“Uma ideia de colapso”, diz Natalia Borges Polesso sobre A extinção das abelhas
O segundo romance da vencedora do prêmio Jabuti narra o processo de superação dos traumas pessoais da personagem Regina
Cada um tem sua ideia de fim do mundo. Para Regina, a destruição começa com o abandono. Em uma sociedade distópica, pós-pandemia da covid-19, a protagonista de A Extinção das Abelhas, de Natalia Borges Polesso, inicia sua narrativa perdida. Desamparada, sozinha, sem apoio ou proteção de ninguém. Sua mãe deixou-a para ser criada pelo pai, que faleceu quando a garota começava a entrar na vida adulta. As vizinhas Eugênia e Denise, mães de Aline, passam a cuidar de Regina, que continua carregando consigo o peso dessa vivência.
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Um anúncio na Internet promete mudar sua vida: tornar-se modelo de webcam. Aos 40 anos de idade, ela decide tentar a sorte. Cobre o rosto com uma máscara e incorpora uma nova versão sua, expondo seu corpo para desconhecidos na câmera. Mas o tiro sai pela culatra. Ao conhecer desejos e vergonhas de homens do outro lado da tela, Regina se defronta com os próprios demônios. Ela, então, batalha para superar seus traumas e acordar para um novo fim do mundo.
A maestria com a qual Nathalia conduz a narrativa, bem como a delicadeza na escolha das palavras, leva o leitor a um mergulho na mente de Regina. Pensamentos, sentimentos e inseguranças da personagem viram íntimos do espectador, que assiste à protagonista se reerguer. Leia a seguir trechos da entrevista que a escritora, vencedora do prêmio Jabuti, concedeu à Versatille.
Versatille: Quando a literatura entrou em sua vida?
Natalia Borges Polesso: Lembro quando minha avó contava histórias à noite, na época ela chamava de causos. Ficava muito fascinada, queria ouvir toda noite. Meus pais mudaram para outra cidade durante um período, e minha avó me entretia assim. Eu era uma criança muito conversadeira.
V: E a escrita?
NB: Sempre gostei muito de escrever poemas, brincar com as palavras, talvez isso tenha acontecido até antes de me tornar leitora. Até pouco tempo, nunca pensei em seguir a carreira de escritora, sempre fiz coisas paralelamente, trabalhando como professora e tradutora. Viver de escrita no Brasil não é muito simples. Depois que comecei a publicar contos em blogs, fui ganhando coragem e motivação. Hoje posso dizer que vivo da literatura.
V: Teve alguma inspiração para dar vida à obra?
NB: Sempre tenho questões literárias para perseguir. Em A Extinção das Abelhas, foi a ideia de fim do mundo. A sensação angustiante de que, do jeito que estamos vivendo, o mundo vai acabar a qualquer momento. Desastres, crises políticas e acontecimentos caóticos foram me levando à ideia central do livro. Uma ideia de colapso. Fui encontrando o cerne a partir daí, quando entendi que era um livro sobre o colapso. Não só do mundo, como também da nossa visão de mundo, dos nossos desejos.
V: Qual é a mensagem que o livro passa?
NB: É um livro que fala sobre essa angústia que a gente tem vivido e que nem todo colapso vai ser ruim. Algumas coisas precisam colapsar. Modos como entendemos as coisas precisam ser destruídos para que a gente possa começar de novo. Não queria escrever um livro que fosse só triste. Apesar de ser bem pesado, é um livro sobre esperança, recomeço e coletividade. É isso que fica. Algumas coisas têm de colapsar, e nós vamos conseguir ultrapassar os problemas por meio de outras ideias de coletividades.
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V: Como resumiria o livro em poucas palavras?
NB: Essa é uma pergunta difícil, minha editora ficou louca tentando fazer isso. Fiz uma playlist do livro no Spotify e usei uma frase presente em uma obra da artista Vânia Mignone, que é “Nós no último pôr do sol”. Usei “Regina e Guadalupe no último pôr do sol”. Não é uma cena que existe no livro, mas é essa ideia. É um livro em que essas mulheres assistem ao fim do mundo e veem que depois as coisas continuam, que elas precisam estar ali ainda, que elas precisam continuar.
Por Mattheus Goto | Matéria publicada na edição 121 da Versatille