O renascimento da (boa) coquetelaria em bares de hotel

Com coquetelaria de primeira e ambientes cool, bares de hotéis se tornam destinos luxuosos para quem não abre mão de conforto na hora dos bons drinks. Tim-tim!

Não faz muito tempo que o bar de um hotel era apenas isso: um anexo sem personalidade, onde hóspedes, na falta de lugar melhor para ir, bebiam alguma coisa – geralmente com preços superfaturados e baixa expectativa em termos de qualidade. Uma cerveja gelada ou um uísque eram um porto seguro em meio ao deserto de ofertas.

 

Coisa do passado. Em alguns dos melhores estabelecimentos de São Paulo, a coquetelaria virou a razão que faz muita gente sair de casa. “Cerca de 90% de nosso público é de não hóspedes” afirma João Corte-Real, diretor-geral do Tivoli Mofarrej. É lá que fica o Seen São Paulo, cuja vista da capital paulista, somada a uma caprichada carta de bebidas, resulta em média de 7 mil drinks por mês.

 

Praticamente todos os hotéis de primeira grandeza na cidade dispõem de bons bares como trunfo – Unique (Skye), Hilton (Canvas), Fasano (Baretto), Palácio Tangará (Burle) e Four Seasons (Caju), por exemplo. “Hoje, em muitos casos, você vê o bar antes mesmo da recepção”, conta Raphael Pazzini, gerente do Four Seasons São Paulo, que destaca a importância crescente do bar dentro da estrutura da rede hoteleira de luxo no mundo.

 

A gênese desse movimento no Brasil, contudo, ocorreu em uma estrela dos anos 1980, que já há algum tempo busca se reinventar: o Maksoud Plaza. Foi no magnífico prédio da região da Avenida Paulista que abriu as portas, em 2015, o Frank Bar, no ponto antes ocupado pelo Batidas & Petiscos, um bar aconchegante, mas pouco movimentado. “Posso falar, sem dúvidas, que a gente deu início a tudo isso por aqui”, pontua Spencer Amereno, que chefia a equipe de bartenders do estabelecimento.

 

O sucesso do Frank pode ser mensurado não apenas pelos números – por semana, o bar vende em média 1.200 coquetéis –, mas também pelo reconhecimento da crítica, cuja honraria principal é a citação na The World’s 50 Best Bars, a mais influente lista de bares do planeta, em que ocupa a 96ª posição na edição 2019. A grandiosidade do espaço – em termos de prestígio, pois o tamanho é diminuto e aconchegante, buscando emular o ambiente dos antigos speakeasy do início do século passado – inverteu a antiga lógica de bares de hotel: não só a grande maioria dos clientes é de fora como o Maksoud oferece condições especiais para quem vai ao bar e decide passar a noite num de seus quartos.

 

Entre as razões que explicam o sucesso dessa modalidade de bar está, claro, o investimento dos hotéis, mas não só. Do ponto de vista do consumidor, pesam elementos como estrutura, estacionamento, segurança e ambiente. “Além da chance de conhecer pessoas de vários lugares do mundo”, destaca Heitor Marin, do Seen. Raphael Pazzini, do Four Seasons São Paulo, complementa a ideia colocando o Caju Bar, liderado por Paulo Ravelli, como exemplo: “Os clientes têm a demanda não apenas de um drink, mas da experiência como um todo – o bartender, a sabedoria no uso dos produtos, a música”.

 

 

TENDÊNCIA MUNDIAL

O sucesso do Frank, do Seen e seus congêneres é apenas o sabor brasileiro de algo maior. Beber bem em hotéis de luxo é uma tendência global. Não se trata de uma novidade ou de uma moda passageira, mas de um retorno a um passado no qual os bares de hotel eram o que havia de mais quente nas grandes metrópoles mundiais.

 

Trata-se, portanto, de um resgate, pois a história da coquetelaria sempre caminhou paralelamente ao surgimento e à expansão dos hotéis. Esse tipo de hospedagem, com mais dinheiro para investir, tinha iguarias e ingredientes que hoje são corriqueiros, mas não eram no século 18. Gelo é um deles, acredite se quiser.

 

Considerado pai da coquetelaria clássica, Jerry Thomas (1830-1885) fez fama atrás de um balcão de bar de hotel, no caso, o Occidental, em São Francisco. Ganhava US$ 100 por semana, salário maior que o do vice-presidente americano na época. Uma série de drinks conhecidos mundialmente surgiu em condições similares. O Hanky Panky, de Ada Coleman, no Savoy (Londres), o primeiro martíni no Knickerbocker (Nova York), o Vieux Carré, no Monteleone (Nova Orleans), e a mimosa, no Ritz (Paris).

 

Essa charmosa tradição caiu em declínio nos anos 1970 e, principalmente, na década seguinte, considerada um período sombrio da coquetelaria devido à invasão de sabores sintéticos, cremes, xaropes e refrigerantes. O período de decadência foi longo e duradouro.

 

Mas o renascimento da coquetelaria clássica nos anos 2000 em bares especializados, amparado pela explosão de drinks como o negroni e o gim-tônica, contornou esse cenário. O ranking do The World’s 50 Best Bars joga luz na relação global entre coquetelaria e hotelaria: o top 5 da premiação é atualmente dominado por bares de hotéis. Que venham ainda mais décadas de brindes em alto estilo!

 

BARES por Gustavo Silva | Matéria publicada na edição 113 da Revista Versatille

 

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