“Se todo mundo se conscientizar podemos mudar muitas vidas”, diz a modelo e capa da Versatille Fernanda Liz

A brasileira discorre sobre os desafios de muitos anos percorrendo passarelas e a dimensão do trabalho solidário em sua vida

Fernanda Liz usa um conjunto Ferragamo (Foto: Gabriel Bertoncel)

Para quem vê de fora, a vida de uma modelo de sucesso pode ser bem glamourosa. Viagens constantes, jantares nos melhores restaurantes, estadias nos hotéis mais confortáveis e a presença de marcas luxuosas em dias comuns. Tudo isso beira o roteiro de filmes que gostamos de romantizar sentados no sofá da sala. Por trás das aparências, há uma vida real, repleta de sonhos, crenças, inseguranças e saudades. Foi essa realidade, sem fantasias hollywoodianas, que a modelo Fernanda Liz nos revelou ao longo da entrevista para a última capa de 2024 da Versatille

 

Vestido Animale

 

Nascida em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Fernanda começou a sua carreira por conta de uma teimosia tipicamente capricorniana – como ela mesma descreve. Fã da telenovela infantil Chiquititas, ela queria tanto fazer parte do elenco que, aos 8 anos, fez com que sua mãe começasse a buscar meios para viabilizar esse sonho. “Ela não conseguiu contato com a produção do programa, mas conheceu um agente que me chamou para participar de um concurso de beleza. Eu ganhei e comecei a fazer comerciais e campanhas”, recorda. Adolescente, aos 14 anos tornou-se parte do time de modelos da Mega Models, e o trabalho ficou mais sério. A partir daí, muitas sessões de fotos, desfiles em passarelas e viagens internacionais – inclusive, viveu por muitos anos em Nova York. 

 

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Após 20 anos de trajetória profissional, hoje ela reflete sobre os aprendizados da carreira e o surgimento de novos sonhos. O que começou com a vontade de ser uma atriz mirim agora é o desejo de conseguir ajudar o próximo a partir de seus privilégios e conquistas. Dedicada ao trabalho voluntário e prestes a abrir sua própria instituição, Fernanda falou sobre as diferentes fases de sua vida.

 

Bata Animale, calça Animale Jeans, sapatilhas Ana Capri e joias Gabriela Susanna

 

Versatille: Quais foram os maiores desafios na carreira de modelo?

Fernanda Liz: O maior desafio sempre foi a preocupação com as medidas. O mercado da moda é muito rígido com isso, e eu sempre fui uma modelo com curvas. No começo, confesso que foi difícil eu entender por que não conseguia chegar às medidas desejadas. Hoje em dia, as coisas melhoraram um pouco por conta dos movimentos que prezam pela diversidade de corpos. Espero que cada vez mais as pessoas percebam que a beleza está no que a gente é, não nos padrões que querem que a gente se encaixe. 

 

V: E como era a sua relação com a autoestima nesse período? 

FL: Sempre tive o apoio da minha família, o que foi muito importante para mim. A pressão mexia comigo, mas eu precisava ter força para não me deixar abalar. Essa garra vinha da minha essência e dos meus valores, e a presença de pessoas que me amavam ajudava a manter a cabeça no lugar. Todo trabalho está sujeito a críticas, mas, quando as modelos são criticadas, o foco não é apenas o trabalho em si, mas sim em seus corpos e aparências. É tudo muito pessoal. Ao longo dos anos, tive que entender que o problema não era eu. Tenho um perfil, e é isso que posso oferecer. Após décadas de carreira, consigo enxergar dessa forma, mas gostaria de voltar no tempo e dizer para a Fernanda de 15 anos que está tudo bem.

 

Vestido Allmost Vintage e saltos Ferragamo

 

V: Qual foi o maior aprendizado na sua trajetória?   

FL: Aprendi a ter muita força, para que nada nem ninguém possa me abalar. Eu me agarro muito ao que eu tenho de melhor para oferecer ao mundo e não solto. Além disso, obviamente, poder viajar e conhecer culturas diferentes é algo que nenhuma outra experiência ensina. Eu valorizo o estudo, mas as viagens nos dão uma bagagem diferenciada. Um presente gigante que o meu trabalho me deu. 

 

V: O que você gosta de estudar? 

