“Por mim, fico no palco até morrer”: Claudia Raia, a estrela dos 20 anos de Versatille

Atriz, Cantora, Dançarina, Produtora, esposa e mãe: Claudia Raia, sempre múltipla, fala sobre carreira, vida e tudo o que aconteceu ao longo de seus 52 anos

Claudia Raia, disciplinada e organizada que é, já definiu todos os detalhes de seu funeral – calma, é coisa para daqui a pelo menos quatro décadas, pessoal! Não vamos estragar a surpresa, assim você lê o texto inteiro a seguir. E porque a ideia aqui é ilustrar o quanto a artista mantém nas mãos as rédeas de sua própria trajetória. Mesmo o imponderável ela quer dar um jeito de, dentro do possível, deixar rascunhado.

 

Sempre foi assim. E grande parte da história profissional que ela escreve há quase quatro décadas teve como matérias-primas a disciplina da dança, a determinação de ferro e o autoconhecimento dos próprios limites. Houve momentos em que esteve próxima de outras atrizes, cantoras ou dançarinas mais talentosas, por certo. E muitas ficaram na poeira dela, que nunca se deixou vencer por isso. Pelo contrário. Sua regra é entregar ao público a melhor versão de si mesma.

 

Aliás, essa maneira de encarar a carreira é a que muita gente busca hoje, não só no meio artístico. Quantas pessoas você já viu dizer, recentemente, que tentam ser a melhor versão de si mesmas? É apenas um dos aspectos em que Claudia saiu na frente. Hoje as pessoas querem ser múltiplas – da arquiteta que faz doces deliciosos ao engenheiro que é piloto de corrida, passando pela bióloga que também dá aula de ioga. Ela sempre foi várias: atriz, cantora, dançarina, produtora.

 

 

Agora, palestrante. Quando a gente achava que já tinha visto todo tipo de Claudia Raia num palco, ela se reinventou mais uma vez, com uma bem-sucedida (claro!) palestra sobre empoderamento feminino. Só em Fortaleza, falou para 10 mil mulheres. Também criou um programa no IGTV, do Instagram, chamado 50 e Tantas, no qual divide suas experiências e vivências com o humor e o charme de sempre.

 

Tudo isso enquanto fazia a recém-terminada novela Verão 90 e ensaiava o musical Conserto para Dois (é com S mesmo, não se assuste), que acaba de estrear. No espetáculo, é dirigida e divide a cena com o marido, Jarbas Homem de Mello.

 

Cada um faz vários personagens. E a turnê deve passar por sete cidades ainda em 2019. No ano que vem, segue para Lisboa, Norte e Nordeste do Brasil e São Paulo. Com dez horas diárias de ensaio, ela dedicou um sábado para se encontrar com a VERSATILLE. Assim nasceram as imagens e o texto com o qual celebramos os 20 anos da revista.

 

 

VERSATILLE: O que a Claudia de 52 tem que é melhor que a de 22?

CLAUDIA RAIA: Nossa Senhora! A de hoje é muito melhor. Com a maturidade, fui tirando os excessos. Ficando do meu tamanho. Agora, não faço mais força para agradar, falo 50% menos e ouço 50% mais. Virar ícone nos anos 80 já mostra que a pessoa tem uma questão aí de volumes exagerados, né?

 

V: E Claudia Raia é sinônimo de volume.

CR: Sempre. Muita gente em volta, muita bagagem… Tudo muito. Mas, com a maturidade, parece que tudo vai para o lugar, embora as pessoas achem que fisicamente acontece justamente o contrário. Acredito que toda idade tem sua beleza, e é nisso que a gente precisa focar.

 

V: No seu caso, chegar bem aos 52 tem a ver com se cuidar bastante, não?

CR: Eu sempre me cuidei muito. Se chegasse em casa às 6h da manhã, só ia dormir depois de tirar cílios e maquiagem. Mas não pensando em longevidade, e sim no quanto era importante tratar bem de mim mesma. Acho sinceramente que fui melhorando com a idade. Hoje vejo fotos minhas dos anos 80, e penso que eu era quase uma demônia. Não sei por que fazia aquele sucesso todo. Com meu nariz antigo, pré-plástica.

 

V: Ah, vá. Modéstia sua.

