Reinaldo Lourenço entrevista a mestra Costanza Pascolato
No seu fantástico apartamento paulistano, a maior ícone fashion do Brasil recebeu o estilista que começou a carreira como seu assistente. Juntos, eles bateram um papo afiado sobre moda, futuro, luxo, sustentabilidade
Hoje considerado um dos maiores estilistas brasileiros, Reinaldo Lourenço deu seus primeiros passos na moda como assistente de Costanza Pascolato, trinta e alguns anos atrás. Viram-se e reviram-se incontáveis vezes desde então. Agora para uma conversa proposta pela VERSATILLE. A ideia era participar das comemorações dos 80 anos da consultora e ícone fashion, que em setembro marcou a data lançando seu quinto livro, A Elegância do Agora, pela Editora Tordesilhas. Por mais piegas que seja dizer isso, quem ganhou o presente fomos nós. E ao ler a conversa a seguir você há de concordar. Reinaldo brilha, também, como entrevistador. Costanza… Bem, não à toa, ela é unanimidade.
Reinaldo Lourenço: O que te dá prazer fazer hoje?
Costanza Pascolato: Viver, né? Porque tenho menos tempo. Tento evitar as coisas mais chatas e procuro estar com meus netos [Allegra e Cosimo] e minhas filhas [Consuelo e Alessandra], sabe? Neto é uma coisa legal.
RL: Qual é a diferença do luxo dos anos 1950 para hoje?
CP: É muito simples: no pós-guerra a democracia estava sendo reconstruída como um todo, mas era muito elitista. O luxo era raro e caro. Hoje o que existe é só caro. Não tem mais luxo. Está tudo espalhado. Uma coisa cara é luxuosa?
RL: Talvez luxo seja até ter tempo, né?
CP: Com certeza [risos]. Eu, então, já sei que esse é o máximo do luxo que vou ter, porque tenho muito menos tempo para viver.
RL: Não fala isso!
CP: Mas eu penso nisso.
RL: Ah, não! As pessoas hoje morrem com cento e poucos anos.
CP: Mas sabe Deus de que jeito. Quero viver assim, ativa, o máximo possível. Estou fazendo meditação há três anos todos os dias. Comecei em 2001, in and out, in and out, porque sei que a gente tem que se preparar.
RL: Vamos falar de moda. O que é novo hoje?
CP: Duas coisas são interessantes. Uma é a criação de nicho. Grupos menores que pensam do mesmo jeito. Isso vai aumentar e as empresas monumentais vão acabar. A outra é que homens e mulheres vão se vestir cada vez mais próximos, sem gênero.
RL: Qual é sua década preferida na moda?
CP: Gostei muito daquele período que a gente viveu juntos, na década de 1980. Conhecemos a moulage e o desestruturado, duas coisas que aconteceram com a invasão de Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto, depois os belgas foram na cola deles. É uma coisa mais intelectual, que não é o público de hoje. Atualmente quem compra bastante moda é emergente. E eles não tem cultura. Não estou xingando ninguém, mas emergente é novo, vai ter que aprender.
RL: Como define esta década que a gente está vivendo?
CP: Fica muito claro que a gente está numa aceleração brutal. O fato de imagens e notícias voarem nessa rapidez e quantidade fez com que a gente acelerasse também. Meus netos falam em uma velocidade que às vezes tenho dificuldade para acompanhar. Tem muito mais gente no mundo, e não sei se existe tanto espaço mais.
RL: Qual estilista foi mais importante para você?
CP: Os que me fizeram entender a moda. O primeiro foi Balenciaga. Sempre gostei das formas arquiteturais em volta do corpo. Em vez de só vestir ou enfeitar, ele usou uma técnica da nobreza dos séculos passados para impor um certo poder. Ele inclusive vestia o pessoal mais velho da aristocracia espanhola. Eram mulheres que não tinham pescoço. Ele fazia com que estivessem algo entre o poder e o religioso, longe do sexy. O segundo foi Yves Saint Laurent, que pegou a ideia do masculino da Chanel, que foi uma esperta também.
RL: Como vê o consumo da moda no futuro?
CP: As casas estão diminuindo. As pessoas querem mudar de cara, mas não terão onde guardar suas roupas. Estou me achando antiquada, porque não quero jogar algumas coisas fora. As pessoas vão começar a alugar roupas por uma semana, daí devolvem, levam outras coisas.
RL: E essa onda sustentável vai mudar a forma de consumir?
CP: A tendência é ter essa vontade. Mas você sabe muito bem qual é a profundidade dos problemas industriais. Vai mudar tudo assim? A gente vai entrar num buracão se a natureza não for preservada, certo? Todo mundo vai atrás dessa ideia, mas está tudo montado em cima de uma estrutura industrial. O plástico só foi inventado nos anos 1960, que foi ontem!
RL: Você mudou o jeito de consumir, ecologicamente falando?
CP: Ecologicamente, só a minha idade [risos]. Você começa a ter menos necessidade de coisas. Uso o meu próprio vintage, que eu adoro.
RL: E você tem acervo, um corpo! O mesmo de quando te conheci.
