Por que está na hora de você se desligar das redes sociais
Questão de saúde mental: para ver e ouvir a si mesmo é importante ter um tempo sem se anestesiar com o que é do outro, explica nossa colunista Thais Roque
Nossa vida basicamente acontece nas telas (e por meio delas). Não é raro presenciar amigos reunidos em uma mesa e, em determinado momento, todos estarem com seus olhos voltados para o celular. Nossas compras de mercado, música, notícias do dia e até mesmo confessionários virtuais podem ser acessados através de nossos aparelhos. Maravilhoso, não é mesmo? Eu também achava que sim, até conhecer o trabalho do professor Cal Newport, da Universidade de Georgetown.
O pesquisador explica que redes sociais funcionam como máquinas de cassino. Hoje, algumas empresas de marketing têm profissionais chamados engenheiros de atenção, cuja missão é criar e estruturar os conteúdos mais atraentes e viciantes possíveis, com isso ganhando o máximo de engajamento e informação, com base em técnicas usadas em cassinos de Las Vegas.
Sua linha do tempo (timeline) disponibiliza o que há de mais atraente em sua rede para que se mantenha ali por horas. Já ouviu falar que vemos apenas 7% dos posts de quem seguimos? Isso ocorre porque os desenvolvedores não querem que o aplicativo pareça desinteressante e você se desconecte. Daí, os posts mais curtidos e comentados entre as pessoas de sua rede vão aparecendo para cada vez mais gente, fazendo com que fique ali absorvendo informações sem ver o tempo passar. Assim, eles começam a mapear seus dados para vendê-los, mas falarei da venda de suas informações mais adiante. Vamos primeiro a como isso afeta seu físico e emocional.
TODO MUNDO SEM FOCO
As redes sociais são desenhadas para fragmentar sua atenção. Conteúdo em formato de vídeo, fotos com fácil engajamento e textos curtos (Twitter, por exemplo) são disponibilizados para que absorva rapidamente uma informação sem ter muito trabalho – e, claro, sem pensar também.
No longo prazo, segundo alguns pesquisadores, isso tende a “destreinar” nossa capacidade de focar numa coisa só. Acabamos apresentando dificuldade para fazer um trabalho que exija mais profundidade, demoramos para escrever uma boa tese ou evitamos a leitura de um livro. Quanto mais você se conecta às redes, mais seu cérebro desacostuma de fazer qualquer atividade que exija sua atenção por muito tempo.
Algumas pessoas literalmente ganham dinheiro com suas redes sociais, vendendo posts e conteúdo. Mesmo nesses casos, questiono: quanto tempo você passa produzindo material e quanto tempo passa observando conteúdo alheio? Kim Kardashian, celebridade e influenciadora americana que cobra valores entre US$ 300 mil e US$ 500 mil por post, contou que não fica mais de 30 minutos por dia em suas redes sociais. Recentemente, parou de seguir todas as pessoas de sua lista, mantendo apenas familiares e suas marcas próprias. Se seu negócio tem um diferencial claro, o mercado saberá dele. Lembre-se de que ícones como Pelé e Ayrton Senna ganharam o mundo em tempos que redes sociais nem sonhavam em existir.
O PROBLEMA É QUE NÃO SOU BOM O SUFICIENTE
Quantas vezes já sentiu que não era bom o suficiente ao se comparar com uma pessoa que segue em redes sociais? Vou refazer a pergunta, adicionando uma informação: quantas vezes sentiu que não era bom o suficiente após olhar um conteúdo escolhido a dedo para ser compartilhado por uma pessoa que segue em redes sociais?
Professores de faculdades como MIT e Harvard relatam que o nível de ansiedade e depressão nunca esteve tão presente nos campi como em tempos de redes sociais, assim como a sensação de solidão. O que os aplicativos ganham com isso? Dados. Sim, os que mencionei no início do texto. Além dos posts patrocinados, empresas como Facebook (que engloba Instagram e WhatsApp) ganham muito dinheiro vendendo seus olhos. Os seus, leitor. Isso aí.
Numa era em que atenção vale ouro, quem tem a chance de colocar publicidade bem no seu rosto fatura alto. Nesse caso, ainda tem o fato de serem anúncios criados de maneira cada vez mais sob medida, elaborados a partir de – adivinhe! – dados que você mesmo fornece. Do local onde mora ao endereço de trabalho, da preferência por essa ou aquela cor ao apreço por determinadas marcas. Até posicionamento político. Tudo com base em posts, curtidas, compartilhamentos ou pela localização de seu celular. Portanto, ao criar uma curadoria do que tem de melhor em sua rede, mais informações seus usuários fornecem sem nem perceber.
Conversei com um advogado especialista em vazamento de dados on-line, que mencionou que grande parte das pessoas alega não ver problema em ter suas informações monitoradas “por não ter nada a esconder”. E se você soubesse que parte de suas opiniões está sendo formada por um filtro que foi criado por empresas de marketing muito bem pagas? Perder o livre-arbítrio on-line parece impossível?
No documentário Privacidade Hackeada, lançado recentemente pela Netflix, acompanhamos o processo em que Mark Zuckerberg (leia-se Facebook) assume publicamente ter vendido os dados de seus usuários à empresa Cambridge Analytica, que foi responsável pela campanha presidencial de Donald Trump, em 2016. Vídeos e posts criticando a oposição eram constantemente mostrados aos usuários mapeados como indecisos quanto a sua posição política. Uma das antigas funcionárias da extinta empresa foi a público alegar que não existirão mais eleições imparciais enquanto esse formato de serviço estiver disponível, o que nos faz entender a seriedade do caso.
O QUE FAZER COM TUDO ISSO?
Comece com um pequeno exercício por dia: em vez de se desconectar 100%, tente se reconectar com você. Compre um pequeno caderno e use-o diariamente para escrever sobre seus pensamentos, questionamentos e planos. Sabe o que costuma desabafar com amigos via WhatsApp? Faça isso no papel e veja o fluxo de pensamento fluir. Entenda que, se resolver mudar seu relacionamento com a tecnologia, você precisa encarar os fatos de frente.
Se for usuário de iPhone, acesse: Ajustes > Tempo de Uso > Ver todas as atividades > Ativação. Veja um gráfico com um número grande, que significa quantas vezes você segura seu telefone por dia. Algumas pessoas relatam que esse número é superior a 200 por dia.
Como qualquer vício, os sintomas de abstinência são semelhantes: ansiedade, não saber o que fazer para se entreter e até mesmo Fomo (do inglês fear of missing out: medo de ficar de fora, perder algo importante ou muito bom). Depois do desafio inicial, saiba que sua produtividade aumenta, sua concentração melhora e crises de ansiedade tendem a deixar de existir. A vida pode se tornar bem tranquila e sua qualidade de vida, ir às alturas.
A tecnologia tem muitos pontos positivos, porém seus danos podem ser permanentes em uma sociedade que não a entende como um possível vício. Para ver e ouvir a si mesmo, é importante ter um tempo sem se anestesiar com o que é do outro.
DETOX DIGITAL por Thais Roque, especialista em carreiras | Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille