Por dentro do Instituto Inhotim

O museu a céu aberto abriga mais de 500 produções expostas e jardim com mais de 4.300 espécies

Vista aérea do Centro de Educação e Cultura Burle Marx no Instituto Inhotim, projetado por Alexandre Brasil e Paula Zasnicoff, que oferece programas de educação e qualificação profissional para moradores da região. Seu nome homenageia Roberto Burle Marx, que assinou parte do paisagismo da propriedade
Vista aérea do Centro de Educação e Cultura Burle Marx no Instituto Inhotim, projetado por Alexandre Brasil e Paula Zasnicoff, que oferece programas de educação e qualificação profissional para moradores da região. Seu nome homenageia Roberto Burle Marx, que assinou parte do paisagismo da propriedade (Brendon Campos)

Às margens do Rio Paraopeba, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, acontece o espetacular encontro entre a mata atlântica e o cerrado, dois dos biomas mais ricos e diversos do país e da América do Sul. Parece até que a natureza se dedicou propositalmente à criação de um oásis com paisagens exuberantes no número 20 da Rua B, em Brumadinho. É lá que 140 hectares de terra são palco de uma experiência única que mescla arte e meio ambiente: o Instituto Inhotim, nome que, segundo moradores da cidade, surgiu no século 19 como vocativo para denominar o antigo morador da fazenda, o minerador inglês Timothy. Na linguagem local, “senhor Tim” acabou virando “nhô Tim” ou “inhô Tim”.

 

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Do solo ferroso das minas ergueu-se um dos maiores museus a céu aberto do mundo. A ideia pairou pela mente do mineiro Bernardo de Mello Paz na década de 1980, que viu em sua propriedade o potencial para hospedar uma experiência transformadora. À época, o empresário siderúrgico se interessava por arte moderna e já tinha a própria coleção. Com o tempo, a prioridade passou a ser os contemporâneos. Uma pessoa que desempenhou um papel fundamental para incentivar os projetos de Paz foi Allan Schwartzman, hoje diretor artístico do instituto. “O Allan indicou algumas das principais obras para compra e comissionamento. Os dois juntos chegaram ao formato do Inhotim”, afirma Douglas de Freitas, curador do museu.

 

Em 2002, Paz criou a Fundação do Instituto Cultural Inhotim, instituição sem fins lucrativos destinada à conservação, exposição e produção de trabalhos contemporâneos de arte, ações educativas e sociais. Três anos depois, o Inhotim abriu para visitas pré-agendadas de grupos específicos, com liberação para o grande público apenas em 2006. A cada ano, mais e mais galerias de arte foram inauguradas no imenso terreno, atualmente com 23. Para citar algumas, há pavilhões dedicados a Adriana Varejão, Claudia Andujar, Miguel Rio Branco, Tunga, Valeska Soares, Lygia Pape e Matthew Barney. São cerca de 500 obras expostas de mais de 60 artistas, de quase 40 países, integrantes de um acervo de mais de mil peças com foco em instalações site specific (método artístico em que se concebe uma produção em seu local de exposição).

 

Com projeto de Paulo Orsini, a Galeria True Rouge, com a obra homônima de Tunga, foi a primeira a ser inaugurada no Inhotim (2002) e a expor o trabalho de um único artista em caráter permanente

Com projeto de Paulo Orsini, a Galeria True Rouge, com a obra homônima de Tunga, foi a primeira a ser inaugurada no Inhotim (2002) e a expor o trabalho de um único artista em caráter permanente (Divulgação)

 

O projeto curatorial do Inhotim contribuiu para que sua coleção, que brotou com a semente plantada por Paz, se tornasse uma das mais notórias do país. “Uma premissa é a aquisição de peças grandiosas e não convencionais. Hoje temos muitas obras em vídeo, que lá no começo [da trajetória do instituto] não eram tão compradas por outros museus”, explica Freitas. “Desde o início, o perfil da coleção não se enquadra na maioria das instituições artísticas.” Um exemplo dado pelo curador é Expedição, de Tunga, composta de mais de mil peças de vidro. A maior parte do acervo ainda pertence a Paz e permanece no museu em regime de comodato (empréstimo de bens), com exceção de algumas doações.

 

Das 500 produções expostas, Freitas cita três favoritas do público: Forty Part Motet (2001), de Janet Cardiff, na Galeria Praça; True Rouge (1997), de Tunga, no pavilhão homônimo; e Invenção da Cor, Penetrável Magic Square #5, De Luxe (1977), de Hélio Oiticica, ao ar livre. A Galeria Claudia Andujar também é uma queridinha, bem como a Galeria Psicoativa Tunga, que traz uma das melhores criações da arte brasileira, na opinião de Freitas. “São obras fundamentais para a história da nossa arte.”

 

True Rouge, no  Instituto Inhotim

True Rouge (William Gomes)

 

Tudo isso em meio a um jardim botânico com mais de 4.300 espécies raras, originárias de todos os continentes. “O Inhotim é uma experiência. Percorrer os jardins para encontrar as instalações é um programa para pelo menos dois dias. É uma viagem, não é só um museu”, comenta Freitas. Não à toa, um dos planos do instituto é o estabelecimento de relações internacionais para firmar o parque como referência mundial por seus valores artísticos e ecológicos.

 

A relevância do Inhotim estende-se ainda ao eixo social. Em 2008, o instituto foi reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) pelo governo de Minas Gerais. Com o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em 2019, a união com a comunidade estreitou-se. “Tem sido importante, nos últimos anos, entender a relação com Brumadinho”, diz o curador. Contribuindo economicamente como polo turístico, mais de 70% do quadro de funcionários são moradores da cidade, a maioria deles jovens entre 18 e 25 anos, no primeiro emprego. No ano da tragédia, foram lançados os programas Nosso Inhotim, que oferece gratuidade na entrada de moradores no museu, e o Palco Brumadinho, que levou artistas da região aos palcos da propriedade.

 

A Galeria Adriana Varejão foi inaugurada em 2008 e é uma das favoritas do público

A Galeria Adriana Varejão foi inaugurada em 2008 e é uma das favoritas do público (William Gomes)

 

E assim o Inhotim consegue impactar e conversar com um grande público pelo poder da arte e da natureza. “Se você fotografar uma pessoa na chegada e na saída, dá para ver em seu rosto que houve uma transformação, o que é incrível”, declara Antonio Grassi, diretor-presidente do instituto. “O Inhotim mostra na prática que a arte tem o poder de transformar.”

 

O ator, que já foi presidente da Funarte e secretário de Cultura do estado do Rio de Janeiro, fala que houve uma discussão interna sobre a melhor definição para o Inhotim: “Definir como museu seria pouco. É um museu, mas é muito mais do que isso. Classificar como jardim botânico também seria pouco. A melhor designação para o Inhotim é um estado de espírito”. Grassi conta que as pessoas ficaram carentes de Inhotim durante a pandemia, período em que o instituto teve de se reinventar sem visitas presenciais e convidou artistas para criar produções especialmente voltadas para o meio digital. “Brinco que o instituto reabre como uma vacina para a alma. Precisamos de vacina no braço e na cabeça, para a saúde mental.”

 

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Com apenas 15 anos de história, o Inhotim já se tornou um patrimônio, apresentando uma seleção excepcional de obras de arte, dialogando com instituições centenárias e unindo-se à comunidade. Para o diretor-presidente, a própria história da instituição, construída a partir de uma área degradada de mineração, define seu legado: a prova de que a arte salva. 

 

Por Mattheus Goto | Matéria publicada na edição 122 da Versatille

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