CR: Eu falo que sou bonita em movimento. Sou mais interessante que bonita. Eu era uma criança feia, uma adolescente feia. Desenvolvi o poder de persuasão, o carisma.

 

V: Porque se a pessoa sempre foi bonita, nem sempre se dá conta de que precisa desenvolver outros atrativos, certo?

CR: Exatamente! Eu tinha uma amiga deslumbrante, mas meio mosca-morta. A gente chegava aos lugares, os homens a cercavam. Ninguém vinha conversar comigo logo de cara. Aos poucos, com meu papo, eu ia roubando o público. Nunca fui a menina bonita da escola, mas era a Miss Simpatia.

 

 

V: Você era boa aluna?

CR: Muito. Eu me empenhava porque queria dançar o dia inteiro. Então aquelas horas ali eram para me concentrar em tirar as melhores notas. Era só dez. Fui com 13 anos para Nova York, morei sozinha, sofri assédio, joguei uma coruja de cristal na cabeça da pessoa. Quase matei. Fui menina e voltei mulher.

 

V: Conta um pouco sobre seu projeto de palestras.

CR: Tem sido uma experiência muito gostosa, porque senti que falar da minha trajetória profissional podia ajudar outras mulheres. Falo do empreendedorismo associado aos meus trabalhos em televisão e teatro. Fiz uma em Fortaleza para 10 mil mulheres. Agora dei uma pausa porque estou ensaiando o musical dez horas por dia. Mas a gente volta assim que der.

 

V: Você se considera feminista?

CR: Sem dúvida.

 

V: Como vê a mulher de 2019?

CR: Ressurgindo das cinzas, igual ao meu cabelo. Tomando impulso. Minha geração é muito mais problemática que a da Sophia, minha filha, por exemplo. A geração dela nasceu empoderada. As mulheres da minha idade ficavam constrangidas na hora do sexo, se demorassem a chegar lá. A gente agora tem se libertado dessas amarras. Por que uma mulher de mais de 50 não pode refazer a vida dela? Por que não pode se casar de novo? Dá até para engravidar, porque hoje a tecnologia permite. Se ela quis pensar na carreira primeiro, por que não? Por que a mulher que decide não ter filho é achincalhada? Filho é um perrengue. É difícil. Se você quer muito, é espetacular, ainda assim difícil. Se você quer mais ou menos, é extremamente difícil.

 

V: Feminino e masculino são rótulos?

CR: Totalmente, e não deveria existir isso. Aquela polêmica ridícula de rosa e azul. Menino e menina têm que fazer tudo. Todo mundo pode tudo. Costumo dizer que eu sou uma mulher muito macha.

 

 V: Em que sentido?

CR: No de ter força, ser dona de mim mesma. O lugar do homem não é inatingível. Não existe isso de profissão para eles e para elas. Existe vocação. E vocação não tem sexo.

 

 

V: Você e seu marido têm papéis masculino e feminino muito definidos?

CR: Não, a gente não tem isso. Os dois se ajudam, se amam. De certo modo, um dá limite ao outro. Eu gosto de ser cuidada, mas também tenho o ímpeto de proteger. Outro dia rimos muito porque eu comecei a dar ordens, e ele me lembrou que não é meu funcionário.

 

V: Vocês estão trabalhando juntos num musical agora. Como tem sido?

CR: Há tempo queria ser dirigida por ele, então dei um tempo nas palestras por causa dos ensaios. Dois anos atrás, a gente encomendou à Anna Toledo um texto, com o objetivo de montar um espetáculo menor, que permitisse viajar com facilidade. Mas eu menti. Foi um engano. Claudia Raia é sempre sinônimo de volume, como você disse. Então, no fim, vamos ter dois caminhões-baú de 11 metros cada um. Faço sete personagens e ele, cinco. Troco de roupa 27 vezes no musical. Descobri que tenho uma megalomania absurda, e acho isso muito excitante.

 

V: Pelo que acompanho da sua carreira, eu diria que sua fórmula de sucesso contém paciência, disciplina, determinação e autoconhecimento. Acertei?

CR: Sem dúvida, mas acrescentaria coragem e sorte. Minha jornada foi marcada por pessoas que me deram a mão e oportunidade. Sem isso, mesmo com meu talento, talvez tivesse sido tudo diferente.

