Os brasileiros provam uísque – e gostam dele. Maurício Porto, do Caledonia, explica o movimento

Segundo dados da Euromonitor International, o país é o terceiro que mais avançou no consumo do destilado entre 2021 e 2023, com uma alta de 16%

Maurício Porto (Foto: Divulgação)

Entre as tantas aspas famosas de Vinicius de Moraes, uma delas triunfa entre os apaixonados por coquetelaria: “O uísque é o melhor amigo do homem: é um cachorro engarrafado”. Por muito tempo, esse homem citado pelo poeta, com sua bebida de estimação, vivia cercado por um estereótipo, o de um senhor de idade, sentado em uma poltrona de couro, em seu escritório escuro e amadeirado, fumando o seu charuto e bebendo uma dose pura e cara de um bom uísque. Talvez estivesse com as pernas cruzadas, utilizando sapato social, mesmo estando no conforto de casa. Há espaço para imaginação, mas é nesse clichê que permanecia a imagem do consumidor do destilado.  

 

Difícil seria imaginar um jovem de roupas despojadas bebendo uísque, ou mesmo uma mulher, em meio a um alcoólico tão potente. Alguns infelizmente ainda cultivam esse pensamento, mas digo com alívio que eles estão errados. A primeira vez que visitei o Caledonia Whisky&Co., bar especializado em coquetelaria e uísque em São Paulo, encontrei um espaço diverso, com mesas que abrigavam casais e grupos de amigos. Na época, eu tinha pouco contato com a bebida, mas consegui apreciar os coquetéis sem dificuldade nenhuma. Desde então, já tive a experiência de provar a dose pura e perceber que a experiência não é tão agressiva quanto sempre nos fizeram acreditar.  

 

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Talvez o estereótipo seja o grande responsável por essa aura de desconfiança que muitos enxergam no uísque. Algo completamente solucionável. Uma conversa com Maurício Porto, sócio do Caledonia, consegue reverter facilmente os preconceitos. Inclusive, foi com a ideia de desmistificar o destilado que o paulistano mergulhou de vez nesse universo. Mesmo trabalhando como advogado, ele já gostava do assunto e realizava cursos para se especializar. Há cerca de dez anos, com o incentivo do seu atual sócio, Guilherme Valle, decidiu criar o blog Cão Engarrafado (um brinde a Vinicius de Moraes), com a ideia de traduzir para o português e escrever de forma leve e bem-humorada sobre informações técnicas que ele só encontrava em inglês.  

 

“O blog era divertido, mas vale dizer que escrever consolida o conhecimento, então esse passo foi importante para a nossa relação com o mercado. Na época, começaram a me chamar para conduzir degustações”, recorda Porto. Com demandas cada vez maiores, surgiu a ideia de criar o Caledonia como um espaço de aulas e degustações – além de ser o local perfeito para abrigar garrafas de uísque. Ao lado de Guilherme Valle, o plano de negócio foi sendo construído e se transformando no que conhecemos hoje: o estabelecimento organiza degustações, mas também é reconhecido como um ótimo bar que figura na lista do 50 Best Discovery.  

 

(Foto: Divulgação)

 

Trabalhando diretamente com o público, o ex-advogado percebe mudanças no mercado do destilado, um interesse crescente no assunto. “É surpreendente até para mim. Quando começamos, eu achei que teríamos que fazer um supertrabalho de conscientização do cliente, mas incrivelmente a maioria das pessoas já chega entendendo a proposta”, ressalta. “Além disso, os comensais não seguem o estereótipo. São pessoas de 20 a 50 anos, e as mulheres representam pelo menos 40% do público. É comum recebermos mesas compostas apenas de mulheres. E já adianto: elas são muito melhores para identificar as notas.”  

 

Essa percepção de uma clientela mais diversa não é mera impressão. O consumo de uísque realmente vem aumentando no Brasil. Segundo dados da Euromonitor International, o país é o terceiro que mais avançou no consumo do destilado entre 2021 e 2023, com uma alta de 16% – ficando atrás apenas de Japão e Índia, que já possuem uma tradição com a bebida.  

 

Para o empresário, a explicação por trás desse aumento é muito clara: os brasileiros estão se permitindo provar. “Normalmente, quando você não gosta de uma bebida, é porque não provou o estilo que gosta”, afirma. “O que acontece é: as grandes marcas criam um produto feito para agradar a todo mundo. Mas esse ‘todo mundo’ pode não englobar você. Cria-se um perfil de paladar que exclui muitas pessoas, que provam os comerciais, não gostam e pensam que odeiam uísque. Quando elas provam outros, acabam se surpreendendo.”  

 

Hoje, Porto é mais do que melhor amigo dos uísques: em 2023, em um castelo em Perthshire, na Escócia, tornou-se membro do seleto grupo Keepers of the Quaich, uma comenda especial concedida a pessoas que realizam um trabalho extraordinário na indústria do Scotch Whisky por, no mínimo, sete anos. No Brasil, ele é o único dono de bar a deter o título. Um sério reconhecimento para alguém que tenta fazer com que todos – homens e mulheres – entendam o prazer de adotar um “cão engarrafado” para suas vidas.  

 

Uma carta histórica  

 

Cumprindo com o dever de informar de uma forma leve, a carta do Caledonia, lançada em junho, é uma verdadeira viagem pela história etílica. Assinada pelo head bartender Alison Oliveira e com storytelling pensado por Maurício Porto, a “Time & Place” conta com dez coquetéis, nomeados segundo o lugar e a época em que seu destilado-base foi mais popular.  

 

Alison Oliveira (Foto: Divulgação)

 

Bridgetown, 1703 retoma o período anterior à Revolução Americana, iniciada em 1775, quando a bebida mais consumida era o rum, devido à forte presença de colônias britânicas no Caribe. Já o Kilmarnock, 1830 foi batizado com o nome de uma cidade escocesa, visto que o seu coquetel é um blend de single malts – categoria que surgiu das casas de chá da Escócia. A nova carta envolve diversos tipos de destilados e reforça o poder da coquetelaria. No entanto, ainda há os coquetéis clássicos no menu e as tentadoras prateleiras com uísques do mundo todo para serem provados em uma visita ao local. Aproveite a viagem! 

 

Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 135 da Versatille

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