileiro Israelita do Bem Estar Social) e promoveu 450 atendimentos.

 

Seu Jorge posa com óculos da coleção Tom

Seu Jorge posa com óculos da coleção Tom (Divulgação)

 

Muito além da atração pelo produto, os clientes da marca se encantam e se fidelizam quando descobrem o programa social por trás. “Quem compra nosso produto faz parte do projeto.” O propósito da marca é o que a sustenta e, para o futuro, o objetivo é criar o Instituto Oyo For Us. 

 

Por Laís Campos e Mattheus Goto

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