Um roteiro de trem pela Suíça

Sobre trilhos, é possível conhecer Zurique, Lucerna, Interlaken e Genebra. O resultado é uma Suíça com paisagens, atrações e culturas diversas

O suave balanço de trem e a breve jornada de menos de 20 minutos entre o movimentado aeroporto de Zurique e o centro da cidade ditariam como seria a jornada de cerca de 600 km e seis dias na terra dos chocolates e relógios. Suíça é caminho de cerca de 130 mil brasileiros todos os anos, que partem em voos diretos de São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, apenas 20% deles permanecem por lá. O restante segue viagem para demais destinos da Europa e do mundo.

 

Com uma área menor que a do estado do Espírito Santo, mas com paisagens extremamente contrastantes, a Suíça é um lugar um tanto inexplorado, mas com nomes bastante comuns em nossa memória. Zurique, Interlaken, Lucerna e Genebra. Ao menos um deles você reconheceu e, caso não tenha estado por lá, junto dele sua memória puxou a visão de um lugar pacato e muito bonito. Mas só metade disso está certo.

 

Zurique tem o poder de surpreender a cada esquina. Nenhum roteiro previamente traçado poderia prever tamanha diversidade encontrada em um único dia. Construída ao redor de ruínas de dois mil anos atrás, à beira do Lago de Zurique e do Rio Limmat, a história deixa sua marca e avança conforme o rio segue seu curso. De igrejas que simbolizam a reforma protestante em meados do século 16, chego a butiques instaladas sob um viaduto centenário desativado. Pouco mais a Oeste, ainda no curso do rio, alcanço o distrito industrial, onde Toni-Areal, de 1976, simboliza a revitalização dessa velha área da cidade. O edifício, que era uma fábrica de laticínios com capacidade de processamento de um milhão de litros por dia, agora abriga a Universidade de Artes e um museu de design.

 

Da beira do lago a Zürich West são pouco mais de três quilômetros. Trajeto que deve ser percorrido com calma em pelo menos três dias. Kunsthaus Zürich, o Museu das Belas Artes da cidade, merece um tempo dedicado. São obras de Warhol a Mondrian e um rico acervo do Impressionismo, do Expressionismo e de outros mestres da pintura. Uma longa tarde de verão pode ser dedicada à Bahnhofstrasse, um dos endereços comerciais mais caros da Europa, com butiques de Burberry a Cartier. Já na região Oeste o hipster-chique dá as caras, com a simbólica flagship da marca de bolsas de lona Freitag, instalada em uma torre de contêineres que se tornou ponto turístico. Dali mesmo, a pé, dá para coroar a visita à cidade de seu ponto urbano mais alto. Prime Tower, com seus 120 metros de altura, faz um convite a jantar com a bela Zurique aos meus pés.

 

SEM LENÇO, COM DOCUMENTO
São duas horas entre Zurique e Interlaken e uma baldeação na capital Berna (todos os itinerários podem ser consultados no aplicativo SBB Mobile), mas nem mesmo as malas preciso carregar. Turistas em visita ao país podem optar pela contratação do serviço “Bagagem porta a porta express”, que permite o traslado dos pertences por mais de 20 destinos suíços, seja a partir de um aeroporto, seja entre dois hotéis de diferentes cidades.

 

Chegar à diminuta Interlaken com as mãos livres permite, de primeira, dar uma olhada nas dezenas de butiques de relógios. No caminho para o hotel, não é surpresa se deparar com um, dois ou muitos parapentes. Menos ainda admirar-se com a imensa área verde usada para eventos e aterrissagens dos diversos esportes radicais em frente ao Victoria Jungfrau, luxuosíssimo hotel no centro da cidade. E bem ali adiante, vossa majestade, o monte Jungfrau, com seus 3.454 metros de altura e seu pico eternamente enfeitado de neve, que pode ser visitado com saídas regulares da mesma estação de trem de desembarque.