FL: No momento, estou fazendo uma graduação em design pela New York Institute of Art & Design. Comecei no meio da pandemia de Covid-19, porque morava em Nova York e confesso que estava assustada nessa época. Eu não sabia se meu trabalho voltaria, porque é algo que nos exige estar sempre em contato com as pessoas, então comecei a tentar me descobrir. Eu focava muito a carreira de modelo e deixava todo o resto um pouco de lado. A pandemia me fez olhar para dentro e pensar no que me trazia alegria além da vida de modelo. Foi a partir disso que comecei a enxergar o mercado de design, que também trabalha muito com o belo e com o senso estético que sempre cultivei na área da moda. Eu me formo no ano que vem e estou muito feliz com tudo o que estou aprendendo. 

 

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V: E como você imagina a sua carreira futuramente? 

FL: Eu gosto muito de deixar as coisas fluírem, então ainda não tenho certeza. O meu trabalho como modelo não é para sempre, e eu penso em outras possibilidades. No momento, estou recebendo alguns convites para estrear como apresentadora – um caminho que acho bem interessante. Também estou muito interessada no terceiro setor. Desde nova, eu sempre me engajei em projetos sociais, mas nesse processo de me descobrir ao longo da pandemia começou a fazer crescer em mim a vontade de investir em um projeto solidário próprio. Quando voltei para o Brasil, no fim de 2023, cheguei com um propósito. Não queria ajudar apenas com doação em dinheiro, mas realmente colocar a mão na massa para criar algo maior. 

 

Calça Animale, blusa Animale Jeans, saltos Alexandre Birmann, brincos Gabriela Susanna

 

V: E o que seria esse “algo maior”? Você já está pondo em prática? 

FL: Em 2025, inicio o meu próprio projeto, o Instituto Criança Feliz, que será focado na arrecadação de dinheiro para organizações que abraçam causas diversas relacionadas à infância. Neste fim de ano, já dei o meu primeiro passo para entender melhor como esse universo funciona. Organizei o evento “A Arte de Doar”, um leilão beneficente que arrecadou 1 milhão de reais – valor 100% destinado a cinco instituições de diferentes partes do Brasil. Foi um sucesso, e eu estou muito feliz por ter encontrado o meu propósito de vida, que é ajudar o próximo. Estou focada nisso e quero usar os meus contatos para fazer o bem. 

 

V: Você acredita que ter tido a oportunidade de viajar o mundo aproximou você ainda mais desse espírito solidário?

FL: Com certeza! Ter morado fora por bastante tempo abriu muito a minha cabeça. A cultura de doação aqui no Brasil é muito ruim, e está mais do que na hora de mudarmos. Temos que conscientizar as pessoas de que vivemos em um mundo em que alguns têm muito, enquanto outros não tem nada. No exterior, eles têm uma cultura de doação maior que a nossa. Quero trazer isso para o Brasil. E não só em leilões, em que as pessoas ajudam, mas recebem algo em troca. Precisamos simplesmente contribuir com o que temos. Se todo mundo se conscientizar, um pouco que seja, podemos mudar muitas vidas. 

 

Vestido Phillippe Plein, saltos Ferragamo e joias Gabriela Susanna

 

V: Qual você acredita ser o caminho para alcançar essa cultura de doação? 

FL: Tem muita gente que vive em uma bolha e não enxerga a realidade. Eu mesma já abracei muitos projetos fora do Brasil até cair na real e me perguntar por que estava fazendo isso apenas lá, sendo que o meu país, de onde eu vim, precisa tanto de apoio. Por isso eu voltei com esse propósito. Minha ideia agora é ativar todos os meus contatos e tentar criar uma rede solidária. Além disso, me interesso tanto pela causa infantil porque enxergo neles a esperança de um futuro diferente, com jovens mais fortes e resilientes. É um processo lento, mas se a gente parasse de olhar apenas para o próprio umbigo haveria um mundo mais justo e com menos desigualdade. Aprendi esses valores com a minha mãe, que sempre se dedicou ao próximo, e nunca os abandonei no meio do caminho.

 

Vestido Animale

 

texto: beatriz calais

edição: giulianna iodice

fotos: gabriel bertoncel

assistente de foto: will horas

direção de arte: marcella fonseca

stylist: eduardo centurion

beleza: christian montenegro

filmmaker: jack lima

studio: cena creators

cerâmicas: konsepta, por
claudia issa

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