“Não somos Leonardo da Vinci”, diz o cirurgião plástico Pedro Albuquerque
O cirurgião plástico de celebridades e empresários defende o ofício sob a ótica da restauração: mantendo-se o mais fiel possível ao original
Qualquer pessoa mais desavisada que colocar os pés na clínica instalada numa mansão no bairro da Cidade Jardim, zona nobre da capital paulista, pode imaginar, enquanto espera na imensa sala cuidadosamente decorada, que será recebida por um médico cheio de pompa e circunstância, daqueles que pouco ouvem seus pacientes, falam alto e mostram até certa arrogância adquirida com as décadas de feitos bem-sucedidos. Afinal, ele é o cirurgião plástico das estrelas – aqui, no Brasil, e na Europa, onde operou por 18 anos numa ponte aérea que dividia seu mês entre São Paulo e Roma.
Mas é só entrar na sala de Pedro Albuquerque para essa imagem se desfazer no ar. Pequeno,
preocupado com a vestimenta – desde os tempos de trabalho na Itália, quando levou um pito de uma anfitriã durante um jantar por não usar meias –, de fala mansa, com um delicioso sotaque paraibano e sem nenhuma pressa, ele recebeu a Versatille para uma conversa que deveria durar uma hora e chegou a quase duas.
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Falou sobre carreira, os exageros cometidos em nome da beleza, diferenças entre os pacientes que chegam todos os dias a sua clínica e até mostrou presentes ganhos de celebridades cujos nomes ele prefere manter no anonimato. Alguns deles, no entanto, são de conhecimento público, como Fausto Silva e Silvio Santos. Só que é gato escaldado: já foi repreendido por elogios públicos feitos por um empresário, embora não tenha tido qualquer controle sobre isso. Mas também porque citá-los nem é algo que combine com ele. Seu know-how fica mais explícito nas explicações técnicas detalhadas que oferece a seu interlocutor do que nos nomes e sobrenomes de quem já passou por suas mãos.
Com um ótimo senso de humor, pega carona nas perguntas feitas para contar causos, lembrar de situações vividas ao longo da carreira e falar da família. Ninguém fica de fora: esposa, filhos e os quatro netos, a quem reserva parte de seu tempo numa rotina atribulada, voltam recorrentemente à pauta.
Veja, a seguir, os melhores momentos da entrevista com o doutor Pedro Albuquerque.
Versatille: O Brasil sempre foi reconhecido como uma referência em cirurgia plástica. Isso ainda é verdade?
Pedro Albuquerque: O Brasil é a terra dos grandes cirurgiões, mas também a terra dos aventureiros profissionais. Os especialistas precisam ter consciência de que não são Leonardo da Vinci. Não fizemos A Última Ceia nem a Mona Lisa. Somos restauradores, ou seja, temos de ser o máximo possível fiéis ao original. É nisso que eu acredito.
Uma mulher de 30, 35 anos não precisa de cirurgia plástica. Mas os cirurgiões, antigamente, para atender à demanda, puxavam o máximo possível – só assim para dar alguma diferença. Claro que grandes profissionais, como o doutor [Ivo] Pitanguy, não caíam numa roubada dessas.
Mas sim, ao lado da Califórnia e do México, o Brasil é uma das grandes escolas de cirurgia plástica do mundo.
V: Os cosméticos evoluíram muito. Eles são capazes, em alguma medida, de substituir as cirurgias plásticas?
PA: Nenhum tratamento cosmético substitui a cirurgia plástica. Isso só acontece quando o paciente tem medo ou por restrições financeiras. O custo, aliás, é responsável pela profanação da profissão de cirurgião plástico. Atualmente, oftalmologistas fazem cirurgias de pálpebras, os cirurgiões bucomaxilofaciais e dentistas fazem cirurgias da face, os obstetras já aproveitam o momento do parto para retirar uma parte da gordura abdominal e fazer uma lipo. O grande problema disso é que, muitas vezes, esses profissionais não estão habilitados para isso.
Mas voltando ao tema dos tratamentos, todos eles potencializam a cirurgia plástica. E isso vale não só para os cosméticos, mas também para os cuidados com alimentação e a prática de atividades físicas. E não estou falando daquelas pessoas musculosas. Essas vão pagar um preço alto no futuro, em função do desgaste das articulações, capaz de prejudicar até a forma de andar. O melhor exercício é o alongamento. Caminhadas suaves também são indicadas. [Ele próprio acorda diariamente às 5 horas para caminhadas com a ajuda de um aplicativo que somam, em média, 80 quilômetros por semana.]
