Por que a bolsa Birkin é tão desejada?

A bolsa icônica da Hermès, que já se valorizou em nada menos que 500%, chega aos 35 anos com status de investimento e batendo recordes em leilões de luxo

O começo da história é bem conhecido: A atriz e cantora Jane Birkin ganhou um upgrade num voo e se sentou ao lado de Jean-Louis Dumas, presidente da Hermès. Tentando encaixar sua inseparável sacola nos compartimentos da cabine do avião, derrubou todos os seus pertences e resmungou sobre sua dificuldade de achar uma bolsa de couro que a agradasse e fosse grande o suficiente – tanto para seus objetos do dia a dia quanto para as mamadeiras da filha mais nova. Dali veio o estalo para que o executivo lançasse uma peça criada justamente para atender a essa demanda, muito apropriadamente batizada com o sobrenome da musa inspiradora incidental.

 

Isso lá em 1984, época em que a maison francesa não era o grande poder do luxo que conhecemos atualmente. Vinda de uma história familiar que começou ao redor de estábulos de cavalos, produzindo selarias, estribos e afins, a empresa chegou mal das pernas ao final dos anos 1970.

 

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Foi quando Dumas assumiu o comando e começou a construir a marca como é hoje, com os clássicos carrés, lenços estampados feitos de seda, e os itens de couro, além de apostar as fichas na linha de roupas e na passarela do prêt-à-porter, que teria seu ápice com Jean Paul Gaultier na primeira década dos anos 2000.

 

É inegável o efeito Birkin na criação de uma aura cool para a Hermès e o rejuvenescimento de seu público. Curiosamente inventada como uma bolsa para facilitar a vida de uma mãe, rapidamente se transformou em item de desejo. Por um motivo muito simples: a bichinha é quase impossível de comprar, se você não souber o caminho das pedras. Sua história de fama é uma combinação perfeita da exclusividade reclusa do mundo do ultraluxo, que andava a passos largos nas décadas de 1980 e 1990, embalada pela curiosidade crescente e inevitável do grande público por algo tão secreto.

 

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Quem tinha acesso eram as celebridades, divas do cinema ou os super-ricos. E as pessoas normais? Bom, elas que esperassem. E muito. Como tudo o que vira objeto de desejo, a receita para se manter cobiçada reside na escassez. Por ser feita à mão, num processo artesanal extremamente minucioso e rigoroso – a qualidade do acessório é outra razão de seu sucesso –, rapidamente passou a existir mais gente a fim de comprar uma Birkin do que Birkins à espera de uma dona. Há quem garanta que esperou dois anos para comprar a sua, outros estimam a fila em cinco anos, além dos que garantem que isso é mito. É o tipo de conto fashionista que a marca não se preocupa em desmentir. O storytelling do marketing involuntário é muito mais saboroso.

 

 

Hoje o processo não é tão complicado e cada país tem suas regras específicas. Claro que ainda há as lendas – e é divertido falar delas! – como a do cofre em Dubai com meia dúzia de bolsas separadas para pronta entrega, caso você seja “a pessoa certa” (ou tiver a sorte de conhecê-la).

 

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Mas em ambientes mais acessíveis, como Paris, você só precisa de um smartphone – e agendar pelo seu navegador, com o número de passaporte nas mãos, um appoint um consultor. Fácil como se marcasse um compromisso no Poupatempo, porém na loja da Hermès da rue du Faubourg Saint-Honoré. Os preços partem de 7 mil euros.

 

No Brasil, a restrição é maior. Os vendedores recebem todos com um sorriso, mas na Hermès de São Paulo não aceitam encomendas. Tal regalia está reservada a “clientes que já prestigiam a marca”, um eufemismo muito do chique para “clientes que compram bem”. Se você não é um deles, pode deixar o seu pedido anotado e esperar que haja uma desistência na lista ou quiçá surja uma bolsa que atenda aos seus desejos. Mas vai precisar de um exercício de paciência, já que os prazos são imprevisíveis. Foi no endereço inaugurado em São Paulo em 2009 que, segundo se noticiou à época, foram vendidos três modelos de pele de crocodilo pelo preço de R$ 120 mil cada.

 

Tanto mistério em cima de uma sacola de couro transformou a Birkin em uma opção de investimento – algo que nem a imagem de Kim Kardashian usando a sua como sacola de academia conseguiu arranhar. Estudo de uma consultoria especializada no universo de acessórios de luxo mostrou que, em 35 anos, o valor de uma Birkin acumulou valorização de quase 500% – variação superior à do ouro, por exemplo. E esse potencial de crescimento se multiplica conforme o quão diferentes são as peças. Já que são feitas sob encomenda e ao bel-prazer do cliente, elas podem vir em uma infinidade de combinações, com matérias-primas que vão de couros exóticos a metais valiosos no lugar das ferragens tradicionais.

 

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Esse movimento alimentou públicos completamente diferentes ao longo das décadas. Em um extremo, as falsificações que atendem ao desejo de quem não vai pagar quatro dígitos por uma bolsa, mas gosta do design. Essa produção teve um boom, acredite, por causa de um episódio de Sex and the City, em 2001, que mostrava a personagem Samantha usando o nome da atriz Lucy Liu para furar a fila da Birkin. Se nem ela – que, como as amigas de série, usava as melhores grifes do mundo em cena –, conseguia uma é porque era coisa séria. Resultado: o folclore em torno do acessório ganhou uma nova geração de apreciadores, ainda que se limitem a buscar “Birkin fake boa” no pirata de confiança mais próximo.

 

Na outra ponta, estão os colecionadores e endinheirados que usam as peças como investimento – monetário ou de status. Reza a lenda que Victoria Beckham tem uma ou duas centenas de bolsas guardadas. Vamos voltar um pouco o texto para dizer, separando as sílabas: CEN-TE-NAS. Por outro lado, os leilões fazem os preços alcançarem patamares astronômicos. Em 2015, uma versão feita com couro de crocodilo tingido de rosa foi vendida por US$ 223 mil. Um recorde, batido neste ano por Dave Oancea, uma figura emergente de Las Vegas, que desembolsou US$ 500 mil por um modelo raríssimo, o Himalaya: feito com couro de crocodilos albinos e adornado por cerca de 250 diamantes, além dos detalhes de ouro.

 

Tanta notoriedade não deixaria a bolsa passar incólume, sobretudo numa era em que o mercado de luxo tem sido questionado mundialmente por questões de sustentabilidade. A própria Jane Birkin chegou a pedir que a marca parasse de usar seu nome devido a denúncias sobre a procedência do couro de crocodilo. Depois se entenderam, e a marca lançou uma versão de couro de vaca com tingimento natural, ligeiramente mais consciente.

 

Outro aspecto que vem transformando o cenário é o mercado de “resvale”, cada vez mais forte na moda, seja por motivos ambientais, seja por fugir do antiquado modelo de leilão. E-commerces mundiais como a Farfetch, já abrem espaço para vendas de segunda mão. Mas há também sites especializados em produtos da casa francesa, como o Privé Porter, que prometem pronta entrega de Birkins das mais variadas e vendem pelo Instagram – algo totalmente impensável ao mundo do luxo de 30 anos atrás e que deve dar arrepios nos fãs mais conservadores da maison. Samantha Jones não precisaria passar por aperto hoje em dia, pensando bem.

 

MODA por Eduardo Viveiros | Matéria publicada na edição 113 da Revista Versatille

 

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