 

V: É muito fácil a gente destacar tudo que deu certo na sua trajetória. O que deu errado?

CR: Muita coisa. Na minha palestra sobre empreendedorismo feminino conto um caso, que foi quando eu comecei a atuar como produtora e montei A Pequena Loja dos Horrores. Imagina trazer dos Estados Unidos aquela planta do espetáculo, que tinha que ser um acontecimento. Investi muito dinheiro, e perdi. Eu era muito nova.

 

V: O que você tem de vulnerável?

CR: Não tenho uma autoestima legal. Tive uma mãe espetacular, mas bem professora. Ela me educou, me botou disciplina. Pouco me elogiou porque tinha medo que eu desandasse, entendeu? Também sou um pouco insegura. Trabalho isso na análise.

 

V: Acha que virou uma mãe parecida com a sua?

CR: Em algumas coisas, sim. Mas não sou tão dura com eles. Mamãe era amorosa, mas eu sou menos professoral. Queria ter sido um pouco mais celebrada por ela. Mesmo assim, a criação que tive me ajudou a ser mais pé no chão. Entendo o quanto o mundo é efêmero, o quanto preciso ser humilde.

 

V: É ciumenta?

CR: Acho que mais carente do que ciumenta. Mas eu sou muito esperta quando percebo alguma movimentação suspeita. Uma vez, quando era casada com o Edson, a gente estava num camarote de Carnaval e uma mulher começou a sorrir e piscar para ele. Fui lá perguntar se ela estava com algum problema no olho.

 

 

V: No começo do século 20, as mulheres eram proibidas de usar calças. Algumas foram presas por se oporem a essa regra. Acha que teria sido uma delas se tivesse vivido na época?

CR: Óbvio! Fui presa na Argentina, amor. Sou fichada lá, porque peguei uma época em que os homossexuais eram caçados. Era uma coisa horrível. Vinham aqueles caras tipo do filme Homens de Preto, levavam todo mundo. E eu dei uma resposta atravessada quando um policial questionou minha maquiagem – eu fazia o show com purpurina azul nos olhos. Mas a questão é que eu achava injusto levarem meus amigos. Então me levaram também. Só que eu era menor de idade e estrangeira. Minha mãe foi lá me buscar. Saí e fui procurar a Susana Jimenez, grande diva argentina que era vedete do nosso espetáculo. Ela que foi interceder pelos meninos.

 

V: Sair em defesa de quem você gosta é a sua cara. Ou não?

CR: Eu não sou uma pessoa da confusão, não. Já me meti em política, por exemplo, e prometi que não faria isso de novo. Arte e política não se bicam. Tenho minha opinião como cidadã, mas a gente é muito formador de opinião. Então prefiro me manter fora dessa polarização toda. Sou da alegria, do humor.

 

V: O rótulo de bonitona incomodou você em algum momento?

CR: Quando comecei, ninguém, além do Jô Soares, enxergava que eu era talentosa. Saquei logo que seria considerada a boazuda, e que tinha duas opções: ou virava atriz efetivamente ou me mantinha como a gostosona, coisa que duraria até meus 35 anos. Não é que fosse ruim estar nesse papel, porque é importante dar valor às fases que a gente vive. Falo isso para as meninas mais novas hoje, quando se incomodam de pegar muitos papéis de mocinha. Tem que trabalhar. Vamos nessa! Aproveitei cada onda que veio. Eu sei me reinventar. Dura quem tem conteúdo.

 

V: Até quantos anos você quer viver?

CR: Acho 96 anos uma boa idade. Já dura. A partir daí complica. Mas já decidi tudo: quero morrer no palco, de um mal súbito. Vou estar sentada, representando e… Puft! Cair morta.

 

V: Até isso você já planejou?

CR: E o enterro também. Quero pessoas cantando, dançando em volta. Eu morta, numa roupa ES-PE-TA-CU-LAR. No túmulo, uma foto absurda minha com um “oclão, que vou tirar lá pelos 85 anos. E, na lápide: “A vida inteira eu disse que só acordo. Agora resolvi dormir para sempre. Um beijo, tchau, te amo, amém.”

 

*Por Álvaro Leme 

 

 

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