V: O que o senhor considera uma cirurgia bem-feita?
PA: Em primeiro lugar, é preciso observar a localização da cicatriz. Por menor que ela seja, não deve aparecer. Uma cirurgia que amputa a costeleta ou o cabelo temporal é malfeita. Normalmente, operações de sucesso são aquelas em que as pessoas olham para o paciente e notam algo diferente, mas não sabem dizer o que é. Se ele disser que mudou o corte de cabelo, fica por isso mesmo.
V: E o que faz um bom cirurgião plástico?
PA: Habilidade com as mãos, conhecimento anatômico diferenciado e respeito às particularidades do rosto e do cabelo dos pacientes.
V: Como o senhor descreveria os pacientes que o procuram?
PA: Eu classificaria em três tipos principais. Há aqueles que têm autoconfiança e querem só apagar um pouco as marcas do tempo. Esses são mais fáceis de agradar e geralmente ficam felizes com o resultado. Existem outros que querem um pouco mais, mas sem perder a personalidade. E também aqueles que buscam um milagre, o que é impossível, já que a cada 24 horas estamos mais velhos.
V: Além de cirurgias estéticas, o senhor faz outros tipos de operações?
PA: Eu ainda faço cirurgias de fenda palatina e algumas reconstruções de queimaduras. Mas eu não cobro, principalmente no caso de crianças, que me sensibilizam muito.
V: Que tipo de procedimento ou paciente o senhor rejeita?
PA: Eu rejeito as pessoas que têm negação física de si próprias. Elas nunca vão ficar satisfeitas e você passa a ser parte do problema delas, já que lhe foi dado um crédito que você não tem.
V: Pedro, seu filho, atua no mercado financeiro, enquanto Mariana é arquiteta. Eles não quiseram seguir sua carreira?
PA: Não deixei. Sabe aquela pessoa que está sempre no negativo? Não digo em termos da materialidade do ganho, mas porque o desejo das pessoas é quase sempre muito maior do que aquilo que eu posso proporcionar.
V: Mas o senhor tem essa sensação constante de estar devendo a seus pacientes?
PA: Não é a minha sensação. É a de todos os cirurgiões plásticos.
V: O senhor pegou covid-19 antes mesmo de a pandemia chegar ao Brasil. Como foi?
PA: Eu me cuido, por isso acho que foi tranquilo. Além de caminhar, eu tomo uma garrafa de vinho por semana. O vinho tinto é a única bebida que, na medida certa, não faz mal. Ele tem resveratrol [polifenol que fornece inúmeros benefícios para a pele], que, junto com o licopeno [presente em alimentos como a cenoura e o tomate], fazem da pessoa uma série candidata a viver muito. No que diz respeito à alimentação, sou adepto da dieta de São Francisco: passar fome à noite.
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V: O que o senhor seria se não fosse cirurgião plástico?
PA: Padre. Eu fui dado para São Francisco pela minha mãe, em troca da cura para uma doença que ela tinha. Meus pais tinham oito filhos e, embora meu pai fosse considerado rico para os padrões nordestinos, o convento franciscano onde eu fiquei dos 8 aos 16 anos pagava a escola. Além disso, oferecia uma comida razoável, uma disciplina ferrenha e a exploração das habilidades individuais. A minha era o desenho – eu desenhava muito em aquarela.
Acho que por isso até hoje eu não tenho grande fanatismo pelo Natal. Lá não tinha. Semana Santa era voto de silêncio, a gente só comia no domingo de Páscoa. No dia 24 de dezembro, nascimento de Cristo, era abstinência. Não tinha comida. E eu era criança. Mas, como havia um pomar enorme, eu dava um jeitinho de roubar umas frutas [risos].
V: Para terminar: o que é a beleza para o senhor?
PA: A beleza tem forma, mas tem alma. Você não precisa ter uma beleza absoluta; ela pode ser razoável apenas, mas precisa ter uma boa alma.
Por Gabriela Arbex | Matéria publicada na edição 126 da Versatille
Fotos: Gabriel Bertoncel