“Quero que o que escrevo seja uma máquina de comover”, diz Micheliny Verunschk, autora do premiado “O Som do Rugido da Onça”

Micheliny Verunschk relata suas motivações por trás da obra que garantiu a ela o Prêmio Jabuti e o Prêmio Oceanos em 2022

Micheliny Verunschk (Foto: Divulgação)

“Uaara-Iñe-e! falou a Onça Grande com sua voz muito antiga. E num instante muito rápido onça era menina, e menina era onça.”

 

Quanto mais você se aprofunda na literatura contemporânea brasileira, maior é o desejo de estar imersa nela. Ler obras de autores nacionais sempre traz um sentimento de pertencimento. Com O Som do Rugido da Onça, de Micheliny Verunschk (50), a sensação não é diferente. O livro não só abraça o Brasil como também escancara que há mais sobre o nosso país e nossa cultura que merecem atenção.

 

A historiadora pernambucana conquistou o Prêmio Jabuti e o Prêmio Oceanos no último ano com uma história inspirada no rapto das crianças indígenas Iñe-e e Juri, em 1820. A obra não segue os relatórios dos pesquisadores Spix e Martius, que os levaram para a Europa, mas se propõe a dar voz aos pequenos tirados de sua terra. 

 

(Reprodução)

 

 

“Escrevo porque preciso, porque desejo que as pessoas leiam, acreditem e se comovam. Quero que o que escrevo seja uma máquina de comover”, afirma a autora à Versatille. “Eu me senti impelida a contar essa história de pequenos indígenas sequestrados em nome da ciência, mas também não pude deixar de me sentir enredada pelas imagens dessas crianças que vi em uma exposição.”

 

Confira a entrevista a seguir.

 

Versatille: Por que e quando você começou a escrever?

 

Micheliny Verunschk: Comecei a escrever ainda criança. Meu primeiro poema foi escrito aos 10 anos, mas meu pai, pouco antes de morrer, enviou um caderno meu no qual há algumas narrativas em prosa, romances iniciados. Acredito que essas narrativas são um pouco anteriores. Comecei a escrever porque sempre fui uma leitora compulsiva e, em algum momento, pensei que, se outras pessoas escreviam, eu poderia também.

 

V: Seu trabalho como historiadora influenciou você a escrever O Som do Rugido da Onça?

 

MV: Sem dúvida. Tenho uma trilogia histórica, a que chamo de Trilogia Infernal, que é anterior a O Som do Rugido da Onça, e penso, hoje, que a ficção é uma forma de exercício da historiadora que sou. 

 

V: Como foi a imersão na história de Iñe-e, Juri, Spix e Martius?

 

MV: Essa foi a história mais exigente com a qual me envolvi até hoje. Quando comecei a pesquisar, não havia muitos detalhes disponíveis sobre o que aconteceu às crianças antes ou depois que foram levadas do Brasil. Sobre Spix e Martius, paira essa aura de “heróis civilizatórios”, mas também eram poucos os registros desse episódio lamentável. Então foi uma pesquisa exaustiva, procurando indícios, vestígios, movendo pessoas, como a escritora e tradutora brasileira Marcia Huber, que mora em Munique [destino das crianças], que foi encontrando documentos da passagem deles por lá. Mas isso foi apenas uma parte da pesquisa, porque precisei também me acercar das cosmologias originárias para escrever uma narrativa que não parte dos “heróis oficiais”, mas da perspectiva daqueles que foram vencidos e saqueados.

 

V: Podemos dizer que Josefa é inspirada em você?

 

MV: Emprestei para Josefa aquele meu olhar inicial, de perplexidade diante do fato de que crianças indígenas foram roubadas e levadas para a Europa para o entretenimento de uma corte. No entanto, construí essa personagem como uma metáfora desse Brasil que não apenas desconhece, mas nega, suas origens indígenas. 

 

V: Como foi ganhar o Prêmio Jabuti e o Prêmio Oceanos em 2022?

 

MV: Foi uma alegria que ainda repercute. Quando escrevo, nunca imagino aonde o livro vai chegar além do leitor. Das coisas mais emocionantes foi ver a torcida não apenas dos leitores, mas de muitos amigos escritores pelo livro. E isso é muito bonito, muito forte. A literatura contemporânea brasileira vive hoje um momento muito interessante, com clubes de livro, feiras literárias e outras iniciativas que põem autores nacionais no centro das discussões. Então esses prêmios ajudam a fomentar essa curiosidade, esse apreço. Na minha opinião, quando um ganha, todos ganham. 

 

V: Você tem algum novo projeto em andamento? Se sim, pode falar um pouco sobre ele?

 

MV: Tenho um livro de contos que saiu ano passado, Desmoronamentos (Martelo Casa Editorial) e neste momento o meu novo romance, Caminhando com os Mortos, está em pré-venda. Esse romance conta a história, em várias camadas, de uma família que, depois de um trágico acontecimento do passado, se desacerta ainda mais quando uma igreja evangélica é construída na comunidade onde vive. É uma história sobre intolerância, feminicídios e deserção.

 

Por Marcella Fonseca | Matéria publicada na edição 130 da Versatille

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