Ricardo Almeida: um alfaiate para as mulheres

Com nova fábrica de 8.800 m², Ricardo Almeida cria e cuida de perto de linha de moda feminina para as power women do século 21

Por Eduardo Viveiros | CEO | Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille

Fotografia: Fernando Moraes

 

Ricardo Almeida carrega uma característica que poucos estilistas brasileiros podem se dar ao luxo de ter: é apegado a seu chão de fábrica. Ou fábricas, como é seu caso. À frente de sua marca, que neste ano completa 36 anos, o alfaiate remexe na estrutura de sua produção incessantemente e acaba de se reorganizar para ocupar um espaço de 8.800 metros quadrados no Bom Retiro, região central de São Paulo.

 

Não é a primeira vez que ele exibe seus aposentos industriais. Há quatro anos, fez um desfile logo depois de inaugurar sua nova fábrica, no mesmo bairro, que na época havia saltado de 2.700 para 6.900 metros quadrados. “Quando viemos para cá, pensei que esse espaço ia dar conta por um bom tempo”, brinca ele, andando pelos labirintos que dividem a operação centralizada, da criação ao centro de distribuição, incluindo showroom próprio e todas as etapas da confecção, com mesas de corte computadorizado e maquinário de ponta. “De repente, a gente não cabia mais aqui e tive de ocupar o prédio da frente.”

 

 

Apesar de produzir muita coisa fora da capital – os jeans vêm do Paraguai; as gravatas, da Itália; as camisas polo, do Peru, e os sapatos, de Franca, no interior do Estado –, Almeida não cogita transferir a fabricação de suas peças para fora de São Paulo, como fizeram muitos de seus colegas em busca de custos mais vantajosos. Desfiando porcentagens e cálculos de impostos na ponta da língua, como o empresário experiente que é, deixa claro que poderia ganhar muito mais dinheiro se levasse sua alfaiataria para outros Estados ou até outros países.

 

Mas é nessa hora que o alfaiate, que começou nos anos 1980 produzindo para as poucas marcas masculinas que existiam por aqui, fala mais alto do que o industrial. “Eu faço o que faço por gosto, não necessariamente por grana. Claro que preciso de dinheiro para continuar trabalhando dessa maneira, mas não é o principal”, reflete. “Estou aqui todo dia, não faria sentido mandar a produção para outro lugar.”

 

É dessa gana de botar a mão na massa, aliada à reorganização do novo espaço de fábrica, que Almeida prepara sua nova empreitada: uma linha de alfaiataria para mulheres, que está prestes a sair do forno. Não é a primeira vez que a marca produz roupas para elas, mas agora elas vêm com uma pegada mais luxuosa e sob o olhar direto do próprio Almeida. “Assumi agora o feminino, há seis meses. Estou terminando as modelagens. A ideia é que seja uma alfaiataria chique, com poucos modelos e várias padronagens, para atender uma executiva que não tem onde comprar uma roupa boa.”

 

Além da empreitada pelo guarda-roupa feminino, Almeida prepara uma guinada sutil (mas significativa) na alfaiataria masculina. E está de olho em um público com conta bancária A+. “A gente está voltando às origens. Vamos trabalhar com os tecidos mais premium do mercado. Estou tirando a logomarca dos produtos masculinos, e o feminino vai pelo mesmo caminho. Queremos ficar mais exclusivos”, explica. Vantagem de mercado ele já tem. Investindo em tecidos importados desde a liberação das alfândegas brasileiras na década de 1990, a marca tem exclusividade em toda a América Latina da Loro Piana, clássica tecelagem italiana, incluindo aí a coleção premium Zenit, que é objeto de desejo de qualquer nerd de tecelagem por suas lãs especiais tramadas com mix de cashmere e vicunha. Para as mulheres, tecidos da maison de ultraluxo francesa Hermès entram no mix.

 

A ideia de Almeida é que, em cinco anos, a alfaiataria feminina fature tanto quanto a masculina. Palavras ambiciosas para quem, há pouco mais de uma década, estava muito confortável com apenas duas lojas próprias. A expansão veio no susto. “Quando vi as marcas importadas entrando no mercado, pensei: ‘Se não crescer, vou virar um alfaiate de fundo de quintal’“. Hoje, a marca tem quase duas dúzias de lojas próprias e não vê a concorrência internacional com preocupação. “Se você olhar as lojas, elas trazem para o Brasil os produtos mais baratos que vendem lá fora. E eu tenho a vantagem de conseguir atender um cliente que quer um produto premium com a mesma qualidade, mas a um preço mais convidativo. Um terno que custa € 7.500 mil na Europa (R$ 35 mil), por exemplo, eu vendo por R$ 25 mil. E usando a mesma matéria-prima top.”

 

Em sua sala no Bom Retiro, enquanto disserta sobre tecidos e modelagens, Almeida exibe um quadro com um retrato de Gisele Bündchen no desfile de inverno 2003 da marca, quando ainda ocupava as passarelas do SPFW. A modelo, de chapéu e terno risca-de-giz, é uma das poucas mulheres que ganharam alfaiataria sob medida do estilista em todo esse tempo. “O corpo feminino é um desafio novo para mim, pois é bem mais complicado do que o do homem. Tem a questão dos quadris, dos seios, centenas de variáveis”, explica, à medida que exibe blazers da nova coleção.

 

 

Gisele não foi a única estrela na história de Almeida, que aprendeu a se cercar dos amigos famosos para atrair uma mídia que não nutria, até então, muito interesse por ternos. “Entrei no SPFW pela porta dos fundos, por ser uma marca masculina. Então no primeiro desfile eu já coloquei o Fernando de Barros na passarela. E todo mundo foi porque ele era adorado”, diverte-se, lembrando do saudoso jornalista que foi editor de moda da revista Playboy por 26 anos. “No segundo desfile, chamei o Edson Celulari. No terceiro, já tinha Milton Nascimento, Raul Cortez, Supla. Não era comum colocar gente famosa na passarela, como hoje. Então fui chamando os amigos célebres, e foi dando certo.”

 

Depois que saiu da semana de moda paulistana, Almeida manteve os desfiles-show por conta própria. Quando fez 25 anos de marca, ocupou o Masp com um elenco que ia de Fiuk a Hebe, passando por Roberto Justus e Lulu Santos. Aos 35, com festa para 2 mil pessoas, o casting de amigos/clientes continuou se atualizando – passou a ter nomes como Vintage Culture, jovem DJ de música eletrônica da nova geração das baladas da classe alta.

 

Almeida diz não abrir mão de cuidar também das 800 pessoas que fazem girar suas fábricas e lojas. “A gente se preocupa em garantir que todos tenham um ambiente bom de trabalho”, diz, enquanto caminha pela área de lazer que os funcionários do Bom Retiro têm à disposição. “Gosto de pensar na qualidade de tudo, não só do tecido e do corte, mas da vida também.”

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