CP: Não, Reinaldo, estou meio torta, fui ficando na diagonal. As roupas cabem, mas não podem marcar a cintura. Ela foi para algum lugar que não conheço.
RL: Por que só existe a Costanza como ícone fashion?
CP: Ai quem disse? Eu não me vejo assim. Sou aquela que está aí há um tempão e as pessoas gostam porque eu sou educada. That’s all.
RL: Acho que não é isso… Cultura é uma coisa que conta muito.
CP: Continuo me informando. Para escrever sobre a influência das mídias sociais na moda fui atrás de papers de faculdades americanas, para não falar coisa errada.
RL: Você sempre foi muito curiosa. Acho que esse é o segredo.
CP: É, acho que é. Vi um seriado dinamarquês… Não estava nem olhando direito, mas teve uma cena de um senhor com uma menina de uns 12 anos perguntando, perguntando. Aí ela diz: “Mas vovô, por que eu quero saber tanta coisa?” Ele responde: “Muito simples. Curiosidade também é amor”. Não é bonitinho?
RL: Lindo. Eu também fui uma pessoa curiosa.
CP: Foi nada! Você é.
RL: Como você vê a minha trajetória desde que eu era seu assistente?
CP: Você é uma das poucas marcas que sobreviveram, dentro da bagunça que é essa coisa brasileira. Estamos sofrendo o que todos sofrem, mas sem a estrutura de outros países. Mas, mais do que isso, você tem uma personalidade. Você é o cara mais convidado de São Paulo, que conhece mais gente, mais grupos.
RL: Que conselho daria a um jovem estilista?
CP: Estude, aprenda, leia, olhe o que é o mercado e não tenha medo de chamar outra pessoa para ajudar. O Dries Van Noten acabou de chamar o Christian Lacroix para fazer uma collab. Um minimalista que quis a coragem e a liberdade barroca do outro.
RL: A moda tem idade? Você deixou de usar alguma roupa?
CP: Minissaia, né? E o shortinho, que usei com meia preta por décadas! Estava com a perna boa. Ainda estou, mas… Outro dia vesti uma minissaia com meia, olhei no espelho, e disse: “Como está bom ainda!”, aí olhei para o rosto… [risos] “Você está louca? Sair desse jeito, fantasiada.” O corpo se modifica.
RL: A moda era ditada pelas grandes editoras. Hoje, pelas influenciadoras. A informação de moda foi banalizada?
CP: Acho a moda importante, anyway. Tive a sorte e o privilégio de viver este período, que talvez seja o mais interessante da história recente do mundo, porque nunca se mudou tanto em tão pouco tempo, a ponto de eu conseguir ver claramente essa mudança – e você, que é uma criança, perto de mim, também viu. Eram grupos mais fechados; as editoras de moda tinham poder em revistas elitistas, que só ficaram democráticas nos anos 1970. Antes as mulheres seguiam as atrizes, as novelas. Agora, com a internet, elas têm o espelho daquilo que querem ser na rede social e podem escolher: “gosto desta, pois sou parecida com esta”. Fazem o cabelo, a maquiagem, quiçá plástica, para ficarem iguais a elas. Sabe, tenho estudado esse negócio, que me apavora, que é a questão do filtro de imagens. Elas se veem no filtro e vão ao médico, mostram a foto e dizem: “quero ficar assim”. Meu amor… Elas vão crescer. E o rosto vai ficar como? Mas, como a moda, isso uma hora vai passar.
RL: Ter uma mãe forte como a D. Gabriella foi importante?
CP: De origem, não sou nem um pouco parecida com ela. Eu era sonhadora, ela era a pessoa mais prática que já vi na vida. A que mais tinha força de vontade.
RL: Em determinação, vocês não são parecidas?
CP: Sim, mas não sabia o quanto isso estava próximo do que minha mãe foi. Para mim, ela era um exemplo absoluto. Sempre a achei maravilhosa. Desde pequenininha eu ficava ali, observando. Porque ela não só trabalhava como contava o que tinha vontade de fazer. A fábrica foi montada, começou, foi um sucesso, depois pegou fogo. E ela: “Agora é que eu vou!” E recomeçou tudo!
RL: Suas filhas estão escrevendo um livro sobre ela, não?
CP: Chama-se O Fio da Trama. Foi uma ideia da Alessandra, que escreve superbem, e tem a autoria da Consuelo também. E uma participação pequena dos meus diários. Alessandra visitava muito o meu pai e a minha mãe. Um dia ela perguntou à avó o que eram uns tais volumes que encontrou numa dessas visitas e minha mãe mostrou seus diários, que ela escreveu dos 17 anos até 1948, pouco depois de fundar a Santaconstancia. Ela escreveu todos os dias, sobre como ela queria se independer, estudar, entrar na faculdade – mas não podia, porque era mulher. Então ela se casou com o meu pai, que era filho do diretor da Ca’ Foscari, faculdade de Veneza, em que se formou, pouco antes de eu nascer, em Ciências Sociais e Religiões Comparadas. Também fez inglês em Cambridge. Mamãe era fantástica!
EDIÇÃO Milene Chaves | FOTOS Fernando Moraes | Matéria publicada na edição 113 da Revista Versatille