 

Como o próprio nome sugere, Interlaken (entre lagos) situa-se entre os lagos de Thun, a Oeste, e Brienz a Leste. Atrai milhares de turistas de idades e perfis variados, seja pela prática de esportes radicais, pelas compras dos sofisticadíssimos relógios em uma das diversas unidades da loja Kirchhofer espalhadas numa mesma rua, ou pelos irrecusáveis tratamentos estéticos e relaxantes do Spa Nescens, dentro do hotel Victoria Jungfrau, com procedimentos específicos para rejuvenescimento.

 

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OLHO NA PAISAGEM
O repouso necessário nos prepara para a próxima etapa. O trem Luzern-Interlaken Express conecta as cidades. O trajeto é especial, pois passa por cinco lagos de água cor esmeralda e sobe íngremes montanhas que exigem até mesmo a ativação da cremalheira. O percurso está incluso no chamado Swiss Travel Pass, passe que permite a locomoção no país em passeios de trem, ônibus e barco, além do transporte público em mais de 90 cidades. E logo noto que ele será necessário em Lucerna. À beira do grande lago que leva o mesmo nome da cidade, a melhor forma de se locomover por lá é usando algumas das dezenas de linhas que a cortam. Assim dá para poupar tempo para ser usado em visita às belas torres que integravam as muralhas da antiga cidade cercada e seguir para o Leão de Lucerna, monumento que homenageia soldados suíços massacrados durante a Revolução Francesa na invasão dos rebeldes ao Palácio das Tulherias, em Paris.

 

De população essencialmente católica, e não protestante, como os demais destinos que visitei, a cidade cresceu ao redor de uma igreja construída no local onde pescadores viam um ponto de luz à beira do lago, diz a lenda. A cidade se desenvolveu ali também como caminho para ligar fluvialmente o Sul ao Norte da Europa. A iluminação à beira do lago tornou- -se atração. Não mais como um sinal divino, mas um chamado aos visitantes. À margem Norte, todas as noites, o Schweizerhof Hotel ilumina cada uma das janelas de suas suítes com uma cor diferente. Na margem Sul, o Centro de Convenções e Cultura da cidade acende em dias de eventos.

 

MARCAS DA HISTÓRIA
Talvez a maior diferença notada tenha acontecido entre Lucerna e Genebra. Da Suíça alemã para a Suíça francesa. Mais que a língua, os contrastes estão nas vestes, nas ruas, nos monumentos. Nas pinturas das igrejas outrora católicas apagadas pelo protestantismo. Em Genebra tudo precisa ser observado mais de perto. A compreensão da história traz uma nova visão da representatividade da cidade. A discrição ganha outro sentido. A riqueza passa a estar nos detalhes.

 

O charme da cidade velha é a cereja do bolo. Das ruas íngremes que partem do chamado Quartier des Banques, região dos bancos na cidade, uma área de vias estreitas e com paralelepípedos. Ao centro, a Catedral de Saint-Pierre ergue-se em sua imponente torre esverdeada. Por dentro, marcas que apresentam vestígios do catolicismo na construção. Por fora, a herança de outros tempos, com traços românicos, góticos e neoclássicos. Degraus de pedra separam as proximidades do altar da torre Norte.

 

Alcanço o topo da torre pouco antes do meio-dia. Do alto, uma visão panorâmica da cidade ensolarada, em 3600 ilumina a alma. O aeroporto, mais ao Norte, lembra que está quase na hora de partir. O famoso Jato d’Água em meio ao Lago Léman, cartão-postal da cidade, remete-me ao que vivi. Ao Sul, a fronteira com a França a poucos quilômetros dali. Os Alpes e o imponente Montblanc, com seus 4.810 metros acima do nível do mar. Quase meio-dia. O badalar dos sinos começa e deverá seguir assim pelos próximos momentos. Fecho os olhos. Agradeço.

 

VIAGEM por Raphael Calles, da Suíça | Matéria publicada na edição 113 da Revista Versatille

 

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